Resulta quase divertido, seis anos depois, ler a carta aberta que um grupo de rapaziada dita “de esquerda”, alguma da qual com cartão de passageiro frequente do Orçamento de Estado, resolveu assinar e publicitar na paróquia aquando da primeira visita da chanceler alemã a Portugal.

Em novembro de 2012, recordo, o país estava intervencionado pela troika que, a pedido do último governo de José Sócrates, já sem capacidade de aceder aos mercados, falido, recebera 78 mil milhões de euros de empréstimo.

Passos Coelho sucedera-lhe à frente de uma coligação PSD/CDS e lutava para manter Portugal com uma imagem credível para o resto da Europa e do mundo. Foi nesse contexto que Merkel aqui esteve umas horas, importantes para o país e também para a Europa, na qual o Norte apontava o dedo ao Sul.

O PS (de Seguro), respondendo à ideia da líder democrata-cristã de que precisávamos de austeridade para convencer o mundo de que valia a pena investir na Europa, marcava o ponto dizendo mais ou menos aquilo que o partido (de Costa) continua a dizer hoje: a chanceler estava “apaixonada pela austeridade” mas o caminho era outro.  Como explicita agora o primeiro-ministro, “para ser sincero, encontrei sempre a chanceler mais preocupada com os resultados do que com o caminho para os alcançar. E, em alguns momentos críticos, o seu papel foi importante para dar confiança aos mais céticos”.

Volto à carta da rapaziada. Entre outras pérolas, dizia-se isto: “A presença de vários grandes empresários na sua comitiva é um ultraje. Sob o disfarce de «investimento estrangeiro», a senhora chanceler trará consigo uma série de pessoas que vêm observar as ruínas em que a sua política deixou a economia portuguesa.”

Seis anos depois, serenados os ardores, Merkel regressa, até com mais tempo, por entre grandes vivas ao “principal investidor produtivo externo” (palavras de António Costa). E as tribunas do regime explicam: “as empresas alemãs são uma das maiores empregadoras de Portugal logo a seguir ao Estado” (…) “400 as companhias instaladas no nosso país” (…) “as cinco maiores dão emprego a 20 mil pessoas com a “Bosch” a empregar 4.450 pessoas” (…), etc., etc., etc. Ou seja, já nem é necessário explicar o valor da Autoeuropa!

Para além da luta política doméstica, que também levou o PS a dizer na altura coisas que não devia, o que me interessa realçar é o contraponto dos partidos europeístas (PS, PSD e CDS) com a aliança da ala demagógica e populista (PCP, BE) que gostaria de ajudar a desmantelar a UE e acabar com o euro; e chamar a atenção para a falta de seriedade intelectual de tanta e tanta gente que vive de vender utopias, acicatar desesperos e procurar manipular a opinião pública.

A União Europeia, sabe-o qualquer pessoa que já tivesse vida antes de 1974 ou se interesse pela História, foi uma alavanca para que Portugal pudesse sair do subdesenvolvimento de décadas. Devemos lutar por ela, participando ativamente, ajudando a resolver os entorses políticos, burocráticos e/ou outros, refinando as virtualidades deste extraordinário projeto. E felizmente que também há outras cartas abertas, de gente séria e esclarecida.