Retomo o tema da necessidade de valorização e dignificação da retribuição salarial no nosso país pela urgência de um novo paradigma. E recomeçando pelos números, temos que, no Portugal real, dois terços das famílias têm rendimentos brutos (antes dos impostos) abaixo dos dez mil euros anuais, que correspondem em média a 700 euros brutos mensais. Falamos de 65,5% de famílias, ou seja, 3 milhões de agregados familiares. Destes, quase metade (48%) não paga IRS, por não auferir rendimento suficiente.

Se somarmos os rendimentos destas aos das que auferem entre este valor e 20 mil euros, o número de agregados ascende a quase 4 milhões. Contas feitas, isto significa que 85% das famílias portuguesas (soma de rendimento de casais) ganha menos de 1.400 euros brutos mensais, em média cerca de 1.000 euros líquidos por casal. No que se refere às famílias com rendimentos acima dos 5.000 euros mensais brutos (mais de 2.800 euros líquidos), ou seja, 60 mil famílias que correspondem a 1,5% dos agregados, estas pagam um terço do valor global da coleta em Portugal.

Estamos no plano do Portugal real quando 85% das famílias portuguesas têm rendimentos e salários baixos, e estamos perante um problema quando não existe outra alternativa senão incidir a tributação sobre esta classe, através de impostos indiretos (IVA e combustíveis, entre outros) aplicáveis a todos. Sem exceção.

Um outro dado a ter em conta quando se fala em política de rendimentos é a disparidade entre o que paga um empregador e o que recebe o Estado e o trabalhador por cada salário. Tomando como exemplo um salário líquido mensal de 1.800 euros, o Estado recebe 1.900 euros em impostos – ou seja, mais do que o próprio trabalhador – e o empregador paga 3.700 euros com encargos sobre a remuneração.

Isto significa que o Estado, só em impostos diretos, apresenta uma carga fiscal que só com muito boa vontade não se pode considerar elevada. Já agora, importa reter que a carga fiscal em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) atingiu os 34,7% em 2017, o valor mais alto dos últimos 23 anos! O crescimento das receitas fiscais superou o próprio aumento do PIB em cerca de 4%.

E no inverso, qualquer aumento salarial é em grande parte apropriado pelo Estado, e não como forma de recompensa do esforço e mérito dos trabalhadores.

Depois dos factos, as consequentes verdades: o Estado absorve demasiado esforço da economia. O Estado não liberta a produtividade e a riqueza. O Estado asfixia as empresas e os cidadãos. Este é o Portugal real, em luta com o Portugal virtual que acredita que os portugueses conseguem continuar a pagar esta política fiscal com rendimentos baixos e que as empresas se fortalecem sem uma lógica de capitalização de lucros, com um crescimento da cobrança de impostos a superar, ano após ano, o crescimento da economia.

Pois bem, o nosso esforço deve ir no sentido de aliviar o pagamento do serviço da dívida, invertendo esta lógica de política pública e ajustando a carga fiscal à riqueza. Só assim é possível permitir o crescimento efetivo da economia, bem acima do crescimento da carga fiscal ou do pagamento de impostos. Só assim é possível a vitória do Portugal real sobre o Portugal virtual.