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Mathilde Lemoine: “O risco deu lugar à segurança em Portugal”

Os salários baixos e a geografia aumentam a competitividade portuguesa e protegem contra a apreciação do euro. Com a ajuda do BCE e uma banca mais estável, o país é mais atrativo para os investidores, diz a economista.
23 Abril 2018, 07h15

Convidada por Madame de Rothschild, em 2016, para criar uma unidade de research para o grupo Edmond de Rothschild, Mathilde Lemoine aceitou o repto. A equipa que construiu “de raíz”, tem três pessoas em Genebra, onde vai contratar mais dois analistas, e duas em Paris, produz relatórios sobre economia e mercados. O objetivo não é, no entanto, cobrir as mesmas áreas de forma clássica como os grandes bancos de investimento, mas sim focar temas específicos com ângulos diferentes e forte análise de dados.

Um deles é o Banco Central Europeu (BCE) “a paixão atual” Lemoine. Em entrevista, a economista explica que não prevê um aumento de taxas na zona euro até 2020 e analisa em detalhe as previsões para as duas grandes economias mundiais – a chinesa e a norte-americana.

A China é a grande locomotiva de crescimento da economia global, algo que beneficia a zona euro e Portugal, refere a economista-chefe do grupo, que tem uma sucursal em Portugal que fornece serviços de private banking desde 2000. Mas há várias outras razões para sustentar o otimismo sobre a economia nacional, adianta.

“Prevemos uma ligeira desaceleração na economia portuguesa este ano, mas só porque antevemos o mesmo para a zona euro. A nossa previsão para Portugal é de 2%, portanto muito superior ao crescimento potencial”.

Lemoine salienta que partilha o otimismo demonstrado por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia e as agências de rating sobre a economia nacional. “Primeiro, o custo do trabalho por unidade vai permanecer muito mais baixo do que no resto da zona euro, apesar da recente aceleração, e isso quer dizer que a competitivade de Portugal vai permancer mais forte do que de países como França”.

A segunda parte da explicação está relacionado com o Brasil continuar a sair da recessão, mas também com o crescimento económico da China, que é positivo para Portugal por estar melhor posicionado geograficamente do que outros países da zona euro, algo que poderá atenuar o impacto da apreciação da moeda única.

“Outro fator importante é que os investidores perceberam que o BCE pode comprar obrigações sobernas acima dos valores estipulados pela chave de capital, porque o próprio Mario Draghi já disse isso, portanto não é uma previsão, é uma possibilidade. É por isso que a taxa da dívida portuguesa a 10 anos desceu para abaixo da yield da equivalente italiana”, disse.

“Houve um corte no prémio de risco cobrado pelos investidores e isso não se deve somente à melhoria nas perspetivas. Prende-se com uma nova realidade que oferece mais segurança”, vinca Lemoine.

O processo de estabilização da banca portuguesa, apesar de ser lento, também é um fator positivo, pois os guidelines do BCE e da União Bancária ajudaram a “limpar” os balanços dos bancos.

Sobre a evolução da economia da zona euro, Mathilde Lemoine tem uma análise algo “fora da caixa”, como a própria admite, com um racional divergente do consenso dos analistas e decisores.

A economista concorda com a previsão generalizada para este ano – uma ligeira desaceleração “natural” após um ano em que o bloco surpreendeu e cortou as distâncias face a outras regiões. A diferença reside, no entano, na análise sobre os fatores que conduziram a esse desempenho.

Lemoine recorda que a aceleração começou no terceiro trimestre de 2016 devido à descida das taxas de juro, mas não as do BCE, as que se aplicam ao crédito da banca, às empresas e à habitação, baixando os spreads.

Salienta ainda que nos quatro trimestres seguintes, 40% do crescimento do PIB veio do setor da construção após anos de estagnação nesse negócio, devido também à descida nas taxas crédito à habitação. Lemoine destaca que 84% da aceleração no concessão de crédito foi em dois países, França e Alemanha, “portanto é específica e frágil” e não tão abragente e equilibrada como sublinha alguns decisores, incluindo Draghi.

