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Notários: Candidato a bastonário quer uma rede nacional de prestações de serviços

Em entrevista ao Jornal Económico, Jorge Silva diz que o futuro da profissão passa, obrigatoriamente, pela digitalização e estabelece como objectivo que os notários sejam uma rede de prestação de serviços, dentro de 4 anos.
22 Novembro 2017, 06h35

O candidato a bastonário da Ordem dos Notários Jorge Silva diz que o futuro da profissão passa, obrigatoriamente, pela digitalização e estabelece como objectivo que os notários sejam uma rede de prestação de serviços, dentro de 4 anos.

Em entrevista ao Jornal Económico, diz que os notários estão a sofrer com a concorrência dos advogados e do próprio Estado e que, por isso mesmo, têm de se modernizar e ter outras ferramentas.

“A verdadeira prova de fogo dos foi com a crise”, diz. “Nessa altura, colocámo-nos ao lado dos nossos clientes” e “as pessoas perceberam que podíamos ser um aliado no dia-a-dia e jurista e não uma entidade que colocava carimbos”, afirma.

 

Como surge esta candidatura?

Esta candidatura surge numa altura me que o notariado atravessa uma crise que é que quase contínua. Desde a privatização do notariado que foi iniciada com um opção política do Estado português, que resolveu atribuir competências a advogados e solicitadores e criar balcões públicos para concorrerem com os notários.

Neste momento, era necessário aparecer uma alternativa à estratégia que tem sido seguida pelas direções da Ordem dos Notários. Passa por uma aposta da Ordem em criar ferramentas próprias, digitais, capazes de tornar os notários desde logo nos interlocutores certos para o Ministério da Justiça, no sentido de colaborarem na disponibilização de novos serviços para cidadãos e empresas, nomeadamente, a criação de uma escritura eletrónica para realizar negócios à distância – com a possibilidade de terem, por exemplo, uma compra e venda de uma casa em que o comprador esteja em Bragança e o vendedor em Faro –, a procuração eletrónica notarial e a criação de uma certidão digital permanente.

Considerei que era a pessoa certa para liderar este processo de modernização da atividade notarial. Além de notário sou empreendedor: fui fundador de duas startups na área tecnológica potencialmente direcionadas para a área da desmaterialização de documentos com valor legal e abertura de contas bancárias à distância.

Quero colocar ao serviço da classe o meu know-how para que os notários possam concorrer no século XXI com as ferramentas adequadas e com a inovação que é necessária.

 

Como é que avalia o atual momento do setor?

Julgo que os notários tiveram de se adaptar às alterações legislativas efetuadas e à concorrência dos órgãos públicos. Essa adaptação passou muito por aproximar os nossos serviços especializados do cidadão, que é o que tem marcado a diferença, nos últimos anos.

Os cartórios de notariado, hoje em dia, já têm instalações modernas, com investimento dos próprios notários, com recursos humanos qualificados. O que falta para o notariado se afirmar como o parceiro ideal e reassumir um certo protagonismo que foi perdendo com o passar dos anos é conseguir adaptar-se a uma nova forma de fazer negócios em Portugal e no mundo. Passa por nos ligarmos todos em rede e prestarmos serviços aos cidadãos como uma rede prestadora de serviços integrada.

Hoje em dia, qualquer notário presta o serviço sem qualquer tipo de harmonização aos seus clientes.

O momento que o notariado atravessa é de indefinição. Antigamente, toda a gente sabia que para vender uma casa ou fazer uma doação o único interlocutor que tinha era o notário. Hoje em dia, existe uma grande confusão e indefinição de funções entre advogados, notários e solicitadores, o que é nocivo para o país. Um dos objetivos desta candidatura é também sentarmo-nos com o Governo e esclarecermos os cidadãos sobre o que efetivamente cada um faz.

 

Acha que temos as alterações feitas no quadro legislativo e regulamentar que permitem que possa ser definido esse papel?

Há um trabalho que tem de ser feito pela própria Ordem dos Notários no sentido de definir com clareza uma comunicação pública para informar os cidadãos sobre a nossa função e mostrar que ela não se alterou. Não há nenhuma sinalética que identifique o que é um notário e que o distinga de um escritório de advogados ou de solicitadores.

A questão legislativa dependerá sempre do poder político e seria importante negociar com o Governo um quadro de clarificação de competências entre todas as profissões jurídicas. Nesse sentido, o próprio bastonário da Ordem dos Advogados já se manifestou.

