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Nova lei do lóbi: o que dizem os advogados

O diploma dos socialistas refere que “a atividade representação profissional de interesses é incompatível com o exercício de funções como titulares de órgão de soberania, cargo político ou alto cargo público, o exercício da advocacia e o exercício de funções em entidade administrativa independente ou reguladora”. O Jornal Económico contactou advogados para saber a opinião destes profissionais sobre o diploma.
29 Janeiro 2018, 08h30

Há exatamente duas semanas,  o PS apresentou projetos de lei de regulamentação do lobbying na Assembleia da República. Os diplomas [734/XII e 735/XII] visam a criação do “regime da atividade profissional de mediação na representação de interesses” e do “registo de entidades privadas que realizam representação de interesses”.

As iniciativas legislativas dos socialistas definem que “a atividade representação profissional de interesses é incompatível com o exercício de funções como titulares de órgão de soberania, cargo político ou alto cargo público, o exercício da advocacia e o exercício de funções em entidade administrativa independente ou reguladora”. O Jornal Económico contactou advogados para saber a opinião destes profissionais sobre os diplomas que lhes podem estar a ‘apertar o cerco’:

Luís M. S. Oliveira, sócio da Miranda & Associados, afirma que “os dois textos refletem falta de amadurecimento cívico e técnico sobre a temática e não parecem suportados num estudo aprofundado”, uma vez que a representação profissional de interesses suscita questões políticas de fundo, que cabem à sociedade debater.

O sócio da Miranda acredita que correta a opção de excluir a advocacia do âmbito dos lobistas e que é meritório optar por um modelo de transparência do lóbi em vez da opacidade. No entanto, salienta que a legitimação da profissão dos representantes de interesses carece de um quadro de supervisão que está ausente dos projetos e lança novas questões:

“Deve bastar um registo obrigatório junto da Assembleia da República, ou este registo legitima uma atividade cuja condução e resultados continuam a ser opacos? Não deveria considerar-se uma malha mais densa de legislação, em que nos diplomas legais ou regulamentares, ou nos atos administrativos, se devesse passar a indicar quais os lobistas cuja intervenção esteve na sua génese (…)?”

Luís Oliveira sugere a organização de um dossiê com todos os assuntos em que intervieram as entidades mandantes e as contactadas com estudos e publicações, bem como a criação de um departamento para os analisar e produzir relatórios públicos.

“Em relação ao que está regulado, os projetos são inovadores. (…) Acredito que vão ser aprovadas, pois percebe-se existir um consenso alargado sobre a questão de base: é preferível o lóbi conhecido ao que se move na opacidade clandestina. (…) Julgo também imperativo que se siga um período de consulta pública alargado, para a qual sejam disponibilizadas as análises de impacto”.

Maria José Tavares, sócia da SRS Advogados, enfatiza que a iniciativa de regular a representação de interesses “é muito positiva” e que se trata de uma “prática que sempre existiu, e que há muito se justificava ser oficializada e regulamentada de modo a ser mais transparente e não confundível com outras praticas ilegítimas como o tráfico de influências”.

“No que respeita ao conteúdo dos documentos, embora concorde, no geral, com os princípios enunciados, penso que precisam ainda se ser bastante trabalhados. Há muitas matérias repetidas ou com diferenças ténues, o que potencia as dúvidas de interpretação do regime. Tendo em conta a identidade das matérias, creio que se ganhava em juntar num só diploma o regime da atividade profissional de representação de interesses e o regime do registo de entidades privadas que realizam representação de interesses.”

Maria José Tavares refere que Portugal está bastante atrasado no que diz respeito à regulação desta matéria, comparativamente a outro países europeus, dado que tendo, por exemplo, a Alemanha, a Áustria, a França, a Irlanda e o Reino Unido já que adotaram legislação no sentido de regular a prática.

A sócia da SRS explica que, caso seja aprovado, o regime proposto pelos socialistas é inovador, porque estabelece obrigatoriedade de registo, de declaração e transparência, bem como um regime de incompatibilidades e impedimentos, impossibilitando advogados e pessoas que ocupam cargos políticos ou em entidade administrativa de praticar esta atividade.

“O regime aplicável aos advogados não é particularmente claro. O que parece resultar é que o advogado, como qualquer cidadão, não está impedido de se registar como entidade privada que realiza representação de interesses, mas não o pode fazer no exercício profissional da advocacia. Na prática não vejo de que modo vai ser possível fazer a distinção. Não creio haja uma intenção específica de afastar os ‘advogados’ da atividade de representação de interesses, até porque o podem sempre fazer fora do exercício profissional da advocacia. Será antes por uma questão de coerência de regimes”

Rui Costa Pereira, advogado associado da PLMJ, remete a publicação dos diplomas para questões de calendário, nomeadamente para apaziguar a polémica em torno da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos.

