Antes de mais, um disclaimer. Não sou defensor da presença do Estado na economia, para além daquilo que devem ser as suas funções essenciais. Defendo um Estado forte e regulador, que intervenha quando necessário para garantir direitos fundamentais dos cidadãos e a sã concorrência nos diferentes mercados. Um Estado que, por regra, procure não levantar entraves à iniciativa privada, ao contrário do que frequentemente sucede em Portugal.

Uma das formas de o Estado abrir caminho à iniciativa privada é através da venda de empresas públicas onde a sua presença não é necessária. A privatização dessas empresas ajuda a tornar mais concorrenciais os respetivos mercados, em benefício dos consumidores e da economia. Em Portugal, vimos isso acontecer em áreas como as telecomunicações e a energia, não obstante o peso que os antigos incumbentes – PT e EDP – ainda têm nesses mercados e de persistirem temas espinhosos como o das famosas rendas energéticas.

Mas qual será a vantagem de privatizar empresas que prestam serviços públicos essenciais em regime de monopólio e que, por alguma razão, os privados não querem ou não conseguem assegurar por sua conta e risco a 100%? Que vantagens se retiram, a médio e longo prazo, da privatização de empresas que prestam serviços públicos em áreas onde não existe nem existirá concorrência e onde o apoio do Estado continua a ser necessário?

Será este o caso do serviço universal de correios que, após 500 anos nas mãos do Estado, foi entregue a privados em 2014. Os CTT privados mantêm a concessão do serviço postal universal e não recebem uma compensação financeira do Estado por desempenharem essa missão, segundo disse recentemente o CEO Francisco de Lacerda. Mas a qualidade do serviço está a ser posta em causa pelos partidos políticos, pelos sindicatos e pela própria Anacom, que detetou uma falha num dos 11 indicadores de qualidade que o serviço postal universal deve cumprir. Independentemente de quem tem razão, face ao que tem sido noticiado, dificilmente alguém poderá afirmar que a qualidade é hoje superior à dos tempos em que os correios eram públicos.

Argumentar, como fazem alguns, que o Estado fez um bom negócio ao desfazer-se dos CTT numa altura em que as pessoas enviavam mais cartas do que atualmente, é ter uma visão desligada do que é a realidade do país e sem ter em conta os problemas que Portugal enfrentará nas próximas décadas. Pois quando os CTT encerram um balcão numa qualquer vila do interior, estão a cravar mais um prego no caixão dos “Portugais esquecidos” de que falava há dias o Presidente da República. Está na hora de os políticos serem coerentes e de encontrarem uma solução que permita assegurar a qualidade do serviço postal universal, sem deixar de honrar os compromissos assumidos com os acionistas dos CTT.