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“O Google e Amazon podem competir com a banca tradicional”

Além do desafio das fintech, a banca tem pela frente um conjunto significativo de mudanças regulatórias, num curto espaço de tempo. Bancos terão de se adaptar rapidamente, dizem responsáveis da PwC.
  • Cristina Bernardo
9 Dezembro 2017, 19h00

Em entrevista, concedida poucos dias depois do Fórum Banca 2017, que a PwC organizou em parceria com o Jornal Económico, o presidente da firma fala sobre os desafios que o setor financeiro enfrenta devido à mudança tecnológica. Acompanhado nesta entrevista pelo sócio Luís Barbosa, José Manuel Bernardo considera que a banca portuguesa começou um novo ciclo após a conclusão, este ano, de dossiers como a venda do Novo Banco.

Depois das mudanças que ocorreram nos últimos anos, em que ponto se encontra o setor financeiro em Portugal?
José Manuel Bernardo (JMB) – Este ano, acho que se atingiu um conjunto de metas que são importantes para o desenvolvimento futuro do setor. Chegámos ao fim do processo da venda do Novo Banco ao Lone Star. O Fundo de Resolução ainda continua a ter uma participação no Novo Banco, mas é um aspeto que é irrelevante. Por outro lado, os efeitos da resolução do Banif já tiveram as soluções que deveriam ter e há a retoma dos resultados dos bancos. Neste momento, já passámos a assistir a resultados positivos nos principais grupos bancários. Há um regresso à rentabilidade. No fundo, passou-se um mau tempo com a crise económica internacional e a de Portugal e com os efeitos que isso teve nos balanços, imparidades, necessidade de reorganização… Parece-me que estamos aqui num ponto de viragem. Trata-se de olhar para o futuro e de procurar as melhores soluções para servir os interesses dos clientes dos bancos, investidores, todas as pessoas que contribuíram para o reforço dos capitais.

Que perspetivas tem para o próximo ano? Espera-se uma melhoria da rentabilidade dos bancos?
JMB – Diria que sim. Há muitas clarificações. Se olharmos para o setor – reorganização da Caixa Geral de Depósitos, resolução do problema do BFA relativamente ao BPI, alteração da estrutura acionista, venda do Novo Banco, alteração da estrutura societária no Montepio Geral… Foram dados passos muito importantes. Diria que em 2018 há muito boas condições para o desenvolvimento e a rentabilidade.

Mas ainda há desafios que persistem, nomeadamente, o malparado…
JMB – Sim. Obviamente que ainda há trabalho a fazer. A criação desta plataforma que foi entretanto lançada pode eventualmente também ajudar a resolver. É um modelo interessante e que vale a pena explorar, na medida em que há muitos empréstimos que são comuns a muitos bancos e as soluções que forem encontradas têm de ser de ser aquelas que vão ao encontro os interesses dos diversos intervenientes. Continua a haver um desafio regulatório forte em 2018 e nos anos seguintes, que vai ter implicações nos bancos, ao nível dos seus investimentos, etc. Vai exigir atenção. É preciso que haja foco por parte da administração.

Acha que, regra geral, os bancos portugueses estão preocupados com as novas regras?
JMB – Preocupados estão. Têm tido muito trabalho, quer na implementação das normas regulatórias que vão entrar em 2018, quer na das contabilísticas. Ainda continua aqui um desafio forte pela frente.

Luís Barbosa (LB) – Diria que as alterações do foro regulatório acabam por abarcar uma elevada variedade de temas, desde a contabilidade com o IFRS 9, como ao nível dos sistemas de pagamentos, da esfera prudencial como um todo, ao nível da regulamentação dos mercados financeiros. Pela primeira vez temos alterações muito significativas, complexas, num número relevante de áreas. Chamemos-lhe um aglutinar de um conjunto de alterações que terão de ser acomodadas, numa linha temporal comum, envolvendo o mesmo número de interlocutores habitual dentro das instituições, que em paralelo vão ter de servir aqueles que são os propósitos do negócio. A própria capacidade das instituições para absorver todos os requisitos acaba por ser contida.