“Não será demasiado ousado sugerir que os projetos são algo incompletos (….), o seu anúncio público e o início do processo legislativo ocorreram há algumas semanas para de algum modo ‘pôr água na fervura’ da polémica em torno da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos. Contra aquilo que foi amplamente adjetivado como obscuro, responde-se com bandeiras de transparência”

O advogado da PMLJ realça que, apesar de não estar a acompanhar os trabalhos da Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, “os dois projetos de lei de regulamentação do lobby, e o projeto de resolução de um Código de Conduta dos deputados, foram apresentados a 12 de janeiro e, uma semana depois, foram todos devolvidos àquela Comissão Eventual (por aprovação unânime de todos os partidos), sem que tenha havido qualquer votação dos diplomas na generalidade”.

Assim sendo, o legislador pôde “anunciar medidas em nome da transparência com grande pompa e circunstância” e, seguidamente, suspender a continuidade do processo legislativo iniciado, tal como acredita Rui Costa Pereira.

“Não tenho para mim tão claro que haja uma efetiva proibição de os advogados se constituírem como representantes profissionais de interesses. Desde logo, porque não há norma no Estatuto da Ordem dos Advogados que o proíba. (…) Um advogado até pode exercer a atividade de representação de interesses. Não o pode é fazer no exercício da sua atividade de advogado. Daí se falar em incompatibilidades neste caso, e não num verdadeiro impedimento”.

O advogado questiona-se ainda sobre o facto de ao se impor que o lobista se identifique ao entrar na Assembleia enquanto tal, revelando-se perante o deputado que o recebe “de forma a que seja clara e inequívoca a natureza do contacto estabelecido”, que o lóbi informal deixará de existir, e acrescenta:

“A única norma que fala em violação de deveres é o artigo 8.º do diploma referente ao registo. (…) Sucede que o artigo anterior – o 7.º – no essencial diz-nos que as entidades de representação de interesses devem estar registadas antes de contactarem com a Assembleia. Como é que se viola, então, este “artigo anterior”? Não estando registado. Mas, se não estão registadas, que sentido faz falar em suspensão do que não está registado? Não se percebe. Só se o “artigo anterior” de que se refere o artigo 8.º seja, na verdade, dois artigos atrás.”

Nuno Cerejeira Namora, sócio da Nuno Cerejeira Namora, Pedro Marinho Falcão & Associados, lembra que o “lobby sempre existiu e sempre existirá” e que é surpreendente e pernicioso “o facto de se excluir na proposta a publicidade das reuniões com deputados”.

“É de louvar que se pretenda levantar o véu e regular a representação de interesses com o fito de a tornar mais transparente e fiscalizável. (…) Será importante perceber o rumo e as alterações que os documentos eventualmente terão após todas as audições promovidas pela Assembleia da Republica, julgando-se vantajosa e imprescindível a pronúncia da Ordem dos Advogados.

A seu ver, não se compreende o impulso de avançar com os diplomas nesta matéria sem uma discussão e apresentação de um Código de Conduta, sendo que a incompatibilidade da atividade de representação profissional de interesses e o exercício da advocacia se funda em princípios basilares do Estatuto da Ordem dos Advogados.

“Bem sabemos que os corredores do Palácio de São Bento são estreitos e a proximidade de gabinetes, por vezes contíguos, sempre será um entrave aos princípios estruturantes que motivaram a iniciativa legislativa. Esperemos que os motivos apaniguados se sobreponham a outros interesses menos claros. Os senhores deputados também se devem submeter às regras que querem e bem-impor aos demais”

António Cid, advogado associado da FCB Sociedade de Advogados, diz que a representação de interesses “é importante, considerando que as questões são cada vez mais complexas e técnicas”, mas acha melhor que as iniciativas socialistas estivessem reunidas num único projeto de lei.

“Admitimos que seria desejável que ambas as iniciativas se consubstanciassem apenas num diploma, aliviando repetições desnecessárias e algumas inconsistências, sobretudo no que respeita aos impedimentos, que constam de ambos os diplomas, e às incompatibilidades, presentes no regime jurídico da actividade de representação de interesses e ausente do regime jurídico do registo daquela atividade.

O advogado afirma que nunca entendeu a sua profissão como uma de representação de interesses “tal qual essa atividade é definida no projeto de lei e reconhecida socialmente” e que, assim, se desoneram os advogados “da presunção social que recai sobre os mesmos” quanto à mesma.

“Entendemos que se trata não de uma alteração de paradigma mas de uma verdadeira criação sustentada nas melhores práticas – vejam-se os exemplos de Washington DC e Bruxelas e também as recomendações do Grupo de Estados contra a Corrupção, da OCDE, da Comissão Juncker e da Transparência Internacional. (…) Considerando que tanto o PS como o PSD e o CDS-PP têm revelado consenso na necessidade de regular esta atividade e que os três partidos já oportunamente apresentaram cada um a sua iniciativa, de contornos relativamente semelhantes entre si, o entendimento afigura-se provável”

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