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“Interesse da França em Portugal está num claro crescimento”

A França é o investidor industrial de maior valor acrescentado em Portugal e está para ficar. O interesse dos empresários gauleses no país “está em crescendo”, salienta a embaixadora Florence Mangin.
19 Outubro 2019, 12h00

O que mais atrai os franceses em Portugal?
Tudo. Portugal interessa aos franceses de uma forma em geral. Há um modelo, mas a forma como Portugal saiu da crise muito dura que o afetou é, certamente, uma forma de inspiração para muitos observadores. O país foi muito corajoso e houve um voluntarismo por parte dos governantes e também um voluntarismo por parte da população que fez sacrifícios. E essa foi uma situação que impressionou muito os franceses.

Há um crescendo de apetência por Portugal, essencialmente no plano turístico e não dou nenhuma novidade, mas o que é mais extraordinário foi a maneira como Portugal conseguiu recentrar-se e encontrar uma margem de manobra a nível económico e que acabou por criar oportunidades para as empresas francesas que vieram até Portugal e efetuaram investimentos.

Portanto, estamos perante um conjunto de fatores que se combinam para tornarem Portugal – e não sei se posso empregar a expressão – um país que está na moda. E, claro, espero que seja uma moda perene porque claramente para as empresas não se tomam iniciativas e decisões numa visão a três meses, mas no médio e longo prazo. Logo, é nuclear que esta atratividade global do país se mantenha.

 

Quanto valem os negócios franceses em Portugal e quais os grandes setores de atividade onde os empresários franceses têm investido?
Desde há alguns anos que o fluxo comercial e o esforço de investimento das companhias francesas em Portugal está em crescimento. Em 2018, as exportações de França para Portugal representavam 6,9 bilhões de euros e cresceram 7% ; continuam dinâmicas este ano. A França é o segundo cliente de Portugal, o terceiro fornecedor, mas somos o primeiro empregador estrangeiro em Portugal. Este é um aspeto menos conhecido da importância da França em Portugal, pois existe mais de um milhar de filiais e sucursais (com dados de 2017 e que são as estatísticas mais aproximadas). Significa 40 a 60 mil empregos e somos os primeiros em termos de Valor Acrescentado criado no país.

Logo é uma presença forte e que está em crescimento e isso demonstra também a boa saúde económica do país, sobretudo numa altura em que o ambiente económico na Europa global é de incerteza. Friso: O interesse da França em Portugal está num claro crescimento.

Os atores franceses investem em sectores muito variados, o que ilustra a atractividade de Portugal. A França está especialmente presente na grande distribuição, nos transportes, no sector automóvel, nas infra-estruturas e nos serviços. Existem também perspectivas interessantes de investimento nas energias renováveis, por exemplo.

 

Quais os constrangimentos que as empresas industriais e de serviços encontram em Portugal?
A nível de constrangimentos continua a existir o problema da mão-de-obra, essencialmente a especializada mas, é claro o esforço do Governo português para melhorar este aspeto relacionado com os recursos humanos. Não nos podemos esquecer que muitos portugueses saíram do país durante a crise económica e isso gerou um problema de competências a nível de RH e as empresas com quem falei frisaram essa dificuldade.

E, não menos relevante é um outro constrangimento e que é alguma fragilidade a nível do setor bancário. Existem melhorias mas ainda há fragilidades que precisam de ser debeladas. De qualquer forma, o resultado final é positivo. E mesmo que algumas alterações não sejam simples quando transportadas para a vida do dia-a-dia, o resultado final é, friso, positivo. Reforço que a questão da mão-de-obra nas indústrias de ponta e também nos serviços terá de melhorar.

 

Que trabalho tem sido feito por Portugal ao nível da diplomacia económica para atrair mais investimento francês?
Esse é um tema dos ministérios da tutela em Portugal. O que conheço bem é a diplomacia económica francesa pois temos múltiplas indicações que nos são fornecidas pelas nossas autoridades e como embaixadores temos de ser muito ativos nesse aspeto.

