Theresa May anda e desanda no Brexit. O seu maior problema, mais do que uma negociação para minorar os custos do Brexit para o Reino Unido, consiste em tentar “uma saída” que não a leve a afundar-se politicamente neste complexo processo.

A ideia de que o referendo do Brexit foi viciado (e, de igual modo, as eleições americanas, o impeachment de Dilma e tantos outros, sensivelmente por meios e formas semelhantes) é um dado adquirido e trouxe algum alento a May, porque ela não era uma fervorosa.

Mas indo atrás, como foram viciados, entre outros acontecimentos, o Brexit e as eleições americanas? Muito simples. A partir do tratamento da informação disponível no Facebook, sobre o perfil dos seus utilizadores.

Até aqui, já havia uma prática comercial corrente de uso daquela informação para fins comerciais – potenciar as vendas de vários bens (publicidade/promoção) com contrapartida financeira para o Facebook. Agora, passou a haver um novo uso, uma prática de manipulação política dos eleitores.

De forma muito sintética temos. O Facebook vendeu a informação que possuía dos seus utilizadores (todos ou em parte) a uma empresa especializada (a Cambridge Analytica), operação de venda essa, que proporcionou a Mark Zuckerberg (Facebook) uns largos milhões de euros. Há quem avance cerca de 6 milhões só para a venda da informação relativa às eleições presidenciais norte-americanas.

Esta empresa elaborou, através de métodos específicos, uma segmentação de perfis dos utilizadores com identificação dos seus gostos, tendências e a sua apetência política tendencial, o que veio permitir aos detentores desse conhecimento produzir e orientar a propaganda política, por vezes de formas muito sujas, as chamadas fake news incisivas (notícias falsas), de modo a cativá-los para o voto no candidato requerido ou nos temas a serem votados ou a votar contra os candidatos adversários. Estamos na era do clicar e a questão é levar as pessoas a “clicar”/votar no que se pretende.

De forma um tanto básica, foi nisto que consistiu a manipulação das pessoas no voto Brexit, no voto Trump e, certamente, em outros que se seguirão não desaparecerá este tipo de manipulação. Pode vir a ter outra formatação, mas será difícil recuar. Uma nova cosmética devido às reacções em curso, mas… sou muito céptico. Não acredito em recuos.

Tudo isto veio criar uma pequena almofada a Theresa May pois, de algum modo, não sendo ela “bem” Brexit, assumiu o dever perante o seu país de operacionalizar o voto.

“Sorte” teve ainda May com o envenenamento do espião duplo Sergei Skripal (de origem russa) e de sua filha. Este espião russo estava destacado em Espanha na década de 1990, e aí foi recrutado para trabalhar para os serviços secretos britânicos (M16). Esta situação veio uns anos mais tarde a ser descoberta. Skripal foi preso, julgado e condenado a 13 anos de prisão pelo crime de alta traição. Não cumpriu a pena total, pois veio a ser objecto de troca de presos entre a Rússia e o Ocidente e decidiu ficar a viver em Inglaterra.

Acontecimento condenável sem dúvida. Mas não vou discutir os fundamentos desta acusação de envenenamento ao regime russo, pois as provas, por enquanto, deixam muito a desejar, ou melhor, nada está provado. Já me fazem lembrar as armas químicas não existentes que justificaram o ataque ao Iraque. Por outro lado, é difícil perceber o interesse de Putin num caso com esta configuração. O facto de o gás ser de fabrico russo pode não explicar tudo…

Certamente, na UE pensa-se que a inteligência ficou toda no mundo ocidental! Mas, porque defendo que May foi, com este envenenamento, contemplada com o “Euromilhões”? Porque, em parte, conseguiu enredar a UE neste processo e, de algum modo, aliviar por algum tempo o curso do Brexit. Contudo, não conseguiu levar a União tão longe quanto pretendia, embora o processo ainda não tenha acabado.

Depois, este enredo permite-lhe uma saída mais airosa do conflito diplomático com a Rússia. Já no seu governo havia ministros a questionar-se sobre os passos seguintes e a clamar prudência a May. Tudo isto porque a City londrina, onde muitos dos magnatas financeiros russos têm bastante peso (amigos e inimigos de Putin), não podia ser abalada por esta situação. Congelamento de bens, de contas financeiras, era caminho deveras perigoso. Assim, com a incursão europeia no problema do envenenamento, May fica com as costas um tanto aliviadas.

Não se pode dizer que esta incursão de vários países da UE seja uma decisão dignificante (o bom senso reinou em Portugal não se juntando ao coro) nem que contribua para desanuviar as tensões existentes, ainda decorrentes da Crimeia e da Ucrânia. Além disso, atitudes destas não surtem o efeito pretendido. Putin sai, a nível interno, ainda mais reforçado.

Pergunto-me também se Theresa May, ao tentar envolver a UE neste processo, não pensou numa maior fragilização da Europa? O que para ela é positivo. Os problemas da UE são tão profundos que essa grande “inteligência” no Ocidente merecia ser reorientada para questões mais de fundo, se se quer defender e consolidar a União.

A crise da zona euro é profunda, como já aqui escrevi. O caso Itália veio ainda piorar. E este alinhamento com a Grã-Bretanha foi uma diversão de mau gosto. Tanto mais que tem a ver com um espião que esteve ao serviço das secretas inglesas. Um problema interno de Inglaterra. Porque se meteu a UE numa questão de um país que foi sempre pouco colaborante com a União e neste momento está de saída? Em vez de se concentrar na solução dos seus problemas e na ameaça de Trump em termos de comércio internacional, em que a UE até tem menos defesas que a China por causa da sua estrutura económica, vai ainda perder o seu tempo numa “solidariedade“ fictícia!

A UE tende cada vez mais a ficar entalada por um lado pela Rússia nada desanuviando e, por outro, pelos EUA a quem sempre prestou vassalagem. É tempo de pensar num projecto próprio. Um Ocidente desunido e submisso aos EUA tenta um simulacro de união em algo secundaríssimo e temo que a servir estratégias muito duvidosas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.