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Pandemia força sociedades de advogados a carregar na tecla da inovação

Escritórios de advogados já estavam tecnologicamente preparados para o teletrabalho, mas a flexibilidade laboral e atividade online ganharam peso.
5 Setembro 2020, 09h30

Nunca o conceito de inovação nas sociedades de advogados se tinha alterado tanto como nos últimos meses. Sem desfazer o laço que a agarra à tecnologia, a transformação verifica-se agora na gestão dos recursos humanos, procurando que se mantenham os encontros digitais (sociais e culturais) nascidos na quarentena, revendo de vez as políticas de teletrabalho e testando-se exercícios de team building no exterior para não se perder o “sentimento de grupo”, segundo os líderes ouvidos pelo Jornal Económico (JE).

Quem analisa à lupa a inovação nas sociedades, desde 2006, é o jornal britânico “Financial Times” (FT) e a agência RSG Consulting, que este ano irão publicar a 15ª edição do seu ranking anual que examina fatores como a liderança, o futuro do trabalho, a relação cliente-advogado e a responsabilidade social nos escritórios a nível global. É também, e acima de tudo, um escrutínio aos profissionais. “Apesar do impacto da tecnologia nos últimos 15 anos, a profissão jurídica é, em sua essência, um negócio de pessoas”, refere o FT.

A Vieira de Almeida (VdA) é a única portuguesa entre as 50 sociedades de advogados mais inovadoras da Europa, tendo ficado na 43ª posição em 2019. Segue-se uma presença mais composta por parte do país vizinho: Cuatrecasas (6º lugar), Écija (16º), Garrigues (20º), Gómez-Acebo & Pombo (28º), DWF-RCD – Rousaud Costas Duran (28º) e Uría-Menéndez (31º). Os jurados estão a receber candidaturas de sociedades desde fevereiro e a competição tem tudo para ser acirrada este ano, uma vez que a inovação e digitalização entraram de rompante nas sociedades – mesmo que já lá estivessem, numa ótica de automação. Mas agora, mais do que automação, o confinamento testou a capacidade de segurança dos sistemas informáticos, poucos meses depois da polémica em torno das fugas de informação nestas empresas.

Carlos Coelho, diretor internacional da Morais Leitão (ML), adianta ao JE que, ainda antes da pandemia, houve um “forte” investimento numa plataforma tecnológica que permitisse ter toda a estrutura da firma a trabalhar em casa com segurança, contudo a quarentena levou as ferramentas que já existiam e eram utilizadas a serem “testadas ao limite”. “Inevitavelmente, a pandemia funcionou como um gigantesco empurrão para a digitalização e desmaterialização. No nosso caso, a adaptação foi rápida e bem-sucedida porque já tínhamos a infraestrutura completamente preparada. Faltava a mudança de mindset com a transição do escritório para casa, com a substituição mais frequente do encontro físico pelo encontro virtual”, explica. À semelhança da concorrência, a ML já tinha um regime de flexibilidade laboral que permitia a alguns (“poucos”) colaboradores ter uma combinação de trabalho presencial e remoto, porém “a desconfiança ainda era grande” e aí o confinamento originado pelo novo coronavírus “ajudou a desmistificar determinados preconceitos”.

A sociedade de advogados CTSU, membro da rede legal da Deloitte, considera que o contexto da Covid-19 não só testou a capacidade e a eficiência dos sistemas técnicos para garantir que o trabalho continua a ser executado por todos no mesmo período de tempo – “algo que nunca tinha ocorrido”, confessam as sócias Sofia Carvalhosa e Joana Mota Agostinho – como a segurança dos arquivos e a confidencialidade da informação. Ao JE, as juristas adiantam que também permitiu incentivar a criatividade dos colaboradores “na identificação e desenvolvimento de novas formas de prestar serviços jurídicos e dar resposta às novas necessidades e às dificuldades que a pandemia causou nos negócios e nas vidas dos clientes”.

