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O Que Faço Eu Aqui?

Bruce Chatwin é muitas vezes apelidado de “eterno nómada” e as crónicas reunidas nesta edição da Quetzal fazem jus a esse epíteto. Prosa cativante para devorar sem restrições. Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
  • Marta Teives
1 Novembro 2019, 10h50

O título deste livro de Bruce Chatwin foi inspirado na questão que Rimbaud se colocou quando se encontrava na Etiópia, onde chegara em 1880. No caso de Chatwin, a pergunta surgiu quando se encontrava deitado numa cama de hospital, desejando que as dores e a febre que o atormentavam fossem meros sintomas de malária e não de uma alguma doença rara, como a micose na espinal medula que apanhara meses antes, no Gana. A sua estadia na África Ocidental devera-se à adaptação cinematográfica do seu romance “O Vice-Rei de Ajudá”, pelo realizador alemão Werner Herzog, com Klaus Kinski no papel de Dom Francisco, o traficante de escravos (o filme viria a chamar-se “Cobra Verde”).

Publicado postumamente, a partir de uma seleção feita pelo próprio Bruce Chatwin, “O Que Faço Eu Aqui?”, editado em Portugal pela Quetzal, reúne diversos textos, entre ensaios, relatos de viagem, retratos de amigos e conhecidos (há um texto sobre um colecionador de arte na União Soviética, em que aborda a obra de artistas como Kandinsky, Tatlin ou Rodchenko) e meditações mais ou menos profundas, como a que sugere o título do livro.

 

 

Nesta obra deparamo-nos com o fascínio que tanto a beleza, como a bizarria, ou os lugares desconhecidos exerceram sobre o autor. Destes encontros resultaram este conjunto de histórias surpreendentes. No Nepal, andou à procura do iéti, o abominável homem das neves, percorreu o Afeganistão no encalço do viajante que considerava ser o seu mentor, Robert Byron – desde os seus quinze anos, Chatwin viajava sempre com o seu velhinho e gasto exemplar de “A Estrada para Oxiana” – e na Índia, onde acompanha Indira Gandhi em plena campanha eleitoral.

Eterno nómada, Bruce Chatwin (1940–1989) é um dos mais apreciados escritores de literatura de viagens, em particular pela mistura que faz de impressões pessoais, dados históricos e retratos, num estilo apelativo, mantendo o leitor cativo, como se pode constatar no excerto com que encerramos este texto. Em 1974, apresentou a sua demissão da “The Sunday Times Magazine” e o telegrama em que o comunicava ao seu editor ficaria famoso; dizia, simplesmente, “Fui para a Patagónia”. Dessa viagem nasceu o livro que o tornaria um autor aclamado, “Na Patagónia”.

“Era domingo. O sol brilhava: gente a piquenicar acenava-nos da margem e lanchas velozes subiam e desciam o rio, a abarrotar de excursionistas. Às três horas, descemos a terra em Djevuschkin Ostrov, na ilha Virgem, onde o ‘khan’ da Horda de Ouro possuía, outrora, um harém. Antes disso, contudo, a ilha tinha sido a moradia das Amazonas. Estas tinham o costume de fazer amor com os prisioneiros e, depois, matavam-nos. Às vezes, os prisioneiros resistiam, mas um deles, um jovem, aceitou de livre vontade ser morto se elas lhe concedessem um favor em troca.”

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