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Offshores: Núncio diz que evitou “enorme apagão” com exclusão de 17 paraísos fiscais da lista negra

Ex-governante garante que alteração de política do Governo PSD/CDS evitou que 17 paraísos fiscais, incluindo o Panamá, fossem excluídos da lista negra como o previsto pelo Executivo de Sócrates . A revelação foi feita no Parlamento onde está a ser ouvido sobre das transferências ocultas para offshores.
  • Cristina Bernardo
17 Maio 2017, 20h10

O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, revelou hoje aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças, onde está ser ouvido sobre as transferências ocultas para offshores, que o Governo de José Sócrates planeou tirar da lista negra de offshores, 17 jurisdições, incluindo o Panamá. Uma exclusão, diz, que foi travada pelo Governo do PSD/CDS.

“Se 17 paraísos fiscais, incluindo o Panamá ,tivessem saído da lista negra de paraísos fiscais, aí sim tinha havido um apagão selectivo, um enorme apagão, e um problema sério”, revelou hoje o ex-SEAF na audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA) sobre a novos factos no âmbito das transferências, sem análise pelo Fisco, de 10 mil milhões de euros de transferências para paraísos fiscais que ficaram ocultas no sistema informático. Deste montante, 7,8 mil milhões de euros (80%) dizem respeito a apenas três declarações do BES.

Em resposta ao deputado do PSD, Duarte Pacheco quanto às “insinuações” das bancadas do PS e dos partidos de esquerda  relativas a falta de isenção nas decisões políticas e de estas estarem relacionadas com a sua vida profissional anterior à ida para o Governo, Paulo Núncio rejeitou-as e faz novas revelações.

“Se não tivesse havido uma alteração de política, 17 jurisdições fiscais, incluindo o Panamá, tinham deixado de constar da lista negra de offshores”, avançou, em alusão aos acordos para o efeito que foram colocados em marcha pelo último Governo de José Sócrates.  Núncio dá aqui conta que foram accionados “15 acordos de troca de informação com 15 paraísos fiscais com intenção de retirar da lista assim que entrassem em funcionamento e mais duas convenções contra dupla tributação”.

Segundo o ex-governante, estes acordos tinham o compromisso de “retirar automaticamente” da lista negra os paraísos fiscais assim que entrasse em vigor. “Foi por esta razão que mereceram da nossa parte uma cautela adicional”, explicou Núncio aos deputados, salientando que foram tomadas decisões como passar a “basear esses acordos  em elementos técnico-legais e não em decisões políticas”.

O ex-SEAF conclui que se aquelas 17 jurisdições tivessem saído da lista negra, a administração fiscal deixaria de poder aplicar as normas anti-abuso, tributações agravadas, e as transferências para essas jurisdições deixariam de ser fiscalizadas.

Sobre a decisão de não publicação de estatísticas das transferências para offshores, Paulo Núncio voltou a reiterar que “a publicação podia dar algum tipo de vantagem ao infractor”.

“Já expliquei que a sua publicação podia gerar um alerta para os potenciais infractores, os quais podiam ser tentados a fazer pagamentos de outra forma, porque a transferência bancária deixa rasto”, argumentou o ex-governante

 

Acordo secreto assinado a 8 de Julho de 2010

O Jornal Económico revelou, na edição de 12 de maio, a existência de um acordo político assinado, a 8 de julho de 2010, com o Governo do Panamá para excluir este território da lista negra de offshores. O compromisso foi assinado na cidade do Panamá por um técnico da AT, por instruções do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques,  cerca de um mês e meio antes da assinatura de uma convenção para evitar a dupla tributação (CDT) que entrou em vigor dois anos depois. Nas reuniões de preparação da CDT, o Executivo português assegurou a exclusão do

Panamá daquela lista negra na data de entrada em vigor da Convenção, o que ocorreu a 1 de Janeiro de 2012, já com o governo de Passos Coelho, não se tendo verificado o procedimento acordado, revelou ao Jornal Económico fonte conhecedora do processo.

Certo é que o compromisso de exclusão daquela jurisdição da lista negra foi assumido na acta das negociações que antecederam a assinatura da CDT entre Sérgio Vasques e o ministro das Relações Exteriores do Panamá, Juan Varela a 27 de agosto de 2010. No documento, a que o Jornal Económico teve acesso, datado de 8 de julho de 2010, é dito claramente: “O governo português irá dar os necessários passos para excluir da lista actual ou futura dos paraísos fiscais (…) foi indicado que a exclusão deveria ocorrer quando a Convenção entrasse em vigor”.

Tal exclusão acabou por não acontecer quando a CDT entre os dois países entrou em vigor a 10 de junho de 2012, por procedimento automático de entrada em vigor das Convenções que visam evitar a dupla tributação aplicam-se a rendimentos sujeitos a imposto em dois países diferentes, eliminando-se ou reduzindo-se esse efeito.

 

Panamá insistiu três vezes no pedido                                                                                                           

Este documento, assinado entre o representante do Ministério das Finanças português, e o vice ministro da Economia, Frank De Lima, foi aliás, posteriormente recordado pelas autoridades panamianas, em agosto de 2011, abril de 2012 (já depois da assinatura da CDT ) e 23 de outubro de 2013 (após a entrada em vigor da CDT), onde se invocava já a existência da CDT e se requeria a exclusão da lista negra portuguesa.

Segundo a mesma fonte, foi a alteração de política do Executivo PSD/CDS que “garantiu que o Panamá tivesse continuado a ser um paraíso fiscal, mesmo depois de ter assinado a Convenção com Portugal”. Em causa está, diz, “um mecanismo interno que evita que a decisão de retirar paraísos fiscais da lista seja meramente política, passando a estar baseada em critérios técnico-legais”.

O procedimento de retirada da lista deixou, pois, de ser viável, numa base de decisão política, a partir de 2014, quando foram introduzidos no OE/14 quatro critérios legais, nomeadamente uma prática de troca de informação multilateral. Em casa estão critérios que devem ser cumpridos pelos paraísos fiscais para a sua exclusão da lista negra, actualmente com 79 territórios (a última actualização em Dezembro de 2016 retirou  da lista Jersey, Ilha de Man e o Uruguai).

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