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Para onde vai a dívida pública?

O caminho seguido preocupa, à primeira vista. Mas o que vai contar é como vamos chegar ao final do ano, melhor que a expectativa.
  • José Manuel Ribeiro/Reuters
13 Setembro 2017, 07h35

Para onde vai a dívida pública? Ninguém sabe muito bem, mas os números de julho, divulgados no final da semana passada pelo Banco de Portugal, sugerem que o destino não é agradável. De acordo com a previsão mais recente do Governo (Programa de Estabilidade 2017-2022, apresentado em abril), a dívida pública devia estabilizar este ano em termos nominais, interrompendo a tendência de crescimento que se verifica desde 2007. Mas os meses passam e as notícias não mudam: apesar do crescimento económico e da descida do défice, a bomba relógio continua a fazer tic-tac.

Senão vejamos: segundo o Programa de Estabilidade, a dívida pública devia chegar a dezembro de 2017 com um valor de 242,9 mil milhões de euros – qualquer coisa como 127,9% do PIB (Produto Interno Bruto) do ano correspondente. Mas, segundo o Banco de Portugal, a dívida tem evoluído em sentido contrário: se no final de 2016 pesava 241 mil milhões, desde então a tendência foi sempre de subida, até estacionar nos 249,2 mil milhões de euros em julho. A imagem ao lado põe estes números em perspectiva, evidenciando o que pode ter passado despercebido no meio de tantos milhões: que em julho a dívida pública já estava bem acima do valor que era suposto atingir no final do ano.

Será que o menor défice da democracia tem de conviver com a maior dívida de sempre?
Para tentar perceber melhor o problema, cruzei duas fontes de informação: o Boletim Estatístico do Banco de Portugal, que nos diz em que ponto está a dívida hoje em dia, e os boletins mensais da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, que fornecem informação detalhada acerca das emissões de dívida planeadas para o futuro e um calendário fiável das amortizações que aí vêm. O propósito é perceber em que medida os dados de julho sinalizam um risco de derrapagem da dívida – semelhante à que já aconteceu em 2016. Quando a informação não chegava, utilizei as excelentes análises mensais da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que funciona em apoio à Assembleia da República).

Segundo o IGCP, há pelo menos uma boa razão para que a dívida pública tenha aumentado tanto no primeiro semestre. É que aproximam-se a passos largos enormes amortizações de dívida, que se concentram entre setembro e novembro e que no seu conjunto ascendem a uns exorbitantes 12 mil milhões de euros. Estamos a falar de 3,7 mil milhões de Bilhetes do Tesouro que vencem em setembro, mais 2 mil milhões que vencem em novembro, aos quais se somam ainda 6 mil milhões de Obrigações do Tesouro que é preciso pagar em outubro. Não são somas triviais, e é natural que o Estado tenha optado por emitir dívida nos primeiros sete meses, evitando a concentração de emissões ‘em cima do acontecimento’.

O IGCP também pretende amortizar antecipadamente mais uma parte do empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI), que por vir associado a uma taxa de juro relativamente elevada constitui um peso morto sobre as costas do Estado. O financiamento do Fundo tem uma maturidade residual de quatro anos, mas tem uma taxa implícita de 4,3%, mais do dobro do custo a que Portugal consegue financiar-se na mesma maturidade. Dado o diferencial, o Estado tem tentado acelerar a amortização deste empréstimo, e até ao final do ano prevê-se que possam ser pagos mais 2,6 mil milhões de euros. Tudo somado, é provável que até Dezembro a dívida pública encolha em quase 15 mil milhões de euros, apenas pelo efeito combinado das amortizações que se aproximam e do objetivo de reduzir a exposição ao FMI.

Claro que, no entretanto, haverá novas emissões de dívida, que agem em sentido contrário. O IGCP já anunciou as suas linhas orientadoras para o terceiro trimestre, que passam pelas emissões de Bilhetes e Obrigações do Tesouro a rondar os 4 mil milhões de euros, parte das quais já foi concluída. Não havendo informação fina sobre o quarto trimestre, assumiu-se nestas contas que os últimos três meses do ano seriam marcados por uma emissão de dívida semelhante à do período julho-setembro (sim, é uma hipótese grosseira, mas mais razoável do que assumir que não haverá mais emissões de outubro em diante).
Este fluxo de entrada e saída de dívida aparece esquematizado na figura do lado. O cálculo final é fácil de fazer. Tendo em conta o nível da dívida pública de julho, associado às novas emissões previstas para o final do ano, e o calendário (explícito ou implícito) de amortizações, parece provável que a dívida pública chegue a dezembro ligeiramente abaixo do valor nominal esperado no Programa de Estabilidade. Como o PIB será mais alto (o crescimento tem surpreendido), o rácio dívida/PIB pode ficar algures nos 126%, cerca de 1,7 pontos percentuais abaixo do que está inscrito no documento

Este valor é meramente indicativo, e não constituiu qualquer “previsão” no sentido convencional do termo – de facto, pequenas mudanças no calendário de emissões seriam suficientes para atirar a dívida para a casa dos 127% ou até 128% do PIB. O propósito é apenas mostrar como o perfil de evolução da dívida ao longo do primeiro semestre não é um bom barómetro do que se deve esperar para o resto do ano – e como, de facto, é mesmo possível que a dívida em percentagem do PIB acabe por cair este ano.

Uma nota final para quem se interessa mais pelas implicações políticas da conclusão do que pela sua justificação técnica. Pelo menos uma parte do sucesso da solução governativa atual reside nas baixas expectativas com que o Executivo foi recebido. De facto, o défice de 2016 não ficou longe da meta, nem o PIB de 2017 estará muito acima do que se esperava (sim, a taxa de crescimento é bastante alta, mas a taxa de 2016 foi muito baixa). Mas o cumprimento dos objectivos, num cenário em que se contava com um colapso a curto prazo, acaba inevitavelmente por ser apreciado de forma diferente. Se estes cálculos estiverem correctos, é bem possível que o mesmo efeito se repita de novo: um efeito de anseio antecipado suscitado pela subida da dívida, que dá lugar a uma “boa surpresa” no final do ano, quando se verificar que os números acabaram por bater certo.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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