Esses dois países representam uma grande parte do crédito à habitação na zona euro, o que leva Lemoine a acreditar que o BCE irá aumentar as taxas de juro somente em 2020, para reduzir o impacto. Outra explicação para a previsão é que a yield média das obrigações detidas pelo BCE é de 0,7%, o que compara com uma taxa média de mais de 3% nos ativos detidos pela Reserva Federal dos EUA. Aumentar as taxas de juro iria, dessa forma, tornar a obrigações menos valiosas. O BCE vai ter de eperar até á maturidade das targeted long-term refinancing operations (TLTRO), os empréstimos ultra-baratos concedidos aos bancos durante a crise para combater a falta de liquidez. Lemoine acrescenta que o BCE deverá deixar de comprar novas obrigações após setembro, conforme o prazo definido, mas continuará a reinvestir em obrigações que chegam à maturidade, até 2020 e, só depois, aumentar as taxas de juro.

Jinping quer e pode

Mathilde Lemoine diz que o percurso recente da economia global tem muito a ver com os países asiáticos, com a China em destaque.

“Muitas vezes esquecemos que a retoma do crescimento global em 2016 veio especialmente da China, porque o governo chinês decidiu alterar a política económica para fomentar o investimento em infraestrutura e esse investimento disparou 17% no ano passado, impulsionando assim os preços das matérias primas e da produção industrial”, refere.

“E isso é interesssante porque significa que a reflação veio mais da China do que qualquer efeito Trump, ao contrário do que esperavam os investidores”.

Lemoine acrescenta duas estatistícas para caracterizar a retoma: 82% do crescimento global veio de economias emergente e 63% de países emergentes que exportam matérias primas. “Portanto é uma retoma industrial. O problema da aceleração do PIB mundial é que é frágil e não é devido à aceleração do crescimento potencial”, diz.

A previsão da economista é que a China continue a cresce ao ritmo atual, entre 6,5% e 6,7%. “Porquê? Porque é o que Xi Jinping quer, disse no Congresso que o crescimento do PIB é crucial para a liderança chinesa na mundo. Depois disso não podemos esperar uma desaceleração”.

Lemoine prevê que a grande diferença na economia global este ano seja a aceleração do PIB dos EUA, devido à reforma fiscal aprovada no final de 2017. Salienta que a reforma vai mesmo fomentar o investimento, até porque 55% da corte nos impostados cobrados à empresa são na forma de tax credits, ou seja, deduções nos investimento. Após um aumento de 4% no investimento no ano passado, a economista estima um de 6,4% em 2018.

“Não vai aumentar o crescimento potencial, mas creio que no curto prazo os investidores subestimaram o impacto positivo da reforma Trump porque não gostam das políticas e da pessoa”, refere.

A subida do investimento nos EUA é boa notícia para o mundo, porque o país representa 18% das importações globais.

Com as duas maiores economias do mundo em crescimento, poderemos ver uma guerra comercial? Lemoine diz que não justificando que as recentes medidas anti-dumping anunciadas por Trump para as matérias-primas não são novidade, Barack Obama fez o mesmo várias vezes.

Além disso, há o novo papel da Ásia na economia global. Desde 2008, a China contribuiu com 32% do crescimento global e os EUA com apenas 12%. O PIB per capita na Ásia duplicou nesse periodo, em grande parte devido aos acordos de 2010 entre a China e os países da ASEAN: “Há uma nova história na Ásia. O primeiro pilar são os acordos comerciais e o segundo é o banco de desenvolvimento, que tem ajudado o desenvolvimento, mas também o financiamento de infrastrutura”, explica.

“Portanto a Ásia está mais autónoma. Quando for negociar com Trump, na balança de poder, tem agora argumentos mais fortes”, conclui.

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