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“Indústrias nacionais de materiais de construções têm uma produção equivalente à Autoeuropa”

Gonçalo Salazar Leite, presidente da ATIC – Associação Técnica da Indústria de Cimento, realça que “em Portugal, temos esses custos relacionados com os direitos de emissão e com o custo da energia, por muito grande que seja a nossa eficiência energética”.
3 Junho 2019, 07h47

Qual a importância da indústria cimenteira na Europa?

Esta indústria assegura na Europa cerca de 1,1 milhões de postos de trabalho, diretos, indiretos e induzidos. E é preciso ver que neste momento a capacidade instalada na Europa nesta indústria ainda é excedentária, por isso, se não se existirem condições para operar, o risco de encerrar capacidade industrial na Europa é muito real. Se olharmos, por exemplo para uma fábrica de cimento na Turquia, no Egipto, ou na Argélia, em comparação com as suas congéneres do espaço europeu, percebemos que tem um enquadramento fiscal e social diferente, um custo de energia muito mais reduzido e, acima de tudo, não tem de pagar pelas emissões de CO2 que o seu processo produtivo gera. Como é que vai ser possível competir com isto?

Em Portugal, temos esses custos relacionados com os direitos de emissão e com o custo da energia, por muito grande que seja a nossa eficiência energética. Se esses ónus comparativos  não permitirem as exportações, devido a custos competitivos, obviamente, isso terá consequências na capacidade instalada e nas exportações portuguesas desta indústria, e rapidamente também na substituição da produção para o mercado interno.

 

Como se pode resolver esse problema?

Na U.E., existe o objectivo de ter 20% do PIB gerado a partir da indústria. A Comissão Europeia inclui a indústria cimenteira numa das seis cadeias de valor identificadas como estratégicas, que a União Europeia quer desenvolver na próxima década. Portugal tem pouca indústria e esta indústria cimenteira é das poucas que tem capacidade para gerar exportações, garantir emprego e aumentar os níveis de sustentabilidade. As autoridades nacionais têm de olhar para a indústria nacional, em geral, como um desígnio nacional, e para a indústria cimenteira como uma possibilidade de manter o país autónomo em termos económicos e ambientais.

Em Portugal, a indústria cimenteira, juntamente com todas as outras indústrias de materiais de construção – cimento, betão, agregados, aço, cerâmica, vidro, madeira e cortiça para construção, e outras – realizam exportações equivalentes a mais de 3% do PIB nacional – o equivalente a uma Autoeuropa.

A UE quer descarbonizar dentro das suas fronteiras. No que respeita a Portugal, estamos confiantes que, juntamente com o Ministério do Ambiente e com o Ministério da Economia, conseguiremos alcançar este desígnio. Se assim for, conseguiremos manter em Portugal as fábricas e os empregos, iremos ter uma indústria que abastece o mercado interno e têm exportações, que mantém em Portugal o ‘know how’ adquirido, assim como a geração de valor acrescentado, já sem falar da óbvia contribuição para a balança de pagamentos do país.

 

O que é preciso para que tal se concretize?

É fundamental haver apoio ao investimento em novas tecnologias para captar e para a reutilização de carbono. Isso é indispensável para a sustentabilidade ambiental do setor, da economia e da sociedade. É necessário um novo enquadramento regulamentar competitivo para descarbonizar um processo produtivo com que a indústria cimenteira europeia e portuguesa se comprometeram.

No que respeita às exportações, existem dois ónus que recaem sobre a indústria cimenteira.

 

Quais são esses ónus?

Por um lado, o custo dos direitos das emissões de CO2. Um produto de cimento português comercializado em África estará obrigado a pagar o que os produtores da Turquia ou do Egipto, por exemplo, não fazem. O designado Mecanismo de Regulação dos Direitos de Emissão, vertido em Portugal para o CELE – Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CO2), era um documento, um regulamento que, a prazo, era uma forma de evitar a deslocalização das fábricas para fora da Europa. Mas já é insuficiente para chegar a uma economia e a uma indústria cimenteira de baixo carbono. E corre o sério risco de começar a induzir a deslocalização e a desindustrialização. Como produzir menos não é opção, se não se produzir cá cimento, faz-se lá fora, com todas as consequências negativas que daí advém.