Na questão do branqueamento de capitais, julgo que fica claro qual é a diferença entre um notário e um advogado. Os advogados têm tornado público o seu desconforto. Na função do notário, essa questão não se coloca, porque o notário está a defender as partes e o interesse público. Por um lado, o legislador foi longe de mais, porque, quando começarem a entrar não só as normas do branqueamento de capitais como, julgo saber, uma nova diretiva ainda mais exigente. Será completamente incompatível a sua intervenção nos negócios como parte imparcial.

Há necessidade de clarificação.

 

Além deste, quais são os principais problemas identificados para o desenvolvimento da atividade?

Neste momento, temos um problema que se mantém ao longo dos anos e desde que o Estado criou balcões públicos para concorrerem connosco, que se prende com a questão fiscal. O Estado obriga os notários portugueses a cobrarem IVA aos seus clientes – e, portanto, nós, para conseguirmos concorrer com os balcões públicos, o que estamos a fazer é a assumir os custos dos impostos (uma diferença de 23%). O Estado ou isentaria os notários de cobrarem IVA aos clientes ou passaria a cobrar IVA aos cidadãos. Na nossa opinião, dadas as nossas funções de interesse público, o mais certo seria isentar os clientes dos notários sempre que estivessem em iguais circunstâncias com os balcões públicos.

Outra das dificuldades que temos é a da ligação às bases de dados públicas. Continuamos a pagar o acesso às mesmas – registo comercial, civil e predial. O que está em causa não é pagarmos, é termos um acesso mais célere, com um preço adequado ao número de serviços e igualdade de circunstâncias.

Temos, ainda, um outro problema que, para nós, também é extremamente caro, que é a questão dos inventários. Foi-nos atribuída uma nova competência – a tramitação das partilhas litigiosas –, sem qualquer tipo de ferramenta para a podermos exercer, sem termos acesso a uma base de dados, sem protocolo com os CTT para envio de cartas, problemas com a clarificação do sigilo fiscal, o notário não pode recusar processos de inventários, que causa morosidade e prejudica os cidadãos.

A tabela dos processos de inventário começa nos 102 euros. Neste momento, temos situações complicadas de fraude à lei, em que as pessoas, perante a inexistência de apoios para uma partilha amigável, simulam litígio para intentar um processo de inventário. O valor mínimo deve ser equivalente ao que o Estado cobra por uma habilitação de herdeiro partilha, que são 350 euros. Ao ter um preço mais baixo, o Estado está a incentivar a litigiosidade.

Outra questão fundamental é que o Estado fiscalize o apoio judiciário.

 

Em termos de negócio, qual é a perspetiva que têm? Os processos relacionados com imobiliário têm realmente aumentado?

A verdadeira prova de fogo dos notários – e a forma de mostrar que a classe existia – foi com a crise.

Nessa altura, colocámo-nos ao lado dos nossos clientes. Conheço muitos notários que trabalharam de graça. É normal que, com o crescimento da economia, esses clientes tenham percebido qual era a mais-valia do nosso trabalho e voltem ao notário porque, no momento em que quase todos os abandonaram – inclusive o Estado –, fomos nós que ajudámos pessoas a emigrar, que colaborámos nos processos de insolvência e de venda de bens.

O esforço está a ser recompensado e as pessoas perceberam que podíamos ser um aliado no dia-a-dia e jurista e não uma entidade que colocava carimbos.

Não quero que o notariado português se torne de nicho. Há concelhos deste país que já não têm escritórios de advogados, fugiram para a capital de distrito e há ainda lá um cartório. As pessoas ficam isoladas.


Como é que imagina o setor no final do mandato?

Julgo que os notários, acima de tudo, vão perceber que serão uma rede unida de prestação de serviços. Quero que daqui a 4 anos tenham a possibilidade de concorrer com qualquer prestador de serviços, público ou privado, em qualquer área, desde que seja em igualdade de circunstâncias. Não estou a falar de copiar projetos, mas temos de desenvolver projetos próprios que, por si só, daqui a 4 anos, o notário por si só seja o parceiro de confiança, nos negócios físicos que fazemos e no mundo digital.

Quero ter uma rede de notários efetivamente capaz da desmaterialização. A nossa profissão está num processo de rejuvenescimento bastante interessante e está a entrar gente jovem, com formações académicas extraordinárias, especialistas, e essas pessoas têm de ter a Ordem um parceiro para fazer a instalação dos seus cartórios e garantir que os concursos notariais ocorram uma vez por ano, exames anuais, formação à distância, ajudar os jovens notários das ilhas…

Tenho de retribuir a ajuda que a profissão me deu, quando comecei.

 

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