 

Os últimos dois anos têm sido fortes em turismo e compras de imobiliário em Lisboa, Porto e Algarve por parte de cidadãos franceses. Essa tendência é para continuar? O que os atrai mais em Portugal?
E verdade que se verificou uma explosão excecional do turismo em Portugal e todos os números dos últimos anos são eloquentes. Há um crescimento do turismo francês mas também de outras nacionalidades de uma forma muito expressiva. Mas é interessante verificar que os últimos dados conhecidos mostram uma estabilidade e logo a questão é pertinente. Interrogamo-nos se a explosão do turismo vai continuar? Claro que a resposta está com os portugueses que terão de criar apetências para o turismo evoluir e crescer fora dos centros de Lisboa, Algarve ou Porto. E interessante levar o turismo para regiões fora dos grandes centros e, de preferência, mais rurais. Sei que há iniciativas em movimento.

Por outro lado, percebem que os setores de atividade em Portugal ligados ao turismo estão segmentados. Algumas fontes afirmam que se atingiu a maturidade e este é o cenário de futuro, enquanto outros analistas acreditam que é um setor que pode cair. A verdade é que a explosão do turismo está ligada a fatores que já sublinhei mas também está ligada ao cenário específico dos países do Magreb e que beneficia Portugal. Os turistas deixaram de viajar para algumas daquelas regiões pelas razões que são conhecidas. Ora, se amanhã, a Tunísia ou Marrocos registarem um aumento do fluxo turístico, é bem possível que Portugal venha a sentir efeitos negativos. E é por isso, que na economia o mais relevante é criar fluxos longos e duradouros e isso obriga as empresas francesas, em conjunto com as autoridades portuguesas, a repensar e a reestruturar as condições para se manter o interesse turístico. O turismo é um setor estruturante. Realço que temos igualmente forte presença na hotelaria e na organização a nível de viagens de turismo. O objetivo é tornar um pouco mais perene uma atividade que é cíclica por natureza.

 

Portugal tem sido um destino para famílias franceses de reformados e também para expatriados que trabalham entre nós. Acredita que o acordo com benefícios fiscais para franceses que mudam para Portugal se irá manter?
Também isso é uma questão a colocar aos ministros da tutela. Foi um sistema instituído em 2009 e que tem como pressuposto o benefício do cidadão durante 10 anos com isenções fiscais.

 

E França pode ser um destino para empresários portugueses? Em que áreas?
Totalmente. É um tema de grande relevância. Só temos falado de empresas francesas em Portugal e queremos uma reciprocidade e constatamos que há cada vez mais empresas portuguesas que se instalam em França. Aliás, existe um movimento recente que vai nesse sentido, com vários grupos grandes que se instalaram em França e de alguma forma esse é o resultado das iniciativas do Governo de Emmanuel Macron e do esforço feito desde há dois anos no sentido de atrair investimento externo. A França precisa dessas iniciativas e foram registadas várias reformas em vários domínios e que são relevantes para as empresas. Estas iniciativas começam a dar os primeiros frutos e de uma forma geral a atratividade da França para as empresas melhorou substancialmente. Nos rankings internacionais que são lançados todos os anos, a França cresce de uma forma rápida e dou apenas um exemplo: O país recebeu mais de mil decisões de investimento em 2018 e tornou-se o segundo país na Europa na receção de novos investimentos. Aliás, o primeiro-ministro, que recentemente recebeu os embaixadores fez um discurso muito forte no sentido de prosseguir com as reformas. E, por outro lado, o efeito dos “coletes amarelos” do último inverno não colocou em causa esta atratividade. E é relevante mencionar este facto porque o ambiente melhorou e as empresas portuguesas poderão vir a instalar-se em França com mais facilidade. Tem exemplos recentes muito bons e positivos e há muita margem para receber novas empresas, e a embaixada e outras agências de promoção dos negócios como o Business France vão acompanhar o movimento. E desejamos que mais empreendedores portugueses possam tomar a direção de França.

 

E há setores específicos de interesse?
Tudo o que aportar valor tecnológico, tanto nos setores da saúde, do digital, tudo o que tem a ver com inovação pode ser interessante. Depois tudo depende das empresas, elas terão de procurar os setores e os parceiros e, mais uma vez, entidades como Business France vão estar à disposição dos empresários e gestores. Os setores de interesse são vários mas, repito, tudo o que for de forte valor acrescentado de índole tecnológico é muito bem-vindo. É verdade que o desenvolvimento dos países está a fazer-se a partir de startups ligadas às TI e à digitalização e este é um setor onde se poderia fazer mais em termos de presença portuguesa em França.

