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Pedro Neves não vê “nexo causal” entre financiamento da CGD aos acionistas do BCP e ida de dois administradores para o banco privado

“O Banco de Portugal teve sempre uma posição de independência em relação às partes envolvidas na guerra do BCP”, disse Pedro Duarte Neves. “Mas a CGD estava a financiar um dos lados [do conflito]?”, confrontou um deputado. A isto Pedro Neves respondeu: “o crédito veio da CGD, mas podia ter vindo de outro banco”. O ex-vice-Governador disse que não houve violação da norma de concentração de risco a uma única entidade.
  • Cristina Bernardo
18 Junho 2019, 19h28

Pedro Duarte Neves está pela segunda vez a responder aos deputados no âmbito da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e à gestão do banco público.

O ex-vice-governador do Banco de Portugal (BdP) Pedro Neves, “não vê nexo causal” entre o financiamento da CGD aos acionistas do BCP e a ida de dois administradores para o banco privado. “Não vejo nexo causal entre as duas coisas”, disse, lembrando que a administração do BCP eleita em janeiro de 2008, “veio trazer estabilidade à gestão do banco”. “Quem escolheu a administração do BCP foram os acionistas do banco”, realçou.

O então vice-governador do BdP respondia aos deputados que o questionaram sobre o facto de a CGD ter financiado acionistas do BCP, durante a guerra acionista de 2007, e depois o presidente da CGD Carlos Santos Ferreira e os administradores Armando Vara e Vítor Fernandes terem ido para a administração do BCP, no culminar da guerra de poder.

“O Banco de Portugal teve sempre uma posição de independência em relação às partes envolvidas na guerra do BCP”, disse Pedro Duarte Neves. “Mas a CGD estava a financiar um dos lados [do conflito]?”, confrontou um deputado. Pedro Neves disse: “O crédito veio da CGD, mas podia ter vindo de outro banco”.

Desta forma, alinha no argumento de Vítor Constâncio, então governador do banco central português, que garantiu hoje no parlamento que o supervisor não exerceu qualquer “interferência” nas lutas pelo poder no BCP em 2007.

Mais tarde a deputada do PS, Constança Urbano de Sousa, lembrou o vice-governador que num curto espaço de tempo, vários acionistas do BCP (Metalgest, que pediu 50 milhões à CGD; Fundação Berardo, que pediu 350 milhões; a Investifino, que pediu 180 milhões; e Goes Ferreira) foram consecutivamente pedir para reforçar a participação no BCP e tudo com empréstimo da CGD. A deputada questionou se o Banco de Portugal não questionou a “gestão sã e prudente” da CGD?

Constança Urbano de Sousa disse que nessa altura a CGD estava a desinvestir na participação que tinha no BCP, vendendo as ações, mas estava a dar crédito colaterizado por ações do BCP, “não viu que a CGD estava a reforçar, por via indirecta, no capital do BCP?”

O ex-membro da gestão do BdP justificou sempre que o que estava em causa era a aquisição de uma participação qualificada no BCP, não estava em causa a análise de risco de crédito da CGD. “A concessão desses empréstimos são atos de gestão da CGD”, disse.

Pedro Neves rejeitou liminarmente que os empréstimos da CGD para a compra de ações do BCP implicassem um risco sistémico. “Não houve nenhuma norma legal de concentração de risco que tenha sido violada”, garantiu.

Pedro Duarte Neves corrigiu o deputado do PCP, Paulo Sá, em relação à carta de 19 de junho de 2007, dirigida por Berardo à administração do Banco de Portugal, pedindo para passar de 5% para até 10% do BCP, ao citar um ponto 13 na página 4 dessa carta, onde é referido que esse pedido é acompanhado com a justificação de que o reforço da posição no BCP ia ser feita com capitais próprios e com uma linha de crédito aberta junto da Caixa. Não tendo havido contactos pessoais entre Berardo e a administração do Banco de Portugal entre a carta de Berardo e a resposta do Banco de Portugal que chegou a 18 de julho de 2007 (nesta resposta o BdP pede a Berardo que envie cópia do contrato da CGD).

Berardo pediu um empréstimo de 350 milhões à CGD, para poder reforçar para 9,99% do BCP. Esse empréstimo foi concedido e Berardo em maio de 2007. Berardo começou por usar, dessa linha, 38 milhões para acorrer ao aumento de capital do BCP.