Os bancos vão ter de manter um forte enfoque nestes temas. Ainda há dias, um banqueiro dizia que metade do trabalho que tem atualmente é com a regulação.
LB – Não só em termos dos próprios recursos, como também valências mais orientadas para a interpretação da regulamentação e antecipação de impactos. Também vai exigir, do lado das instituições, acesso mais rápido à informação e de maior qualidade. Os próprios sistemas vão ter de se adaptar. Serão instituições mais viradas para os resultados. A recuperação de rentabilidade é expectável que continue, mas, em simultâneo, é importante que se dê cumprimento a outros requisitos.

JMB – As exigências são muito fortes e extensas. Houve um acréscimo significativo da regulação. No fundo foi uma resposta política aos efeitos da crise. Há vagas sucessivas de legislação na sequência de crises que vão acontecendo ao longo do tempo.

LFB – É uma mudança de paradigma e vai obrigar as instituições a monitorizar em que medida estão a dar cumprimento a todas essas questões regulamentares.

Os bancos estão mais preocupados com a reputação?
LB – A reputação é fundamental no negócio bancário. Não só em termos da confiança dos depositantes mas também a sua imagem perante os seus supervisores e os diferentes players do mercado.

JMB – Acho que as entidades que vão sair ganhadoras deste processo todo são as que forem capazes de aproveitar todas as mudanças que têm de fazer ao nível da gestão, da organização interna e dos processos para dar resposta a estas necessidades regulatórias em simultâneo com as alterações no ambiente da sociedade em geral (tecnológicas…). A forma como os clientes olham para os bancos e interagem com eles.

Uma das queixas dos banqueiros no Fórum foi a de que as fintech não têm regras de supervisão iguais às dos bancos. É uma crítica justa?
JMB – Parece-me que no final acabará por se ajustar, haverá alguma resposta a estas queixas. Uma coisa é certa: não podemos parar o progresso, portanto, vamos ter nos habituar a ele e a que surjam todas estas alterações cada vez com mais frequência.

Os bancos deviam olhar para as fintech como aliadas e não como inimigas?
JMB – Acho que sim. Olhar para a solução que estão a oferecer, de que forma as estão a adotar, criarem respostas para as necessidades. Todos estes serviços que vão surgindo surgem para resolver problemas dos consumidores.

Um dos banqueiros que participou no Fórum Banca disse durante o debate que existe a ideia de que os millennials preferem não ter de ir ao banco, mas isso muda quando começam a ter património. Aí tornam-se tradicionais. Não estaremos a exagerar na ideia de que as novas gerações não estão interessadas na banca tradicional ?
JMB – Uma coisa são os serviços bancários – pagamentos, etc. Aí acho que os clientes prestam atenção essencialmente ao custo e à eficácia do serviço e não tanto a quem o presta. Por outro lado, há as questões relacionadas com as questões dos seus ativos, o que fazem com o seu dinheiro. Aí as questões relacionadas com a reputação são importantes. Os bancos tradicionais têm por isso um trunfo a jogar. Mas não é só a banca tradicional que tem boa reputação. Hoje em dia fazemos ‘n’ transações com o Google, a Amazon, a Apple… Estas entidades também têm boa reputação, estão a alargar a esfera de atuação a outros serviços e podem competir com a banca tradicional. Temos de contar com isso no futuro.

Que impacto terá a nova diretiva de pagamentos. Vai revolucionar o setor?
JMB – Parece-me que sim. Vai permitir uma oferta muito mais alargada de serviços e a entrada de novos players. Vai permitir a essas entidades que já têm boa credibilidade – e a outras – entrarem nestas áreas dos pagamentos. Já o negócio do crédito é para os bancos, nem que seja por serem obrigados por lei a serem as entidades financeiras a concederem crédito.

LB – No Fórum toda a gente mostrou a sua preocupação com esta mudança estrutural no acesso à informação sobre o perfil dos consumidores, a riqueza que ela pode proporcionar, o impacto que poderá ter em novas dinâmicas de negócio… Teremos de aguardar para ver. As mudanças seguintes que se vão registar vão decorrer da experiência que agora se vai ter.

A economia está a melhorar em Portugal. Para os bancos é uma tendência sustentável, tendo em conta que as taxas de juro também continuam baixas?
JMB – Obviamente que se a economia evoluir positivamente é benéfico para os bancos. Há mais procura de crédito, quer ao nível das empresas, quer ao nível pessoal. Temos de resolver os problemas estruturais que existem – e um deles é a resolução da dívida. Se não acontecer tenho um bocado de receio de daqui a uns anos estarmos a falar sobre os mesmos problemas que vivemos ciclicamente.

