A negociação do pacote de apoio à pandemia e orçamento europeu para os próximos sete anos resultou num apoio correspondente a 27% do PIB, ou 58 mil milhões de euros.

Nunca Portugal recebeu tamanha ajuda, apesar das estratégias negociais de vitimização, muito embora não baste para que tudo acabe bem. Para que exista um efeito multiplicador na economia, não temos de inventar projectos para gastar, mas sim investir em educação financeira, ética, e pedir responsabilidade na gestão pública.

Durante este processo negocial, a Holanda foi apelidada de forreta, frugal, e foi culpabilizada por um eventual fracasso das negociações. Não era mais realista pensar que foi um país responsável, diligente, cauteloso e preocupado com o futuro?

Numa altura em que os três maiores bancos americanos – Citigroup, JPM e Wells Fargo –registam provisões superiores a 28 mil milhões de dólares, acima do registado na grande crise financeira de 2008, não será este um sinal do período de desigualdade e desemprego que aí vem, com consequências para os países e entidades endividadas?

Verificou-se também uma tentativa de culpabilizar a Holanda por ter um sistema fiscal mais vantajoso, permitindo, nomeadamente às empresas que têm domicílio local, a isenção do pagamento de impostos sobre lucros e mais-valias de participações superiores a 5% de empresas estrangeiras. Recordo que, em Portugal, foi negociado um acordo de longo prazo para o IRC, entre o PS e PSD em 2013, que não durou dois anos e que previa isenções semelhantes. Estas isenções não constituem uma fuga aos impostos uma vez que a actividade operacional não é em Portugal, mas sim um rendimento da empresa já tributado localmente.

Mais do que culpabilizar outros países, há que perceber que a instabilidade fiscal e as guerras políticas que dão o dito pelo não dito geram incerteza, e acabam por retirar competitividade ao nosso sistema fiscal e às empresas portuguesas que se vêem limitadas no seu planeamento de expansão internacional a longo prazo.

A vantagem do sistema fiscal holandês assenta na estabilidade. Na prática, apenas existe porque os outros países estão mais preocupados em cobrar impostos, taxar tudo o que se possa mexer ou começar a dar lucro. É bom recordar que Portugal também contribui para o dumping fiscal ao aliciar os pensionistas dos países nórdicos, prometendo-lhes isenções fiscais únicas.

Regressando à montanha de dinheiro com que Portugal será brindado, este deve ser visto como um plano de investimento em projectos viáveis e não como um plano para simplesmente gastar. Será necessário criar um sentido de gestão e prestação de contas, bem como responsabilizar criminalmente os gestores. Sem esta responsabilidade, nem os 58 mil milhões de euros nos salvarão da próxima troika. Importa não esquecer que grande parte deste dinheiro não é nosso, é emprestado.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.