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Novo escalão do IRS beneficia rendimentos elevados, diz fiscalista

O fiscalista Manuel Faustino afirmou, em entrevista à Lusa, que o desdobramento do segundo escalão do IRS em dois patamares será proveitoso para os contribuintes com rendimentos superiores, enquanto os contribuintes com um nível inferiores de rendimentos não vão sair beneficiados. A culpa, diz, é da progressividade do imposto.
21 Agosto 2017, 11h10

Inscrita no programa do Governo, a redução da carga fiscal que pesa sobre os rendimentos foi calculada – no âmbito da apresentação do Programa de Estabilidade, em abril – em 200 milhões de euros em 2018. A intenção do Governo, traduzida nas promessas do ministro das Finanças e do primeiro-ministro, é a de criar uma medida direcionada aos contribuintes do segundo escalão de rendimentos (entre 7.091 e 20.261 euros anuais).

Mas há quem acredite que esta medida não terá o impacto que o Governo defende. Manuel Faustino, primeiro diretor dos serviços do IRS, afirmou em entrevista à Lusa que uma alteração desta natureza irá beneficiar não só os contribuintes do novo escalão, mas também todos os que se situem acima deste patamar, “até ao final da montanha”. A razão é o facto de o IRS ser “um imposto progressivo”, diz Faustino, o que faz com que “toda a matéria coletável que se situar no novo escalão” seja tributada à nova taxa, o que se refletirá “nas chamadas taxas médias, que vão necessariamente ter de repercutir esse efeito”.

Ou seja, se for criado um novo escalão que coloque em 20% a taxa de tributação dos rendimentos brutos de até 15 mil euros anuais, todos os contribuintes com rendimentos superiores a este valor vejam os primeiros 15 mil euros dos seus rendimentos ser tributados a 20%, ao invés dos 28,5%, como acontece até aqui. Assim, os 200 milhões de euros que o Governo calcula custará esta medida, não resultarão “direta e imediatamente só do novo escalão”, mas “também tecnicamente do efeito da progressividade dos escalões”, afirma Manuel Faustino.

Para o fiscalista, uma forma de criar mais justiça no imposto e, ao mesmo tempo, captar mais receita fiscal seria que os contribuintes com rendimentos prediais que não optem pelo englobamento das rendas nos rendimentos totais vissem ser “imputado proporcionalmente” nas deduções do rendimento do trabalho o valor das rendas. “Não faz sentido que um contribuinte tenha 15 mil euros de rendimento do trabalho e aí abata tudo aquilo a que tem direito a abater em deduções e que tenha 300 mil euros [em rendas] tributados a 28%. Devia ser imputada proporcionalmente a esse rendimento uma parte das deduções relativamente às quais opta pela tributação a 28%”, defende Manuel Faustino.

O cerne da questão, para o fiscalista, é o facto de o rendimento total deste contribuinte ser de 315 mil euros, e não 15 mil euros, como parecem refletir as deduções que lhe são permitidas realizar, o que parece “injusto” ao fiscalista. Manuel Faustino defende, assim, que seja realizada uma alteração que tenha em conta o rendimento total das famílias, incluindo o não sujeito a englobamento. Tal alteração geraria poupanças, provenientes dos limites variáveis das deduções à coleta. Apesar disso, deveria ter-se em conta “o tratamento que hoje em dia é dado às pensões e às reformas no IRS”, que Faustino apelida de “inadequado”, defendendo o fiscalista que “as pensões deviam ter uma discriminação positiva”, para contrariar a “diminuição significativa da capacidade contributiva” de quem passa para a reforma.

Reconhecendo a existência de um “reflexo automático na taxa do IRS” para quem entra na reforma, Manuel Faustino acredita que “só isso penso que é pouco”, uma vez que a dedução específica – igual à da categoria A (rendimentos do trabalho dependente) –, “é insuficiente e não acompanha a redução da capacidade contributiva”. Para o fiscalista, a solução passaria por “aumentar a dedução específica e, como outros Estados fazem, aumentar as deduções à coleta em função da idade”, lamentando que “o IRS não dê nada” aos pensionistas.

Aumentar o mínimo de existência 
No decurso da entrevista à Lusa, Manuel Faustino chamou a atenção para o facto de ser necessário aumentar o valor mínimo de existência, sob pena de se correr o risco de, “dentro de dois ou três anos, o salário mínimo ser tributado”. Faustino relembrou a existência de mecanismos, no código do IRS que “evitam a tributação dos rendimentos que efetivamente têm de ter a chamada imunidade tributária”, como é o caso do mínimo de existência.

Esta norma faz com que “um rendimento bruto anual de 8.500 euros, que significa 607 euros por mês, que não é tributado, ainda que as declarações sejam apresentadas”, explicou Manuel Faustino, alertando ao mesmo tempo para o facto de esta norma ter sido fixada em 2015, numa altura em que o salário mínimo nacional era de 485 euros, tendo-se mentido inalterada em 2016 e 2017, período no qual o salário mínimo subiu para 530 e 587 euros, respetivamente. Para o fiscalista, existir apenas “uma diferença de imunidade em relação ao salário mínimo de 50 euros” é “um perigo”.

Manuel Faustino alertou ainda para que “se este valor não for atualizado, tendo em conta que se pretende uma constante atualização do salário mínimo, corre-se o risco de, dentro de dois ou três anos, o salário mínimo ser tributado”, algo que o próprio considera ser “uma incongruência”, uma vez que “o salário mínimo é aquilo abaixo do qual se não pode sobreviver” e “já basta que contribua para a Segurança Social”, com descontos de 11%.

A necessidade de alteração do mínimo de existência é defendida por Manuel Faustino recorrendo a outro aspeto, o da discriminação que a lei causa “em situações que deviam ser iguais”. Por exemplo, um solteiro que aufira 600 euros mensais não é tributado – ao abrigo do mínimo de existência –, mas um agregado em que cada um ganhe os mesmos 600 euros beneficia apenas de um mínimo de existência e não de dois, o que, para Faustino, constitui “uma das poucas situações em que a tributação separada pode ser favorável” para os rendimentos inferiores.

Entre os agregados também há discriminação, pois os unidos de facto podem optar pela tributação separada, algo fora do alcance para os casados. “Imagine que A e B vivem em união de facto e ambos ganham 600 euros. Apresentam [a declaração] em separado e dizem que são solteiros. Cometem alguma ilegalidade? Não [porque] não têm de dizer que vivem em união de facto. Já os casados, se apresentarem separadamente, têm de dizer que são casados e, ao dizer que são casados, automaticamente levam com 4.250 euros”, exemplificou Faustino.

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