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Obama no Porto: e o nome do culpado é…?

A antigo presidente dos Estados Unidos Barack Obama desfez as opções do seu sucessor em matéria de alterações climatéricas e de economia verde. Mas não o nomeou uma única vez. Uma hora depois saiu sem se encontrar oficialmente com nenhum governante português, ao contrário do que sucedeu de manhã em Madrid.
6 Julho 2018, 17h37

Poucas horas depois de tomar posse, a 20 de janeiro de 2017, o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump assinava o seu primeiro decreto, que revertia o chamado Obamacare; três dias depois, revelou que assinaria em breve um decreto que viabilizava a construção dos oleodutos Keystone XL e Dakota Access, que o seu antecessor, Barack Obama tinha impedido; alguns meses mais tarde, o inquilino da Casa Branca retirou os Estados Unidos do acordo de Paris sobre alterações climatéricas; muitos meses mais tarde, Trump rasgou o acordo nuclear com o Irão, em cuja assinatura Obama se emprenhou profundamente.

Obama – que, dizem vários comentadores norte-americanos, está a ser apagado da história por Donald Trump – esteve esta sexta-feira no Porto numa conferência sobre alterações climatéricas e falou de reversões. De todas as reversões que têm a ver com a questão particular das alterações climatéricas. Mas nunca disse o nome dele: de Donald Trump. Ou porque a língua se lhe enrolasse quando o queria pronunciar ou porque Trump é, apesar de tudo, o seu sucessor, Obama – tal como fez em conferência idêntica que proferiu em Madrid durante a manhã – nunca se lhe referiu pelo nome.

De qualquer modo, nunca foi preciso: toda a sala do Coliseu do Porto – que não estava totalmente cheia mas tinha uma muito apreciável moldura humana – percebeu em todos os pontos da sua intervenção quando o antigo presidente se estava a referir, sem o referir, ao seu sucessor.

Um dos temas que mais demorou Obama – que interveio na primeira cimeira ‘Climate Change Leadership’  num registo de entrevista, respondendo a Juan Verde, presidente da Advanced Leadership Foundation e seu antigo colaborador – foi precisamente o do acordo de Paris.

O antigo presidente dos Estados Unidos disse que o acordo continua no ativo, que consegue agregar a vontade de uma imensidade de países – a que se juntam, referiu, muitas empresas e entidades norte-americanas que não alinharam com a saída decreta por Trump – e que está convencido que, no futuro, os norte-americanos voltarão a juntar-se aos que se mantém firmes na defesa da sua agenda.

“Outros esforços foram surgindo na economia e as empresas foram percebendo as vantagens de investir em energia limpa”, nomeadamente no que tem a ver com a racionalidade do negócio, afirmou. Aliás, este tema foi transversal às outras intervenções anteriores à de Obama – Mohan Munasinghe, ex-vice-presidente do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) e vencedor do Premio Nobel da Paz em 2007, Irina Bokova, ex-directora-geral da UNESCO, e Juan Verde: só quando a economia verde conseguir transmitir aos stakeholders a evidência de que apostar nas áreas não poluentes é um negócio rentável e tem racionalidade económica (imediata, ou seja, antes da assembleia de acionistas seguinte onde se discutirá a distribuição de dividendos), é que o mundo estará a salvo das alterações climatéricas.

Para Juan Verde, esse tempo já chegou, como o provam os 1,3 triliões de dólares que a economia verde movimentou em 2017. É possível, mas, para já, a outra economia ainda está muito, demasiado à frente.

Obama, que surgiu no palco aparentando algum cansaço e só esboçando o largo sorriso que se tornou a sua imagem de marca, disse ‘ao que vinha’ desde a primeira frase, que serviu para lamentar a revoada de nacionalismos, racismos e protecionismos (Trump ‘escondido’ pela primeira vez) que corre em todas as direções, “nos Estados Unidos, nas Américas, na Europa”, sendo eles, disse a primeira causa da crescente dificuldade de as nações se entenderem globalmente.

Depois, abordou a primeira reversão: os investimentos de milhões e milhões de dólares em energias limpas e noutras áreas da economia verde a partir de 2009 – movimento para o qual chamou com sucesso a China – e que se perderam no meio das decisões do seu sucessor.

Obama tocou também noutro ponto sensível: o da imigração, que não sua ótica vão continuar, porque os países ricos se esqueceram do óbvio: auxiliar o investimento e o crescimento económico sustentado dos países de origem dessa imigração. Qualquer outro cenário é uma derrota anunciada: “por muitos muros que haja, as pessoas hão-de sempre tentar saltá-los” se do outro lado estiver uma vida melhor.

Obama não poderia acabar o discurso sem uma mensagem de esperança: nos jovens – no que convergiria com o que já antes tinha dito Mohan Munasinghe durante a manhã. É na sua força, se os deixarem, que está, segundo o antigo presidente dos Estados Unidos, a razão. E lembrou que, mais que por um bom salário, os jovens sentem-se engajados por boas ideias. Não será assim em todo o lado, mas talvez valha a pena tentar – é essa, pelo menos, a experiência de Obama.

Prevista para demorar uma hora, a intervenção do 44º presidente dos Estados Unidos demorou exatamente uma hora. A sala aplaudiu de pé e Obama saiu para ir à sua vida – na qual não constava nenhum encontro nem com o Presidente da República nem com o primeiro-ministro, apesar de, algures durante a manhã, se ter encontrado com o chefe do governo espanhol, o socialista Pedro Sànchez.

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