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Ricardo Oliveira: “Nenhum construtor ganha dinheiro a produzir veículos elétricos”

O fundador da World Shopper é perentório: nesta fase de transição tecnológica, os construtores não ganham dinheiro a produzir veículos elétricos mas evitam multas milionárias em que poderiam incorrer se não cumprissem os limites de emissões.
22 Junho 2019, 11h00

Os construtores estão a responder a exigências políticas na produção de veículos elétricos. É provável que a partir de 2025 a rentabilidade seja reposta para a generalidade dos construtores, mas não é previsível “que se venham a alcançar as margens máximas que alguma vez se atingiram nos veículos a combustão”, diz o fundador da World Shopper, Ricardo Oliveira.

Por que são os carros elétricos diferentes na conceção, produção, marketing, utilização e manutenção?
Na conceção e produção, os automóveis 100% elétricos (BEV, Battery Electric Vehicle) são tendencialmente mais simples: menos peças móveis, ausência de sistemas de alimentação, escape, embraiagem, caixa de velocidades, entre outros. Esta simplicidade irá abrir as portas da indústria automóvel a novos construtores que irão utilizar plataformas fornecidas pelos OEM tradicionais. A redução do número de peças de desgaste e a inexistência de mudanças de óleo implicam a reinvenção do modelo de negócio do após venda, ao nível da manutenção. O marketing é diferente porque o produto tem especificidades (autonomia mais limitada, por exemplo) e o público-alvo tem expetativas diferentes. Na World Shopper Conference 2019 apresentámos vários workshops sobre o impacto dos BEV no retalho automóvel.

O futuro dos carros é mais elétrico ou poderá ser mais hidrogénio ou outro tipo de alimentação?
Neste momento o futuro dos automóveis é mais elétrico porque esta é a via financeiramente mais sustentável para os construtores atingirem as metas de emissões de CO2, de 95 g/km até 2020/21. A alternativa de se continuar a despoluir os motores de combustão interna (I.C.E.) iria acabar por ter impactos significativos nos seus custos e fiabilidade. A via do hidrogénio é uma opção interessante mas ainda muito penalizada pelas dificuldades de distribuição. Os combustíveis sintéticos são uma hipótese menos conhecida e de fácil implementação mas não resolve o problema da poluição localizada: no processo produtivo destes combustíveis é consumido CO2, pelo que existe uma compensação das emissões produzidas pelos veículos. Mas esta compensação só seria efetiva se a produção dos combustíveis sintéticos ocorresse nas cidades, nas zonas de elevada concentração de emissões de CO2.

E que futuro se prevê para as baterias? Terão grande densidade? Haverá novos produtos químicos na sua composição para evitar a saturação de componentes raros?
A densidade energética das baterias de ião de lítio ainda tem cerca de 30% de margem de progressão mas perfilam-se alternativas, como é o caso das baterias de estado sólido. Os acumuladores tipo “solid-state” possuem um eletrólito sólido, em lugar do eletrólito líquido utilizado hoje nas baterias de ião de lítio. Estas novas baterias podem duplicar a densidade energética (no máximo 300 watts por kg, atualmente) ocupando menos espaço. Podem carregar mais rapidamente, durar mais e eliminar os riscos de segurança associados às baterias dotadas de eletrólito líquido. A Toyota – o construtor mais avançado nesta tecnologia – prevê o lançamento de um veículo equipado com baterias de estado sólido até 2021.
O lítio e o cobalto são duas das matérias-primas que mais condicionam a produção das baterias. Se no primeiro caso, Portugal é líder europeu na produção de lítio já o cobalto está muito concentrado na República Democrática do Congo, uma região muito conturbada. De uma forma geral os fabricantes de baterias têm vindo a reduzir os índices de cobalto e o construtor que lidera nesta matéria é a Tesla. As baterias produzidas pela Tesla e pelo seu parceiro Panasonic Corp. são as que necessitam de menores quantidades de cobalto e, por isso, alcançam o custo mais baixo por kW/hora: 100 dólares.

Podem os construtores de carros elétricos alterar o “mindset” do consumidor relativamente à mobilidade tradicional?
A mobilidade partilhada, na qual se insere o car-sharing, recorre a diferentes tipos de propulsão: gasolina, diesel e elétrica. Pelo sua acessibilidade, o car-sharing pode ser uma excelente oportunidade para novos condutores experimentarem veículos elétricos. Nos test-drive prolongados, os condutores podem apreciar a forma como estes veículos se adaptam idealmente às atuais condições de circulação: binário máximo sempre disponível, silêncio, condução zen. Fazer chegar estas experiências de condução a mais pessoas poderá contribuir para alterar o “mindset” do consumidor. De qualquer forma, na nossa opinião, o “mindset” pró-elétrico dos consumidores já é hoje muito favorável.

O carro elétrico ainda tem mitos? Quais?
Não diríamos mitos. Tem algumas barreiras que podem ser mais ou menos ultrapassadas em função do perfil de mobilidade e das condições de cada utilizador. A autonomia das baterias, a eficácia da infraestrutura da rede de carregamento, o preço dos veículos, a origem da eletricidade utilizada e a reciclagem das baterias são barreiras que, em função de cada país, estão em vias de resolução. Não se pode avaliar o impacto destas barreiras, sem ter em conta a perspetiva da sua evolução: por exemplo, a capilaridade da rede de carregamento nas cidades e os corredores de carga rápida nas autoestradas estão a evoluir muito rapidamente, como podemos constatar através das diferentes RoadTrips Elétricas que a World Shopper realiza ao longo do ano, na Europa (por exemplo a rede IONITY tenciona instalar 400 pontos de carregamento na Europa, até 2020).

O volume de vendas atual de carros elétricos permite sustentabilidade às marcas?
Não. Atualmente praticamente nenhum construtor ganha dinheiro a produzir veículos elétricos. Em 2014 ficou famoso o pedido de Sergio Marchionne (à época CEO na FCA) para as pessoas não comprarem o Fiat 500e porque cada unidade vendida representava um prejuízo de 14 mil dólares. O grande obstáculo à rentabilidade é o preço das baterias: atualmente o preço do kWh ronda os 150 dólares para células de baterias. Prevê-se que este valor venha a cair para baixo dos 50 dólares em 2025, graças às economias de escala.
Nesta fase de transição tecnológica os construtores não ganham dinheiro a produzir veículos elétricos mas evitam multas milionárias em que poderiam incorrer se não cumprissem os limites de emissões acordados. A partir de 2025 a rentabilidade será reposta para a generalidade dos construtores mas não é previsível que se venham a alcançar as margens máximas que já alguma vez se atingiram nos veículos a combustão.

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