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“O BCE não vai ter condições para subir taxas de juro em 2019”

A inversão do ciclo nos mercados ainda não chegou, mas está a caminho, refere o analista. No cenário mais pessimista é até mais provável que o BCEreinicie o programa de compras que aumentar taxas.
19 Janeiro 2019, 09h00

O português que trabalha em Londres há sete anos para a corretora ActivTrades explica, em entrevista, as principais tendências que deverão marcar o rumo dos mercados em 2019. A desaceleração das principais economias do mundo, os problemas políticos na Europa e a ressaca dos ativos dos mercados emergentes após um 2018 para esquecer são alguns dos temas a seguir, refere.

Como viu os principais eventos e fatores de 2018?

Para além dos anúncios das subidas de taxas da Reserva Federal, um dos principais fatores foram as negociações do Brexit. É um ponto muito importante, pelo menos para os ativos britânicos, para a libra e para a Europa. Tivemos a guerra comercial entre os EUA e a China, entre os EUA e o Canada, e uma escalada na retórica entre os EUA e a Europa, embora, em termos práticos, ainda não tenha assumido a dimensão como aconteceu com a China.

Podemos falar ainda da força do dólar. Tem tido impacto não só na economia americana, mas também um impacto muito forte na economia dos países emergentes, como na Turquia e na Argentina. Ambos países viram a inflação subir muito devido à balança comercial desfavorável e a divida externa substancial. A meados do verão até outubro a situação foi difícil. A_Argentina teve de pedir um novo resgate financeiro ao FMI e a Turquia assistiu a turbulência política por causa disso. Esses são dois pontos relevantes este ano, sobretudo pelo que podem projectar para 2019.

Os ativos das economias emergentes estão sobrevalorizados. Num período em que parece que o bull market está a terminar, estes podem representar boas oportunidades de investimento e podem contribuir para uma inversão dos fluxos. Os fluxos deste ano vieram destes países para os EUA, o que teve um efeito de ciclo vicioso e deu mais força ao dólar. Isso é algo que pode vir a mudar.

Nos cenários macroeconómicos, continuamos numa fase de crescimento na Europa e nos EUA, mas com desaceleração. As instituições internacionais começam a cortar as projeções…

Sim. Mas não há nenhuma razão para o medo crescente neste momento nos mercados. Nos EUA a economia está com muita saúde. O crescimento está forte. O desemprego está controlado e a inflação também. Na Europa, embora um pouco mais anémico, continuamos em território positivo. Há alguns sinais preocupantes que começam a chegar da Alemanha. Os mercados estão preocupados e há um fator preponderante quando se tenta explicar esta preocupação e diria que é a inversão das curvas dos yields.

Pela primeira vez, no início de dezembro, vimos que a curva dos dois e três anos passou a dos cinco anos, o que já causou preocupação. Para além disso, podemos falar da falta de ferramentas que neste momento estariam disponíveis para lidar com uma inversão.

Nos EUA, Trump deu um impulso à economia com o estimulo fiscal, embora tenha tido um efeito na valorização do dólar, houve muito capital repatriado. Mas o Trump não poderá voltar a fazer o mesmo. Não há muita perspectiva de medidas que se possam tornar acelerar o crescimento.

A política financeira e monetária da Fed mantém-se hawkish. A perspectiva é de continuarem a apertar a política monetária.

Na Europa, as taxas de juro continuam negativas porque não há nada que justifique o contrário. Não há inflação, não há crescimento dos salários reais, e se há é muito fraco. O próprio crescimento da economia está fraco.

A preocupação que se sente nos mercados mundiais vem desse ponto, tanto nos EUA como na Europa, não há muito mais que se possa fazer. A Fed pode baixar as taxas de juro, mas  isso seria um cenário ainda mais preocupante para os investidores.

A China está com alguns problemas. O crescimento, embora continue a ser forte e acima da média mundial, já não é o que era. Para além disso, há os níveis de divida na China, o crédito preocupa muito e os mercados na China também não estão muito melhores.

Como referi, as economias emergentes tiveram um ano para esquecer. Mas não houve nenhum momento que nos leve a pensar que 2019 vai ser melhor. As previsões apontam para o oposto. O crescimento vai desacelerar nos EUA e na Europa. Não haverá ferramentas para combater isso.

Na Europa ainda temos o problema político: em Itália o défice do orçamento, a instabilidade social em França – Macron terá perdido capital político. Merkel vai sair, o populismo continuará a crescer. A Europa está numa situação que não é encorajante. Os ativos europeus estão sobrevalorizados.

Penso que os mercados estão preocupados porque não há perspectiva de que as coisas venham a melhorar em 2019 e 2020. Alguns analistas prevêem uma recessão nos EUA em 2020.

Falou naquilo que parece ser o fim do bull run. Muitos outlooks e analistas dizem que ainda não chegou o fim, outros acreditam que estamos mais defensivos devido aos riscos. Acha que estamos no fim de ciclo?

Tecnicamente ainda não saímos do bull market. Se olharmos para os principais índices, tecnicamente teriam que cair 5% em relação aos ponto mais alto para considerar que este ciclo acabou. Ainda não aconteceu, mas estamos perto. Esse debate existe porque há muito pessimismo em relação a 2019. Não sei dizer se o ciclo chegou ao fim ou não, mas penso se não chegou, estará a chegar, e estamos a chegar a uma inversão no ciclo.

Na Europa, estamos à espera com que vai acontecer com o BCE em 2019. As taxas vão subir? A pergunta que se tem feito é será que Mario Draghi vai anunciar uma subida nas taxas de juro antes de sair…

Não me parece. Não há condições para o BCE subir as taxas de juro em 2019. A situação na Europa não deverá alterar, como aconteceu em 2018, mas se houver alterações, poderá ser para pior. Apesar de que com as taxas de juro é difícil imaginar uma situação pior.

Mas até poderá ser que o BCE volte a comprar ativos. Se a situação mais pessimista se confirmar, será mais provável o BCE anuncie o reinicio da compra de ativos do que a subida da taxa de juros.

Artigo publicado na edição nº1970, de 4 de janeiro, do Jornal Económico

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