Poucos nomes estão instituídos na matriz cultural e social de Portugal como o nome de Calouste Gulbenkian. Quando, em 1942, em plena guerra, o magnata arménio visita Lisboa e decide permanecer na cidade até à sua morte, em 1955, talvez estivesse longe de adivinhar como o seu presente generoso aos portugueses – a constituição de uma fundação em seu nome que iria gerir uma vasta fortuna amealhada com base na indústria petrolífera do Médio Oriente – transformaria o panorama artístico e científico do país e possibilitaria o acesso democratizado à cultura e educação.

Se tal foi possível de concretizar, foi graças à influência e obra do extraordinário José de Azeredo Perdigão, advogado de Gulbenkian que se tornou o primeiro presidente da Fundação até 1993. O resto da história é bem conhecida dos portugueses. Fazendo frente a um regime fascista que não desejava incentivar a literacia ou a educação, a Fundação Calouste Gulbenkian cria um serviço de bolsas e apoio a instituições de ensino, o Instituto Gulbenkian de Ciência e as emblemáticas bibliotecas itinerantes que, ao longo de quatro décadas, emprestaram mais de 97 milhões de livros.

Num país em que a intervenção cultural da parte do governo foi sempre limitada, coube à Fundação assumir um papel decisivo na criação de uma estrutura profissionalizada que serviu de suporte a centenas de criadores nas diferentes áreas culturais, como música, dança, cinema, literatura e teatro.

Hoje, a Fundação Calouste Gulbenkian é uma sombra do que foi, optando por um papel mais restrito. Extinção e reformulação de serviços emitiram sinais de contenção. Recentemente, foi noticiado que a Fundação perdeu 22% do seu património em termos reais entre os anos de 2006 e 2016,  anos estes marcados pela crise do subprime e baixas cotações do petróleo.

A decisão recentemente anunciada de venda da Partex, empresa petrolífera cujo capital é 100% detido pela Fundação, peca por tardia e abre um novo capítulo radical na história da Fundação, prestes a libertar-se dos rendimentos provenientes dos combustíveis fósseis.

Para onde caminha uma das maiores Fundações do país? A visão que Calouste Gulbenkian e Azeredo Perdigão desejaram projetar no país perdeu fulgor e não se pode dizer que tenha sido inteiramente seguida de forma exemplar pelo Estado. O atual Ministério da Cultura revela-se “orgulhosamente insatisfeito” com a magra fatia orçamental destinada à Cultura mas que, ainda assim, permite “fazermos coisas dentro do possível”. Outrora, a Fundação compreendeu a importância de um investimento estratégico nas Artes e Cultura.  O que é necessário para recuperarmos essa visão?