Vítor Constâncio tinha dito que o Banco de Portugal só soube desse empréstimo em junho, depois de contratado em maio, e escudou-se na lei.  Pedro Duarte Neves reforça que o artigo 118º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras [Gestão sã e prudente] “não pode ser aplicado a um empréstimo que já foi concedido”. O Banco de Portugal tem de assegurar a adequação dos rácios de capital em função do risco, explicou.

Recorde-se que Faria de Oliveira, ex-presidente da CGD, chegou a dizer, na sua inquirição, que se o Banco de Portugal não tivesse autorizado Berardo a reforçar para 9,99% no BCP, provavelmente aquele ter-se-ia desinteressado pela linha de crédito de 350 milhões de euros. Pedro Neves responde que o instrumento do Banco de Portugal seria inibir os votos da participação, caso o reforço de posição fosse concretizada sem autorização do supervisor.

Pedro Duarte Neves relatou ainda as duas denúncias, feitas por Berardo, sobre as offshores que tinham crédito do banco para ações do BCP e não tinham beneficial owner. “Foram remetidas no dia 28 de novembro e no dia 11 dezembro de 2007, e em regra apareciam na comunicação social poucas horas”, disse o antigo vice-governador que rejeitou que tenha convidado Berardo a aprimorar a denúncia.

Pedro Duarte Neves disse que a primeira denúncia era grave mas estava incompleta e que a segunda denúncia (mais completa) levou a investigação e à conclusão por infrações graves no BCP (em factos do banco que remontavam à primeira metade da década) e levou ao desenlace de dezembro de 2007 (queda da administração de Filipe Pinhal e escolha de nova administração do BCP, liderada por Santos Ferreira).

O inquirido explicou as duas reuniões em separado com Filipe Pinhal e com Christopher de Beck. “Foi comunicado que havia indícios graves, havia um risco muito grande  que viesse a acontecer o que acabou por acontecer, o BdP concluiu por um processo de contra-ordenação que afetou gravemente alguns dos anteriores administradores”, disse, em nome da defesa da estabilidade da instituição financeira.

O ex-vice-Governador foi ainda confrontado com uma carta de Fernando Faria de Oliveira (que sucedeu a Carlos Santos Ferreira na liderança da CGD), de 9 janeiro de 2009, a Fernando Teixeira dos Santos, então Ministro das Finanças, a manifestar preocupações com a elevada exposição da CGD ao BCP. Mas Pedro Neves não se lembra de ter passado os olhos por essa carta.

Pedro Neves foi confrontado com a operação de empréstimo de 350 milhões da CGD a Berardo para comprar ações do BCP, colaterizadas por ações do BCP e com um rácio de cobertura das garantias de apenas 105%. “Cabe esta operação no conceito de gestão sã e prudente?”, questionaram os deputados.

O inquirido disse que o Conselho de Administração deve fundamentar as suas decisões de crédito, quando questionado se seria normal a administração decidir favoravelmente um crédito apesar do parecer desfavorável da gestão de risco.

Recorde-se que tal como o ex-diretor de grande empresas da CGD revelou ontem, o Conselho Alargado de Crédito da CGD aprovou a operação de crédito 350 milhões à Fundação Berardo sem aval, sem denúncia anual, com um rácio de cobertura de 105% mas com uma nova condição de um rácio de autonomia financeira mínima de 20%. Essas condições foram impostas pelo cliente Fundação Berardo e foi solicitado um novo Parecer à DGR para estas novas condições. “Sinteticamente, a direção de risco manteve as condições do rácio de 120% e da denúncia anual mas, quanto ao aval, considerou-o aconselhável mas, tendo em conta as contas da FJB, poder ser substituído por um rácio de autonomia financeira mínima de 25%”, contou Cabral dos Santos na CPI.

Mas o crédito ou era dado nas condições de Berardo ou não era dado. A CGD fez então uma proposta a adequar as condições às exigências do cliente (Fundação José Berardo).

“Esta proposta foi apresentada à FJB no dia 5 de abril de 2007, ainda com um spread de 0,8%, tendo a FJB contraposto um spread de 0,7%”. Em Conselho Alargado de Crédito de 19 de abril de 2007, a operação regressa para reduzir o spread aprovado de 0,8% para 0,7%, o que foi aprovado. A operação foi contratada em 28 de maio de 2007.

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