O managing partner da CCA acredita que a inovação não é um processo com princípio, meio e fim, mas sim trabalho corrente que acabe por mudar mentalidades e, subsequentemente, leve ao investimento em tecnologia – ou seja, só depois dessa alteração na forma de pensamento. “É experimentar sem medo de falhar, é persistir na tentativa erro, na esperança que em algum momento a mudança ocorra. É promover internamente o sentimento de risco e arrojo, sem colocar em causa o que de mais sagrado temos, os interesses dos nossos clientes. Manifesta-se na forma como o nosso trabalho é percecionado por terceiros, na forma como orçamentamos e faturamos o nosso trabalho, ou nas soluções que apresentamos. É ter a capacidade de antecipar o mercado e as necessidades dos clientes e ajustarmo-nos internamente a essa visão”, refere Domingos Cruz ao JE.

E, como tem vindo a ser apregoado pelas sociedades, essa capacidade também tem de ser intrínseca aos talentos que se juntam à equipa ou fomentada naqueles que já são da ‘casa’. À parte isso, há a necessidade constante de recrutamento de recursos técnicos especializados em marketing, informática, programação, análise de dados – reforços que só as grandes têm capacidade de suportar, pois envolvem o investimento de milhares de euros. “A revolução tecnológica irá fazer com que as sociedades se tornem mais humanas, modernas, transparentes e mais próximas dos clientes e colaboradores. O foco será não só no investimento tecnológico, mas também no investimento no advogado “multidimensional” e no talento não-jurídico”, garante o managing partner da CCA.

 

História da advocacia tem de passar à História
Para a Cuatrecasas, a inovação é uma característica associada a mentalidade e atitudes que têm de ser cultivadas em toda a equipa (advogados, conselho de administração e funções de suporte), para se desenvolver projetos e estimular-se o empreendedorismo. Porém, há um travão histórico que precisa de ser ultrapassado. “A advocacia, historicamente, sempre foi um setor muito tradicional e pouco atreito à mudança, mas é para nós uma evidência que, hoje, para uma sociedade ser competitiva e líder de mercado num mundo em rápida e constante evolução, e uma economia cada vez mais digital e global, essa cultura histórica tem forçosamente que dar lugar a uma cultura de inovação”, afirma Maria João Ricou, managing partner em Portugal.

A sociedade ibérica, que neste momento está a organizar a quinta edição de um programa de aceleração de startups de legaltech, fintech e tecnologia blockchain, tem uma equipa de TI composta por cerca de 70 pessoas e recorre a ferramentas informáticas de pesquisa e partilha de informação, como a biblioteca digital, o KM Finder, o Knowledge Space (Intranet) ou o CAKE (Cuatrecasas Automated Knowledge Experience), que dão acesso a dezenas de bases de dados e permitem a subscrição de alertas de atualização jurídica por área de interesse. Maria João Ricou dá ainda o exemplo do seu modelo de feedback contínuo distinguido pelo FT: “Através de uma plataforma digital, deteta as interações havidas na equipa de cada projeto e desencadeia questionários de peer-review ao mesmo tempo que vai dando a cada profissional um panorama atualizado do seu desempenho por referência ao desempenho médio dos seus pares, com uma classificação relativa a competências e atributos esperados”.

Na Miranda & Associados o contexto de inovação está inteiramente ligado à utilização de tecnologias de vanguarda, apesar de o escritório também saber que, por natureza, a maioria dos profissionais da advocacia é avessa a tal. “Por isso, só dando alguma autoridade de gestão a profissionais da área é que se consegue forçar a adaptação”, declara a sócia Catarina Távora, responsável pela área de Inovação na firma. “Os advogados podem ser capazes de perceber o que os clientes pretendem e que deveres devem cumprir, mas só quem tem conhecimentos e experiência suficientes para conhecer os produtos tecnológicos disponíveis no mercado consegue orientar e ajudar os advogados na adoção e aproveitamento de novas tecnologias”, diz.

Na Ordem dos Advogados o tema não está na gaveta e, recentemente, a entidade liderada por Luís Menezes Leitão apelou aos advogados – tanto os que exerçam em prática individual, como em empresa ou pelas sociedades – que participem num inquérito da Comissão Europeia sobre a automatização digital nos serviços profissionais, entre os quais se encontram os jurídicos. Bruxelas quer fazer o ponto de situação à “adoção de tecnologias digitais” em Portugal e mais onze Estados-membros da União Europeia (Alemanha, Bélgica, Croácia, Espanha, França, Irlanda, Itália, Países Baixos, Polónia, Roménia e Suécia).

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