A rainha Isabel II goza de uma enorme popularidade no Reino Unido, graças à dignidade que emprestou à função que exerce há 66 anos.  Até os republicanos ingleses a respeitam. E em países como o Canadá e a Austrália poucos aceitam abolir a monarquia enquanto a soberana nonagenária for viva.

Mas apesar de condicionada pelas regras da monarquia constitucional, que na prática a impedem de ter opiniões políticas, de vez em quando a rainha diz algumas verdades com alcance político. A sua recente mensagem de Natal foi um bom exemplo disso. Entre outras coisas, Isabel II afirmou que, mesmo perante as “diferenças mais profundas”, devemos tratar as pessoas de quem discordamos “com respeito e como seres humanos”.

Para muitos, esta afirmação poderá parecer uma frase feita ou mesmo uma banalidade própria dos discursos natalícios. Mas infelizmente não é. Estamos numa época em que é necessário dizer este tipo de frases, dado o nível de crispação a que chegamos no debate público.

Na política, à falta de argumentos racionais, não falta quem procure rebaixar moralmente os adversários, chegando ao ponto de quase os demonizar, transformando-os em inimigos. Outros, com crescente sucesso, procuram despertar no eleitorado os sentimentos mais baixos e vis que a natureza humana pode albergar, canalizando a frustração da turba contra os imigrantes e as minorias étnicas, religiosas e sexuais. Mas infelizmente não falta também quem, em nome de causas nobres, se deixe levar pela intolerância e pelo ódio contra quem pensa de forma diferente, procurando impor pela força aquilo que os outros devem pensar e dizer.

O que tudo isto revela é uma crescente incapacidade em saber conviver com as crenças e opiniões alheias, que na verdade só dizem respeito aos que as partilham, por lamentáveis que sejam, a menos que acompanhadas de práticas discriminatórias ou ponham em causa a segurança de outras pessoas (casos estes para os quais a Justiça pode e deve dar resposta).

O mais irónico – e preocupante – é que esta tentativa de imposição de uma nova moral obrigatória, no discurso e no pensamento, acaba por ter o efeito contrário ao pretendido e por dar força aos Trumps, Bolsonaros e Le Pens deste mundo, que se alimentam de um crescente mal estar face ao chamado “politicamente correto”.

Não terá sido por acaso que a pessoa que nos recordou esta necessidade de nos respeitarmos uns aos outros nas nossas diferenças é alguém que tem 92 anos, viveu uma guerra mundial na sua juventude e não tem conta de Facebook nem Twitter.