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O projeto BEPS 2.0 e o objetivo último de um mundo de negócios melhor!

O acordo preliminar sobre fiscalidade internacional a que chegaram 132 juridições, no âmbito da OCDE/G20, pretende ser uma resposta aos desafios colocados pelos processos de globalização e de digitalização, para que o mundo seja fiscalmente mais justo.
30 Julho 2021, 09h30

No passado dia 1 de julho, 132 das 139 jurisdições pertencentes ao BEPS Inclusive Framework da OCDE/G20 chegaram a um acordo preliminar e condicional que visa adotar soluções no âmbito da fiscalidade internacional que permitam enfrentar os desafios fiscais decorrentes da digitalização e globalização da economia mundial. Essas soluções são enquadradas em dois grandes pilares: Pilar 1 e Pilar 2.

Em termos muito sumários, o Pilar 1 prevê a implementação de mecanismos de atribuição de direitos de tributação, relativamente a uma parte do rendimento, às jurisdições onde as grandes multinacionais têm os seus utilizadores ou clientes finais (independentemente da existência de uma filial ou estabelecimento estável nesses mesmos países). O cariz inovador das medidas incluídas no Pilar 1 reflete-se no respetivo âmbito de aplicação, ou seja, aplicar-se-á a multinacionais cujo volume de negócios e rentabilidade no ano anterior ascendam a 20 biliões de euros e 10%, respetivamente. Não obstante, é prevista uma redução do primeiro dos referidos limiares, para 10 biliões de euros, em função do sucesso obtido na implementação das medidas incluídas no Pilar 1 ao nível das várias jurisdições, a avaliar num prazo de sete anos após a entrada em vigor destas medidas.

Por sua vez, o Pilar 2 visa assegurar que os lucros de grandes grupos multinacionais são sujeitos a um nível mínimo de tributação efetiva, não inferior a 15%. Refira-se que este nível mínimo de tributação não consubstancia uma obrigação dos diversos países em aumentarem as respetivas taxas de tributação domésticas sobre os lucros das empresas, contudo, permite aos Estados impor uma carga de tributação adicional relativamente a rendimentos de fonte estrangeira, com proveniência em países de baixa tributação.

Em função dos desígnios assumidos, este Pilar materializa-se em propostas de regras e mecanismos a serem implementados na legislação doméstica e nas convenções para evitar a dupla tributação internacional (CDT) celebradas pelas diferentes jurisdições:

– A nível doméstico serão criadas as regras do modelo GloBE (Global anti-Erosion Rules), abrangendo a Income Inclusion Rule e a Under-taxed Payments Rule, que, conforme indicam os nomes, permitirão a imposição genérica de uma tributação agravada sobre rendimentos que não sejam tributados ou sejam sujeitos a uma tributação mais baixa nas respetivas jurisdições de fonte. No âmbito da União Europeia (UE), espera-se que estas medidas sejam implementadas numa lógica transnacional, mediante a aprovação de uma Diretiva;

– A nível das CDT, estão previstas as Subject to Tax Rules, que permitirão um aumento das taxas de retenção na fonte aplicáveis no âmbito destes instrumentos de direito internacional a determinadas categorias de rendimentos e pagamentos que, tendencialmente, não são sujeitos a tributação ou são sujeitos a tributação abaixo do limiar mínimo que se pretende assegurar.

Em termos de agenda, está prevista a continuação das reuniões técnicas e especializadas da BEPS Inclusive Framework até outubro do presente ano, permanecendo igualmente aberto até essa data um período de consulta levado a cabo pelo Secretariado da OCDE junto das empresas e outros interessados. Por outro lado, ainda no início mês de outubro, está planeada a elaboração de um relatório contendo um plano mais detalhado, bem como o esclarecimento de alguns pontos ainda em aberto. O referido relatório será depois discutido pelos Ministros das Finanças do G20 e pelos Governadores do Banco Central Europeu nos dias 15 e 16 de outubro, bem como no encontro dos líderes do G20, no final do mês.
Já em 2022 deverão ser conhecidas as medidas concretas e finalizado o plano de implementação que, idealmente, entrará em vigor em 2023.
Trata-se, com efeito, de um cronograma extremamente ambicioso tendo em conta que muitas das questões em aberto carecem de discussão e análises técnicas detalhadas. Além disso, a experiência observada na adoção dos instrumentos de tributação multilaterais existentes ao nível da OCDE e na transposição das propostas para as legislações internas evidenciam o caráter prolongado que este tipo de iniciativas normalmente requer.
Não obstante os desafios que se colocam, a Comissão Europeia encara a iniciativa BEPS 2.0 como um elemento importante na sua ampla agenda, focada na criação de um sistema fiscal empresarial mais justo e sustentável da UE que já se vem materializando em algumas iniciativas conexas com os referidos Pilares:

-No âmbito do Pilar 1, um imposto digital ao nível da UE que deverá funcionar em paralelo com as medidas estabelecidas a nível internacional, de forma não discriminatória e evitando a dupla tributação. Neste âmbito, a publicação de uma proposta legislativa em 28 de julho foi adiada até outubro aguardando o desfecho das negociações do BEPS 2.0.

– Relativamente ao objetivo de tributação mínima global, a agenda da UE contempla igualmente uma série de iniciativas, tendo já sido iniciados os trabalhos preparatórios da Diretiva que deverá implementar as medidas inerentes ao Pilar 2 e deverá ser ainda apresentada uma proposta que combata a utilização abusiva de empresas artificiais (vulgarmente designadas “shell companies”), através do estabelecimento de regras contra a evasão fiscal (“ATAD III”). Adicionalmente, prevê-se a obrigação, para certas grandes empresas que operam na UE, de publicarem as respetivas taxas de imposto efetivo (Effective Tax Rates/ETR).

A título meramente informativo e de acordo com uma análise levada a cabo pela OCDE sobre o impacto destas iniciativas, prevê-se que haja um aumento global da receita tributária em 4%, sendo que as economias com um maior nível de investimentos diretos serão naturalmente as mais impactadas.

Em conclusão, o objetivo último das medidas e iniciativas em referência é que o acordo alcançado pela OCDE/G20 venha permitir um mundo de negócios melhor e fiscalmente mais justo com uma sólida tributação mínima global e, idealmente, um impacto reduzido sobre as multinacionais que desenvolvem atividades económicas com substância. Do objetivo à concretização ainda irá um grande passo e não tenhamos ilusões que todas estas medidas irão traduzir-se em complexidade adicional no âmbito da tributação internacional.

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