Depois dos grandes casos bancários dos últimos anos em Portugal, as pessoas estão mais sensibilizadas para questões éticas?
JMB – Diria que sim. A governação. Se houver um receio relativamente a uma entidade qualquer um dos riscos é o da corrida aos depósitos. Veja-se, por exemplo, o caso do Banif. O ruído relativamente ao negócio bancário é sempre muito mau. O escrutínio é cada vez maior, por isso, vai ter de ser levado a sério, caso contrário os investidores não estão disponíveis para participar. Há cada vez mais sensibilidade na sociedade para este tipo de assuntos.

LB – É expectável que o reforço que tenha ocorrido em termos de regulamentação de governo interno – destaco também a atuação das linhas de controlo (auditoria) – acabem por poder ser adotadas também pelo setor não financeiro.

JMB – Há aqui ainda um longo caminho a percorrer. Na nossa atividade de auditoria, o Estado promove condições para ser cada vez mais profunda e exige comportamentos irrepreensíveis dos players no mercado – e todos nós estamos a fazer um esforço muito grande no sentido de dar resposta a essas ansiedades. Por outro lado, olhamos para o lançamento de concursos públicos, para auditar empresas muito relevantes do setor público – câmaras municipais, hospitais, etc – e vimos nos cadernos de encargos preços de referência para o concurso que estão completamente desproporcionados face ao que são as exigências de um trabalho de qualidade. Há aqui um contrassenso. O Governo exige que o auditor faça o melhor trabalho possível mas, quando lança o concurso, os preços de referência que coloca não são adequados ao nível de exigência que está implícito a toda a legislação que foi criada.

Porque é que isso acontece?
JMB – Acho que é por desconhecimento do que é realmente um trabalho de auditoria. Há concursos que têm ficado desertos, o que que dizer que são perspetivas irrealistas por parte de quem lança os concursos. É-nos exigido um conjunto de conhecimentos, de valências, de requisitos técnicos e de independência, de formação, e tudo isso custa muito dinheiro e não compagina com meia dúzia de tostões para auditar uma câmara municipal com um orçamento de centenas ou dezenas de milhões de euros e um quadro legal complexo que é preciso ter em conta. Por um lado querem o melhor comportamento possível por outro incentivam a ligeireza.

Quais as prioridades da PwC no próximo ano?
JMB – Darmos também resposta a estas mudanças todas. São tecnologias que nós acompanhamos e onde estamos cada vez mais presentes. Estão a ser feitas muitas coisas interessantes em termos de robótica, Inteligência Artificial, desenvolvimento de soluções para os clientes. Trata-se de saber identificá-las e pô-las em plataformas úteis. Os nossos serviços de consultoria em matérias de risco, regulação, auditoria ou assessoria fiscal têm-se vindo a desenvolver dentro da normalidade e temos vindo a crescer sucessivamente ao longo dos anos. Estamos a fazer reforços para dar resposta às novas tendências e à procura.

Que efeito terá nas consultoras a criação do novo responsável pelos dados que as empresas terão de ter, imposto pelo RGPD?
Estamos a apoiar um conjunto de clientes na adoção do RGPD. O regulamento não é fácil, a legislação não é um tema fácil, é bastante pesada. Vai haver aqui um conjunto de oportunidades de trabalho nessa área, mesmo depois de ele entrar em vigor, porque o que exige não é algo que se faça de um dia para o outro. Há aqui um espaço de aprendizagem e vamos certamente continuar a trabalhar nesse tema.

LB – É a capacidade estratégica de as instituições olharem para a regulamentação, conseguirem analisar eventuais sobreposições e conseguirem através de um plano bem estruturado e de uma visão holística dar resposta às diferentes exigências em si mesmo será um driver de competitividade. Cada vez mais temos também uma atuação internacional, com equipas que são constituídas para os diferentes temas, onde há partilhas de experiências. Num mundo em que, no caso da zona euro, temos um único supervisor para 19 países, faz todo o sentido que tenhamos também uma única instituição a dar resposta.

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