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Operação Fizz: Carta à CPLP defende julgamento em Angola por recusa de extradição

Luanda pressiona reconhecimento de convenções para que Manuel Vicente seja julgado em Angola. Em causa está norma de transmissão de processos, após recusa de extradição.
11 Fevereiro 2018, 18h05

O governo angolano quer confirmar junto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) se as convenções comuns como as que prevêem a transmissão de processos crime estão em vigor. Por isso, enviou nesta semana uma carta a todos os embaixadores da CPLP onde comunica o entendimento de Luanda sobre as normas jurídicas e lança o repto para “uma solidariedade interpretativa” das regras que todos assinaram, revelou ao Jornal Económico fonte próxima ao processo.

Segundo a mesma fonte, a iniciativa é vista como “uma pressão diplomática legítima” a poucas semanas do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidir sobre o recurso da defesa do ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, para ser julgado em Angola.

O Jornal Económico sabe que o executivo liderado por João Lourenço quer saber qual é o entendimento dos países da CPLP sobre a aplicação de convenções assinadas pelos países lusófonos, sem nunca referir o processo que envolve Manuel Vicente, mas numa clara alusão ao “Processo Fizz” que corre em Portugal. Em causa está a possibilidade de julgamento de um cidadão no Estado onde reside, ainda que os crimes tenham sido cometidos noutro país membro da CPLP, após a recusa da sua extradição.

O repto foi lançado numa carta de Angola a todos os embaixadores da CPLP, enviada pelo ministro das Relações Exteriores angolano, Manuel Domingos Augusto. Sobre esta carta, Vítor Ramalho, membro da Comissão Política do PS, afirma desconhecer, mas considera “natural que um país converse com outros Estados que pertencem à CPLP através dos embaixadores”. Este responsável defende que de “hoje para amanhã há questões que podem envolver cidadãos de outros Estados e Angola colocou a questão onde devia colocar”. Segundo este socialista, “os outros países da CPLP terão agora de responder e, pelo bom senso, dizer que as convenções estão em vigor”.

O Jornal Económico sabe que está em causa a Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia em 23 de novembro de 2005. Esta Convenção prevê que, em caso de recusa de extradição de um cidadão que reside noutro estado (como é o caso de Manuel Vicente), o país requerido (Angola) pode pedir o julgamento no seu país.

Vítor Ramalho defende aqui que “existe uma recusa tácita de extradição” depois de o Presidente da República de Angola ter sinalizado que o seu Governo não está a pedir a absolvição ou o arquivamento do caso, apenas a transferência para a Justiça angolana.

Recorde-se que, a 8 de janeiro, João Lourenço afirmou a pretensão de o caso do ex-vice-Presidente ser julgado em Luanda, ao abrigo dos acordos judiciários entre os dois países.”Lamentavelmente [Portugal] não satisfez o nosso pedido, alegando que não confia na Justiça angolana. Nós consideramos isso uma ofensa, não aceitamos esse tipo de tratamento e por essa razão mantemos a nossa posição”, enfatizou João Lourenço.

Esta transmissão de processo para Angola também foi pedida pela defesa de Manuel Vicente. Matéria que já foi objeto de despacho judicial com o juiz de julgamento a indeferir o requerimento dos advogados do ex-vice-presidente de Angola, levando a defesa a recorrer desta decisão junto do TRL. Este recurso está pendente na Relação, cuja decisão final só deverá ser conhecida em meados de março.

O antigo vice-presidente de Angola, que à data dos factos liderava a petrolífera angolana Sonangol, é acusado de ter corrompido o ex-procurador português Orlando Figueira, no processo “Operação Fizz” (gasosa, termo utilizado para corrupção em Angola), com o pagamento de 760 mil euros, para o arquivamento de dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.

O julgamento da “Operação Fizz”, que tem como arguidos o ex-vice-Presidente de Angola, o ex-procurador Orlando Figueira, o advogado Paulo Blanco e o empresário Armindo Pires começou a 22 de janeiro no tribunal da comarca de Lisboa. Mas a Justiça portuguesa não conseguiu notificar Manuel Vicente da acusação de corrupção activa e branqueamento de capitais e separou o seu processo. Orlando Figueira assegurou já, em Tribunal, que quem esteve no centro da teia descrita pela investigação não foi o ex-governante angolano, mas sim Carlos Silva e o seu advogado, Daniel Proença de Carvalho.

PGR ainda não recebeu pedido

O braço de ferro no “Processo Fizz,” na parte que envolve o ex-vice Presidente de Angola, eleva-se assim para outro patamar de tentativa de resolução, com intervenção diplomática do Estado angolano. Em simultâneo, a defesa de Manuel Vicente também acionou outros mecanismos através de um pedido formal ao PGR de Angola para ser julgado neste país.

Mas este pedido ainda não chegou à entidade liderada por Joana Marques Vidal. “Até ao momento, não chegou à Procuradoria-Geral da República qualquer pedido das autoridades angolanas nesse sentido”, avançou fonte oficial da PGR.

Em carta, datada de 19 de janeiro, dirigida ao Procurador angolano, Hélder Grós, a que o Jornal Económico teve acesso, Manuel Vicente pede expressamente para ser julgado no seu país, recordando que tal já foi solicitado à Justiça portuguesa pela sua defesa.

Este pedido é sustentado com base na legislação portuguesa e angolana, em diplomas referentes à lei de cooperação estratégica internacional penal. Manuel Vicente reclama ainda “o teor da resposta” da PGR angolana à carta rogatória, enviada pelo MP português, pedindo a sua constituição como arguido e a notificação da acusação.

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