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“Obrigado Soares, és um fixe”

Esta é uma das mensagens deixadas junto da residência de Soares, no Campo Grande. A manhã começou cedo com militares a ensaiarem passos nos Jerónimos, técnicos de luz e som a certificaram-se se estava tudo bem para os momentos marcantes da homenagem.
9 Janeiro 2017, 15h11

Na sala dos azulejos do Mosteiro dos Jerónimos, onde a 12 de Junho de 1985 Mário Soares assinou o acordo de adesão de Portugal à CEE, os preparativos para receber a urna do antigo presidente da República começaram cedo.

Eram 10h00 e vários militares recebiam indicações de um oficial. “Vocês vão estar em direto para as televisões até à meia noite. Têm de estar focados no que estão a fazer, isto só pode sair bem. Eu também já fui cadete e a imagem que deixarem é a das Forças Armadas”, diz o oficial.

Contagiados pelo espírito de missão, um grupo de seis cadetes, de espada em punho, caminhou em passo de marcha até ao local onde se vão colocar. Durante a tarde, de meia em meia hora, serão rendidos em grupos de seis elementos. Será assim até à meia-noite. Nesta sala dos Azulejos, um antigo refeitório do Mosteiro, está ainda um busto da República – Mário Soares também se definia como um republicano.

Ao lado, no Claustro, técnicos de luz e som corriam de um lado para o outro para que nada falhasse. “Estamos aqui desde as 7h00 da manhã e já montámos quase tudo”, explica um dos técnicos. Estão ecrãs gigantes, um palco, 400 cadeiras e dezenas de microfones para as homenagens que serão feitas pela família, amigos e figuras de Estado.

Perto do meio-dia, e já com a polícia a colocar as barreiras que impedem a passagem do trânsito, ainda se vêem alguns ‘Tuk Tuk’ e grupos de turistas que ficaram parados para tentar perceber o que se passa.

Mário Soares morreu no sábado, em Lisboa, e o Governo decretou três dias de luto nacional, entre hoje e quarta-feira.

Momentos de emoção

No primeiro dia das cerimónias fúnebres vários portugueses fizeram questão de homenagear o ex-Presidente. “Obrigado Soares, és um fixe”. Esta é uma das muitas mensagens colocadas à porta da casa de Mário Soares na manhã em que o País se mobilizou para acompanhar o percurso desde o Campo Grande até ao Mosteiro dos Jerónimos, onde o corpo do antigo Presidente da República vai estar em câmara ardente.

Junto à residência de Soares, no Campo Grande, há ainda flores, sobretudo cravos e muitas pessoas que fizeram um breve período de recolhimento para prestarem homenagem.

Nos Paços do Concelho um dos momentos mais marcantes. A urna do antigo chefe de Estado português chegou à Praça do Município, às 11h30, e foi transferida para o armão militar que a transportou em cortejo até ao Mosteiro dos Jerónimos.

O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina e vereadores juntaram-se aos filhos João e Isabel Soares e aos netos. Após a chegada, a urna coberta pela bandeira de Portugal foi retirada do carro funerário para o armão (espécie de charrete) por seis militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), seguindo-se a entrega das condecorações pelos netos.

O carro funerário chegou acompanhado por uma Escolta de Honra da GNR, composta por 30 motos, às quais se juntou uma comitiva de 84 cavalos desta força de segurança.Na fachada dos Paços do Concelho, destacavam-se ainda dois cartazes de grande dimensão (iguais aos 500 que estão colocados por toda a cidade) com a inscrição “Obrigado Mário Soares”.

O adeus dos camaradas

Em direção aos Jerónimos, o cortejo passou por locais como Marquês de Pombal, Rua do Arsenal, Praça do Comércio, Cais do Sodré, Avenida 24 de Julho, Avenida da Índia e Praça do Império. Maria do Carmo, dona de um loja de roupa, diz que Soares teve um papel fundamental na descolonização. “Tive dois irmãos na Guerra Colonial. Um deles ainda sofre de problemas”, conta.

Já perto das 13h00, João e Natividade, reformados da função pública, colocavam-se junto a uma das barreiras de proteção, em Belém.”Queremos agradecer tudo o que ele fez”, dizem emocionados e com as lágrimas a cair do rosto.

Vítor Vale de 68 anos, ex-presidente do PS em Almada, foi outra das pessoas que saiu à rua para homenagear o antigo Presidente da República. Comovido, explica: “Sempre estive ao lado do Soares e vou estar até ao fim. Foram muitos anos, mas infelizmente, tudo tem um fim”.

Vanda Madeira lembra o legado de Mário Soares, chamando-lhe “o pai da democracia” e credita-lhe “a liberdade com que vivemos”. A reformada de 62 anos esteve também no funeral de Maria Barroso: “um casal excepcional que viveu um para o outro”.

Não só daqueles que acompanharam a juventude de Mário Soares se fazem as cerimónias. Maria Begonha, membro da Juventude Socialista (JS) foi uma das funcionárias da Câmara de Lisboa que beneficiou da tolerância dada a quem quisesse prestar homenagem esta manhã. “Mário Soares é uma referência socialista e de liberdade, isto é o adeus a uma figura portuguesa com muito significado”, explica.

Aos 27 anos, a memória mais marcante que tem de Mário Soares é das últimas eleições presidenciais em que o socialista concorreu, mas lembra-se também de ouvir os discursos enquanto era ainda muito nova e se estava a definir ideologicamente. “É importante que as pessoas jovens mantenham a memória de Mário Soares e que o tenham como exemplo”.

Sobre a participação dos mais jovens nas cerimónias fúnebres de Mário Soares, o ex-secretário-geral da Juventude Socialista e deputado da Assembleia da República pelo PS, João Torres, também refere ao Jornal Económico que “as gerações mais jovens reconhecem-lhe um papel insubstituível”.

“O país deve-lhe incomensuravelmente muito”, afirma João Torres, que entregou a Mário Soares a distinção de Militante de Honra no XIX Congresso Nacional da Juventude Socialista, em 2014. “Durante o tempo que liderei a JS, convivi com Mário Soares, por quem sempre tenho uma profunda admiração, e ganhei com ele uma afinidade muito própria”, lembra.

Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, e Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República chegam quase ao mesmo tempo que a urna. Agitaram-se bandeiras, bateram-se palmas e ouvia-se: “Obrigado Mário Soares. Viva a Liberdade!”.

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