O Brexit e o chumbo recente das condições para este ocorrer dentro de dez semanas significa uma clara derrota para a Europa. O Reino Unido (RU) não é propriamente mais um membro da União Europeia, não é um mero número que se reduz de 28 para 27. É tão-só a segunda maior potência europeia e aquela que, importa não esquecer, derrotou os alemães há mais de 70 anos e permitiu revitalizar a democracia na “velha” Europa. Aliás, a nossa democracia deve-se em muito aos ingleses, assim como os poucos períodos em que descobrimos que tínhamos uma indústria com algum peso no mundo.

Esta Europa é um erro, bem dizia Jean Monnet, o arquiteto desta União, que terá de “lamber as feridas” e recuperar. O acordo que a PM May tinha conseguido em meros dois meses de trabalho era um mau acordo, está visto, enquanto o nosso PM António Costa dizia que o acordo era muito bom. Os britânicos têm esse horrível defeito de serem democráticos e as consequências daquilo que eles consideram mau está à vista.

A deriva que se instalou durante estes dias – e que levará May a preparar-se para apresentar um plano B numa altura em que as empresas que se relacionam com o Reino Unido também pedem um plano B – é o reflexo de uma “ferida profunda”. Os britânicos estiveram divididos no referendo, hoje continuam divididos e não vale a pena atirar culpas a May ou a Barnier, o negociador do lado continental.

Vale a pena assumir que estamos perante dias tristes para a Europa ocidental, estamos perante um recuo. Os cidadãos mais otimistas aceitam, contudo, que um dia o Reino Unido irá regressar, assim como a Rússia. Ambos poderão regressar em simultâneo a esta Europa que não chega a federação. Esta Europa terá de aguentar, não precisa de se refundar, precisa apenas de dar motivos aos britânicos para votarem.

Para já o mal está feito. O Reino Unido é um dos fundadores da NATO e o criador funcional da EFTA, a organização que antecedeu em um quarto de século a Comunidade Europeia. Aliás, há europeístas desde 1986, mas muitos anos antes já existia a EFTA e Portugal estava lá.

O Brexit, o eventual adiamento da saída ou a saída desordenada são os fatores políticos mais importantes dos últimos anos em todo o mundo. Curiosamente, são raros os analistas que defendem a Grã-Bretanha, apesar de ter sido o país que melhor cumpriu os tratados europeus – basta ver a adaptação das diretivas de Bruxelas. Os ingleses não precisam de lições de democracia para promover o regresso à União, aliás são alérgicos a esse tipo de iniciativas.

Para Portugal e Irlanda, países com ligações funcionais ao Reino Unido, a conclusão é que a Europa atlântica sofreu uma grande derrota. Teremos de saber jogar para obter vantagens. Uma eventual parceria EUA-RU pode ser vantajosa para nós. Para a Europa dos 27 vai ser o “bico-de-obra” competir com uma sociedade que se vai assemelhar a uma grande Gibraltar porque precisa de ter rendimentos e empresas. E tudo depois do trabalho que foi trazer a Suíça para o mercado da transparência.