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Nova ordem tributária já deu primeiros passos para ser realidade em 2023

Acordo entre países que representam cerca de 90% do PIB mundial promete um novo quadro para combater as estratégias das multinacionais para escaparem ao pagamento de impostos. O calendário ambicioso para concretização do novo sistema prevê o arranque em 2023, mas sem efeitos previsíveis para as empresas portuguesas.
30 Julho 2021, 09h00

Não subsiste qualquer dúvida de que o acordo alcançado pelos 132 países e jurisdições, entre os quais Portugal, que integram o BEPS Inclusive Framework para combater práticas abusivas de planeamento e a erosão das bases tributárias é histórico. Isto, mesmo que a ideia de “combater a evasão fiscal, melhorar a coerência das regras fiscais internacionais e garantir um ambiente fiscal mais transparente”, que constitui a missão do projeto BEPS (base erosion and profit shifting), não se concretize em toda a sua plenitude, porque foi dado um claro sinal político de que os Estados querem enfrentar as mudanças provocadas pelos processos de globalização e de digitalização que têm ameaçado tornar obsoleto o ainda vigente paradigma tributário. O acordo foi anunciado, no quadro da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), promotora do BEPS, a 1 de julho, depois de o grupo dos sete países mais industrializados terem concordado com os princípios do projeto, e ratificado pelo G20 a 10 de julho, com alterações, após dois dias de reunião dos líderes de 19 dos mais desenvolvidos países do mundo e da União Europeia (UE) e dos governadores dos bancos centrais das áreas económicas abrangidas. “Os países do G20 colocaram-se de acordo sobre quererem criar uma nova ordem tributária internacional”, anunciou o ministro das Finanças da Alemanha, Olaf Scholz, no final dos trabalhos, em Veneza.

Para já, mesmo com as reticências de alguns países – na UE, Irlanda, Hungria e Estónia ainda não assinaram o acordo –, está projetado um calendário de rápida concretização. “O cronograma que foi divulgado é ambicioso”, diz ao Jornal Económico Tiago Rosa, Associate Partner de International Tax and Transaction Services da consultora EY.
As datas de referência, nesta fase, são que até outubro continuarão as reuniões gerais e técnicas, através das quais a OCDE fará “consultas formais e informais a empresas e outras partes interessadas, para recolher inputs necessários para a definição do que serão as medidas. Ainda em outubro deste ano espera-se que esse grupo de trabalho apresente um relatório aos ministros das Finanças do G20 onde deverá estar definido qual será, com mais detalhe, o plano de implementação. A partir daqui, haverá reuniões entre os ministros das Finanças e os próprios líderes [dos países] do G20 para definir os critérios de implementação”, explica Tiago Rosa. No próximo ano, devem ser conhecidas as medidas e a ideia é que em 2023, idealmente, estas possam entrar em vigor.

 

Dois pilares para a nova ordem
A tal “nova ordem tributária internacional” de que falava Olaf Scholz assenta nos dois pilares definidos pelo Inclusive Framework, um órgão técnico composto por representantes da OCDE e do G20 responsável por acompanhar e monitorizar as ações resultantes do projeto BEPS. “Em termos muito sumários, no âmbito do Pilar 1 procura-se soluções para determinar de forma mais justa a maneira como as grandes multinacionais – que no fundo são as destinatárias destas medidas – deverão alocar os seus lucros, tendo em conta o nexo e a localização dos seus consumidores finais”, explica Rosa. “No âmbito do Pilar 2, procura-se estabelecer um sistema nos termos do qual as multinacionais deverão pagar uma taxa mínima de imposto sobre os lucros”, que não deverá ser inferior a 15%, segundo o que está, nesta altura, acordado.

O foco claro destas iniciativas são as multinacionais e o acordo surge depois de um crescendo de ação política em diferentes países e num quadro marcado pela pandemia de Covid-19. Nos primeiros meses da sua administração, o presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, anunciou o compromisso norte-americano para com os princípios do BEPS, quando países como a França, a Áustria, a Espanha ou o Reino Unido avançavam já para uma taxa sobre serviços digitais, e outros estados, como a Bélgica, a Eslováquia ou a Noruega se preparavam para o fazer. “É uma questão de justiça”, dizia, em junho, o ministro das Finanças de França, Bruno Le Maire. “Lembro que os maiores vencedores da crise económica são os gigantes digitais e são eles que pagam menos impostos”, acrescentava. As empresas cotadas com capitalizações superiores a um bilião de dólares são norte-americanas e da área da tecnologia – Apple, Microsoft, Amazon Alphabet (dona da Google) e, agora também, o Facebook – e bateram recordes de valorização este ano. “A administração Biden percebeu que seria mais útil embarcar no processo [do BEPS], mas tentando ditar as suas regras”, considera Paulo Mendonça, Partner de Tax Services da EY (ver texto nestas páginas).

Facto é que o alvo do BEPS “serão as multinacionais. No Pilar 1, nesta fase, o que está previsto é que sejam empresas com um volume de negócios superior a 20 mil milhões de euros e uma margem acima de 10%”, explica Tiago Rosa. O limite do volume de negócios poderá ser reduzido a metade, dependendo do sucesso da implementação da medida, o que será aferido após um período de sete anos de monitorização.

“A ideia é permitir aos países onde as empresas comercializam os seus produtos ou serviços que possam tributar entre 20% a 30% do lucro residual, que exceda aquela margem de 10%, desde que pelo menos um milhão de euros de vendas venham dessa jurisdição”, aponta Rosa. No Pilar 2, “o que se prevê a criação e uma série de mecanismos que permitam aos países impor uma tributação adicional relativamente a rendimentos obtidos em países de baixa tributação. Estes mecanismos estão divididos em dois grandes grupos: um de normas domésticas, e outro mais focado nos acordos para evitar a dupla tributação”, acrescenta.

 

Efeitos do novo quadro
Tiago Rosa diz que, em termos globais, “o que estas medidas poderão trazer – e esse é o objetivo – é um equilíbrio nas receitas de impostos entre os vários países”, para que haja “uma distribuição mais equitativa daquilo que são as receitas [fiscais]”.

“O foco são as empresas com uma índole mais digital e um alcance global”, sublinha.

Em Portugal, como o tecido empresarial “é composto, sobretudo, por micro e pequenas empresas e mesmo as nossas grandes empresas não têm a dimensão das grandes empresas de outras jurisdições”, os efeitos serão praticamente nulos. “Diria que ao nível das empresas portuguesas, o impacto será mais residual”, refere Rosa.

Já para os consumidores, não serão previsíveis efeitos, “as medidas são ao nível dos impostos diretos e não dos indiretos”. Isto, a não ser que as multinacionais atingidas repercutam “este aumento de impostos que podem vir a sofrer” no preço do produto final.

“Nesta fase embrionária, recomenda-se aos consumidores que reservem para si o papel de espetadores informados, perspetivando um impacto nos modelos de consumo globais que tenderá a materializar-se no médio-longo prazo”, diz Samanta Leite, Manager de Tax Services da EY.

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