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José Ribeiro e Castro: “Os outros 229 candidatos de cada partido são como papagaios de pirata”

Um duplo voto que prevê 105 círculos uninominais é uma das propostas do ex-presidente do CDS-PP. Garante que o novo sistema revolucionaria a política nacional sem pôr em causa a proporcionalidade.
17 Março 2019, 08h00

Alterar o sistema eleitoral é o novo combate de José Ribeiro e Castro. O ex-líder do CDS-PP, que preside à Associação por uma Democracia de Qualidade, quer convencer os partidos a introduzirem o voto duplo, com círculos uninominais e listas em círculos com um mínimo de oito mandatos, para contrariar o divórcio entre a Assembleia da República e os eleitores.

A quem convém que o Artigo 149.º seja o segredo mais bem guardado da Constituição da República Portuguesa?

A quem não quer mexer no sistema. Surpreende que uma norma que abre as portas a uma mudança profunda de cultura política, numa transição suave para o sistema personalizado, seja tão pouco conhecida. As pessoas não sabem que a Constituição já prevê círculos uninominais há 22 anos.

Como explica que nada tenha sido feito nesse sentido?

O sistema que propomos mostra que é possível, fácil e justo mudar. Mas obviamente que vai prejudicar grupos que se apoderaram dos partidos e que manobram por detrás da cortina.

Ao longo dos últimos meses os partidos perguntam-lhe para que está a tentar consertar algo que não está partido?

Procuram recorrer a mezinhas: o voto obrigatório, o voto eletrónico ou a redução do número de deputados por círculo. São alterações técnicas que não mudam a essência. Noto incómodo por termos tirado esta solução do congelador.

Os partido dizem-vos que acertaram no diagnóstico, mas não na terapêutica?

Levantam uma série de suspeitas, acusações e preconceitos contra os círculos uninominais. Dizem que vem aí os deputados limianos, que vem aí o Tiririca, e que se distorce a proporcionalidade, como no sistema inglês e no sistema francês.

No inglês distorce-se muito…

Mas os círculos uninominais da nossa proposta não têm nada a ver com esses. Costumo invocar em minha defesa a frase de Vasco Santana no filme “A Canção de Lisboa”. Círculos uninominais há muitos. Aqui, são uma componente de um sistema que se mantém proporcional. Só que o eleitor pode escolher um deputado que entra na quota proporcional que cada partido conquistou.

Admite que o sistema de duplo voto pode parecer complexo. Não é mesmo complexo?

A explicação de como os votos são contados, e é feito o apuramento dos resultados e a conversão em mandatos parece um pouco complexa, mas só na aparência. Se fosse explicar a conversão atual, pelo método de Hondt, as pessoas tinham uma congestão cerebral. O que interessa ao eleitor é que vota num partido e também num deputado. No final do dia tem um Parlamento rigorosamente proporcional, como hoje, mas com metade dos deputados escolhidos pelos eleitores, pelo que têm uma relação de proximidade. Esses deputados terão voz própria e os grupos parlamentares funcionam mais em representação do eleitorado e não dos chefes.

Como descreveria as mudanças em poucas palavras?

Os círculos são divididos em dois contingentes: metade uninominais e metade plurinominais. Se Lisboa tiver 42 deputados, haverá listas partidárias com 21 deputados e 21 círculos uninominais. As pessoas votam no deputado e votam no partido. O voto partidário é proporcional e é esse que determina, como hoje, a composição do Parlamento e a quota percentual de cada partido tem num território – neste caso o círculo de Lisboa – e no círculo nacional. Depois, o voto uninominal serve para apurar o mais votado em cada círculo, que entra na Assembleia dentro da quota do respetivo partido. Se um partido tem 10%, vai ter quatro deputados em 42, mas é provável que não ganhe nenhum uninominal. Se outro partido tiver 40% e eleger 17 deputados, é provável que tenha vencido em muitos círculos uninominais – digamos que em 16 –, então elege esses, mais um da lista proporcional. O sistema é proporcional, pois os partidos elegem deputados correspondentes à quota percentual.

Basta um círculo nacional de 15 deputados para assegurar a proporcionalidade?

Até talvez menos. Há que resolver dois problemas: a proporcionalidade e os deputados supranumerários, que seriam mais votados num círculo uninominal sem que o partido tivesse quota para assegurar a sua eleição.

Prevê-se um máximo de oito supranumerários. E se houver mais a vencerem círculos uninominais sem os partidos terem votos suficientes no círculo plurinominal?

Há hipótese de haver mais, mas depois não sobraria para acertar a proporcionalidade. O Bundestag alemão deve ter 598 deputados (299 em círculos uninominais e 299 plurinominais), mas ficou com 709 em 2017 devido aos supranumerários. Em Portugal não haveria quem aceitasse que a Assembleia da República aumentasse a sua composição em mais 20%.

Imagina o trabalho que daria aos estrategas partidários perverter esse sistema?

Creio que não seria nada fácil. Mas este é um sistema justo se pensarem no bem do país e do partido. Hoje em dia, uma campanha eleitoral é o líder às voltas pelo país com câmaras de televisão atrás. Os outros 229 candidatos de cada partido, quando aparecem, são como papagaios de pirata atrás do líder.

Se a lei for aprovada só terá efeito em 2023 ou 2027.  Não lhe parece demasiado tarde?

Parece-me tarde. Seria fácil para os partidos – tudo é fácil quando se quer – aprovarem esta lei e aplicá-la já em 6 de Outubro de 2019. O que é complicado é as pessoas mudarem a posição em que estão. Estamos empenhados numa tarefa de cidadania em que acreditamos profundamente. Procuramos fazer uma pedagogia honesta, simples e convicta junto de todos os partidos para que adiram e deem este brinde aos eleitores.

Tem algum indicador palpável de que os partidos estejam dispostos a concedê-lo?

Sinto alguns sinais de que temos avanços. Isto esteve congelado durante muitos anos e temos que tirá-lo da hibernação. Houve um grande castelo de argumentação primária e desinformada contra os círculos uninominais. Compreenderia isso se tivessemos apresentado um sistema maioritário. Mas não é nada disso: é um sistema que resiste a todas essas críticas, e todos os partidos portugueses têm partidos irmãos na Alemanha que lhes podem dar essa garantia. Até agora, o PS é o partido que está mais convencido deste sistema, mas também nos agrada que novos partidos puxem nesse sentido. São teoricamente pequenos partidos, mas não têm medo.

Poderiam limitar-se a ambicionar a eleição do 47.º deputado pelo círculo de Lisboa…

Exatamente. Mas percebem que esse sistema é uma oportunidade para afirmarem mais rostos, para se tornarem mais visíveis jutno da opinião pública, e para crescerem em todo o país. Imagino que essa compreensão ajudará, pouco a pouco, a terminar com essas resistências. Mesmo o PCP, em que encontramos muitas resistências – admito que isso tenha a ver com a cultura de Comité Central, avesso a afirmações individuais -, talvez fosse entre os partidos médios e pequenos aqueles que elegesse mais facilmente deputados uninominais.

Artigo publicado na edição nº1978 de 1 de março do Jornal Económico

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