 

Quais os conselhos para quem avança na internacionalização pela primeira vez?
Devo salientar que fizemos a modificação no processo de organização das empresas, criámos interlocutores nas diferentes regiões em França, a par da criação de balcão único que recebe as empresas e que estabelece as várias ligações necessárias.

Logo, para além de Paris, todas as regiões em França têm o balcão único e o interlocutor específico para os investidores no país. Recentemente estive na Borgonha e aqui a Câmara de Comércio em parceria com o agente Business France trabalhou como ponto de receção único. Resumindo: Há uma estrutura de acolhimento absolutamente nova e depois de ano e meio de trabalho com este modelo já temos resultados. Este modelo tem claros resultados sobre as iniciativas das PME, até porque são as empresas com maiores necessidades de acompanhamento. E no âmbito das reformas de que falei, reorganizámos todo o nosso dispositivo para acolher as empresas estrangeiras de uma forma bem mais eficaz.

 

Como está o clima de negócios em França e como está a evoluir a economia?
A crise dos coletes amarelos que criou perceções fortes não teve impacto significativo sobre a vida económica. O clima de negócios é bom, está num momento de progressão positivo, as reformas de que falei a nível do direito laboral, dos transportes e da segurança social melhoraram o clima fiscal para o lado das empresas, e melhoraram o clima dos negócios. E direi que há hoje mais confiança em França do que há alguns anos. E tal como vemos em Portugal, a confiança é determinante para investir.

Friso, não devemos ser ingénuos e excessivamente otimistas mas o clima é claramente melhor do que há alguns anos. E as imagens de choque que foi a violência nos Champs Élysées não impactaram o regresso da confiança a França.

 

Como caracteriza a atual política francesa relativamente à UE? É um país estabilizador? É um motor da economia europeia?
A nível europeu considero relevante o facto de as Autoridades francesas e portuguesas estarem tão próximas. Têm posturas e ideias absolutamente alinhadas. Depois das eleições europeias o primeiro-ministro Costa e o presidente Macron falaram muito e concordaram que a famosa Agenda Estratégica – que foi adotada no Conselho Europeu de 20 de junho – venha a ser uma Agenda ambiciosa, voluntária e ainda que as cinco grandes prioridades que a UE decidiu para as próximas instituições europeias reflitam as vontades francesa e portuguesa: A transição ecológica, o orçamento da zona euro, o reforço da União Económica a par da União Monetária, a transição digital e aquilo que o Presidente da República acentuou recentemente aos embaixadores, a soberania europeia. E por soberania europeia não quer dizer que iremos fechar-nos porque a Europa é uma zona aberta ao mundo, mas é uma região que tem de tomar o destino nas suas mãos relativamente a políticas que a deixarão menos dependente de um ambiente internacional que é uma incerteza, tanto do lado norte-americano, como do lado chinês.

Há uma visão da Europa e a junção de ambos os esforços deu esta estratégia europeia, que é voluntária e que a recém eleita presidente da Comissão Europeia quer colocar em andamento. É uma dimensão que tem uma visão futura da Europa e que, repito, é caracterizada pelo voluntarismo e pela ambição.

 

Sobre os prémios CCILF que importância lhes atribui? Que iniciativas conjuntas entre a embaixada e a Câmara de Comércio estão previstas para 2019/2020?
Estes Troféus são muito relevantes e ilustram a qualidade do ambiente económico, envolvem um conjunto de setores que são importantes, como o investimento, as startups, a digitalização e o ambiente. São exemplos que comprovam bem esta riqueza da relação. Estou feliz porque dão visibilidade às empresas francesas e portuguesas que estão ao nível da excelência quer no digital, quer nas energias renováveis, ou seja, estão em domínios inovadores. É verdade que a França está presente em setores como a energia, o automóvel, como nos setores tradicionais, mas o mais importante é que a França está presente nos setores disruptivos e inovadores. Fico feliz porque os nossos dois países vão aproveitar todo o benefício que se pode tirar a nível da inovação e de novas tecnologias.

Devo salientar que a CCILF teve uma excelente iniciativa no Porto sobre a atratividade da França e irá fazer o mesmo no proximo ano. Hoje assistimos a um pequeno desequilíbrio e tenho o objetivo de levar mais empreendedores portugueses para França. A embaixada de França em Portugal está aberta para este tipo de iniciativas.

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