Hortense Martins, deputada por Castelo Branco, protagoniza a enésima demonstração de que no PS, como consequência da longa ligação do partido ao Estado central (17 anos de poder nos últimos 25) e às autarquias, se reúne muita gente já incapaz de distinguir entre as responsabilidades públicas e os interesses próprios. Ali, parece viver-se num mundo particular, à sombra do conhecimento partidário, da informação privilegiada e das ligações de sangue. A desfaçatez promove o resto, ou seja, tudo aquilo que as notícias nos vão trazendo. E a cúpula nacional do partido, colocada no meio desta vergonha democrática, consegue fingir que nada se passa de especial no regime.

Já éramos conhecedores do enlevo com que o presidente do PS, Carlos César, tratava dos seus. Depois, este ano trouxe-nos a novela das cerca de 50 pessoas, reunindo 20 famílias, que enxameavam o Estado a partir do Governo. Temos agora esta notícia do “Público”, nem de propósito, para ilustrar o debate europeu: uma deputada socialista capaz de procedimentos irregulares ou desprovidos de ética para conseguir canalizar para a família fundos comunitários (276 mil euros).

O caso, pela coincidência temporal, podia servir de mote a um debate sobre como, em Portugal e nos outros países, se acede ao dinheiro do orçamento europeu, seja o dedicado ao desenvolvimento rural (ProDer), que é o que está em causa neste caso, seja o do vasto “Portugal 2020” e da sua aplicação nos próximos anos.

Seria esperar demasiado.

Do PS veio o habitual som dos cemitérios, associado à estratégia de que o tempo tudo faz esquecer. Só o candidato Pedro Marques, perdido no terreno, balbuciou a sua vontade de ver “tudo em pratos limpos”, uma nova versão do “doa a quem doer” e outras banalidades insignificantes e oportunas. Os restantes partidos, talvez sabedores do que têm por casa – só pode! –, calaram-se. E o circo das candidaturas ao Parlamento Europeu lá seguiu, cabisbaixo, a caminho de superar a barreira dos 66,16% de abstenção em eleições europeias, com a temática nacional de sempre e uma realidade cada vez mais surrealista, entre mercados, arruadas e figuras tristes a que se torna penoso assistir, mesmo que já apenas pelos ecos nas sedes sociais.

Sinceramente, não sei qual será a linha vermelha do regime. Os casos de corrupção, más práticas e abuso do poder sucedem-se sem que os principais atores políticos portugueses se dignem mostrar a genuína preocupação que seria devida. Não há um único partido, dos cinco maiores, que estabeleça uma agenda de combate aos vícios instalados, que sinta a necessidade de uma purga, tanto interna como na vida nacional. O PS consegue, até, manter Pedro Silva Pereira, braço direito de José Sócrates, em ‘número 3’ da lista, embora o esconda com pouco dissimulada vergonha.

É extraordinário, e também significativo da sociedade que somos, que este pano de fundo não revolucione o tecido partidário – e, nas intenções de voto, PS e PSD, somados, ainda rondem os 60%, o que é extraordinário. Só a abstenção (não a das eleições europeias, porque essa é martirizada por várias e mais profundas razões) nos dá a ideia de como o ‘pântano’ de Guterres cresceu com Sócrates, com o assalto criminoso à banca, com a destruição da PT, com o amiguismo tornado bandeira de uma Nação. É muito doloroso assistir a isto.