 

E o segundo ónus?

O segundo ónus tem a ver com os custos de eletricidade. Com a eletrificação, nomeadamente a partir da energia renovável. É um desígnio europeu, mas neste momento não há capacidade. Só o plano da indústria siderúrgica europeia para descarbonização da indústria do aço prevê que se vá consumir uma vez e meia toda a eletricidade hoje consumida na Alemanha, a maior economia da Europa. E o que se prevê na Europa é que a descarbonização seja feita toda assente em energias renováveis – e não existe capacidade suficiente, nem de produção nem de transmissão. Temos um longo caminho a percorrer. E enquanto a transição energética não for concretizada, haverá um sobrecusto da utilização das energias renováveis por parte das indústrias, agravando os problemas de competitividade. E é preciso também dizer que esta industria é uma facilitadora da descarbonização de outro sectores: por exemplo, não haverá plataformas eólicas no mar do Norte sem bases em betão, pelo que é essencial perceber que a indústria cimenteira é uma parte da solução, também aqui, para descarbonização da economia e da sociedade europeias.

 

O que é que defende para superar esses ónus?

Em diversos países da EU, há ajudas de Estado para que as indústrias eletrointensivas, como é o caso da indústria cimenteira, possam adaptar-se. Para exemplo, posso dar-lhe o Plano de Apoio à Indústria Cimenteira espanhola, aprovado este ano. Em Portugal, não temos assistido a isso. E este é um fator que vai pesar cada vez mais na formação de custos de qualquer indústria eletrointensiva.

 

A ATIC já fez uma proposta nesse sentido ao Governo português?

Em Portugal, temos um diálogo em curso, bem como a nível europeu. Esperamos que os nossos argumentos sejam compreendidos pelo Governo.

A indústria do cimento está na base do betão, um material indispensável e sustentável, e quer garantir a sustentabilidade e a descarbonização do seu processo. Esse desígnio é assumido por esta indústria em toda a Europa e para isso a indústria cimenteira está comprometida com a inovação, não só ao nível do produto, mas também do processo.

 

Pode dar-me exemplos?

No último ano, em Paris, as associações da indústria cimenteira europeia promoveram em Paris três seminários de demonstração de ‘startups’, sobre a descarbomização, a digitalização do setor e a economia das ‘startups’ aplicadas a este sector. Foram apresentados projetos empresariais em áreas como a inteligência artificial aplicada à indústria, a digitalização da actividade de construção, a descarbonização de fases do processo e a utilização do betão em ‘smart cities’. Através deste CEMENTLAB, estamos a fomentar a criação de ‘startups’ com projetos de base digital e tecnológica, para acelerar a transformação digital aplicada à indústria cimenteira. Estamos a fomentar estas tecnologias disruptivas, não só no digital, mas também para captura de carbono.

E percebeu-se também que esta indústria é um campo privilegiado para a aplicação de uma indústria 4.0. Se em Portugal e na Europa queremos ter uma Indústria 4.0, temos de começar por manter e fazer evoluir a que já temos.

 

E qual o caminho da indústria cimenteira em termos de sustentabilidade?

É importante perceber a importância para a nossa indústria da substituição dos combustíveis fósseis por combustíveis derivados de resíduos. Esse é um dos paradigmas da economia circular. Já há muito tempo que aproveitamos resíduos de outras indústrias, por exemplo com subprodutos derivados da indústria siderúrgica. E queremos garantir que a indústria cimenteira se poderá manter em Portugal, como uma indústria competitiva e sustentável. A produção cimenteira é facilitadora da atividade económica em geral e, por isso, queremos também contribuir para a competitividade económica da indústria como um todo. Por isso, estamos a criar núcleos de economia circular juntando diversas indústrias de processo, integrados no projeto europeu SPIRE, em cuja implementação estamos a perceber que a indústria cimenteira é fundamental para uma indústria circular.

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