[weglot_switcher]

Península Ibérica terá até cinco milhões de veículos elétricos em 2030

A conferência “Building the Future”, da Microsoft, debateu em Lisboa o futuro da mobilidade elétrica, assumindo que durante os próximos dez anos os automóveis vão passar a ser “software com rodas”. O desenvolvimento das comunicações móveis 5G deverá criar um novo ecossistema de serviços que viabilizará a condução autónoma
28 Janeiro 2020, 17h16

A década até 2030 vai consolidar a mobilidade elétrica, prevendo-se que dentro de 10 anos haja entre dois milhões e cinco milhões de veículos elétricos a circular na Península Ibérica, criando um ecossistema em que os automóveis passam a ser “software com rodas” e onde as comunicações em 5G vão viabilizar um conjunto de novos serviços que serão acessíveis via automóvel, numa realidade em que a condução autónoma fará parte do quotidiano. Esta visão foi hoje apresentada em Lisboa, no Pavilhão Carlos Lopes, durante a conferência “Building The Future”, promovida pela Microsoft, no painel “Shaping The Future of Mobility”.

Contando com a participação do Chief Technology Officer da Altran Portugal, Rodrigo Maia, bem como de Nuno Nunes, da Altice, de Miguel Gaspar, da Câmara Municipal de Lisboa, de Vera Pinto Pereira, da EDP, e de Ângelo Ramalho, da Efacec, moderados por Abel Aguiar da Microsoft, as visões de futuro da mobilidade passam por um futuro próximo onde a eletricidade lidera e o ambiente será menos poluído.

Neste painel Rodrigo Maia destacou a importância da alteração de paradigma no desenvolvimento do novo modelo de mobilidade. “Software on wheels” foi a forma expressiva que o responsável pela tecnologia da Altran utilizou para caraterizar o momento vivido, dominado pelas inovações ao nível do software. A sustentabilidade dos novos modelos de mobilidade centram-se nos sistemas de transporte de massas, e nos modos de transporte urbanos, que vão ser o centro das maiores alterações que serão efetuadas no sector dos transportes até 2030 que terão como objetivo disponibilizar modos de transporte mais sustentáveis, menos poluentes, interactivos e inteligentes, como explicou Rodrigo Maia.

Automóveis passam a ser software com rodas

Neste novo enquadramento surge a resposta da indústria automóvel, que está a sofrer desafios semelhantes aos que ocorreram há uns anos no sector das telecomunicações, quando as marcas Ericsson e Motorola – que lideravam o sector na viragem do milénio – sentiram a concorrência da Apple, quando foi lançado o iPhone. Surgiram então as App que alteraram todo o ecossistema do software, lançando novas funcionalidades para utilização de muitas ferramentas disponibilizadas com os telemóveis, sobretudo as câmaras fotográficas e com elas o desenvolvimento dos sistemas de reconhecimento facial.

Rodrigo Maia referiu que as alterações introduzidas pelo ecossistema das apps criaram um paradigma de contínuo upgrade do software e de desenvolvimento de novas funcionalidades, que vieram alterar consideravelmente o modelo de negócio do sector das telecomunicações móveis, contribuindo para o nascimento de universos empresariais tão vigorosos com os que são alimentados pelos utilizadores do WhatsApp, do Instagram ou da Uber, que no conjunto representam um ecossistema onde são investidos biliões de dólares por ano.

As alterações que estão a ser vividas no sector dos transportes, na indústria automóvel e na mobilidade em geral são semelhantes à disrupção vivida há uns anos no sector das telecomunicações móveis, devendo agora ser acelerada pelas novas funcionalidades que vão ser disponibilizadas pelas redes de comunicações do 5G, que permitirão adoptar novos padrões na mobilidade sustentável, designadamente com a condução autónoma e os veículos de nova geração que dispensam a intervenção de um condutor.

Tesla já vale mais que a Volkswagen

“Os carros existem para transportar pessoas”, comentou Rodrigo Maia, considerando que essa utilidade se sobrepõe ao valor das máquinas que existiam para serem conduzidas. No mundo em que o software é rei e domina o hardware, os veículos vão existir sobretudo para transportarem pessoas e não para serem conduzidos. “Estamos a viver esse momento de transição”, referiu o responsável da Altran Portugal. O crescimento de marcas como a Tesla torna evidente este novo momento, atendendo a que o valor da Tesla já ultrapassou o valor de um gigante industrial tão relevante no seu sector como o Grupo Volkswagen.

A própria Volkswagen já reconhece a grande importância do “software em rodas”, como um dos grandes novos negócios da indústria automóvel, verdadeira expressão da inovação neste sector. Na realidade, como explicou Rodrigo Maia, os automóveis estão a ser transformados em computadores com rodas, num negócio de valores planetários, cujo grande potencial será capturado pelas marcas que conseguirem ser mais eficientes, capazes de integrar todas as novas valências tecnológicas que são disponibilizadas aos automóveis – que se tornam conectáveis, inter-conectáveis num mundo digital.

Os centros digitais em que investiram marcas como a BMW, a Daimler e a Volkswagen mostra bem a importância decisiva que lhes foi consagrada para poderem desenvolver tecnologias que tornam os veículos elétricos verdadeiramente sustentáveis e inteligentes, num mundo em que as cidades são dominadas por redes elétricas inteligentes (smart grids), fundamentais para gerirem os fluxos de informação relacional que os veículos elétricos necessitam para circularem. Rodrigo Maia referiu que este é o paradigma da integração com a ‘nuvem’ – a cloud integration, decisiva para a utilização da Inteligência Artificial pelos novos modos da mobilidade sustentável, sobretudo para gerir os fluxos de tráfego urbano.

Software é “rei” na mobilidade elétrica

Será cada vez mais importante “capturar data”, desenvolver “veículos com maior interação com um elevado número de sensores”, aproveitar o lançamento de novos modelos de negócios em veículos que serão cada vez mais personalizáveis, em suma, tirar partido da “realidade aumentada disponível dentro de cada carro”, como refere Rodrigo Maia. Neste novo paradigma da mobilidade sustentável, aumenta a “arbitragem de Inteligência Artificial, devido à troca de informações sobre a circulação pedestre (como se movimentam os peões ou as pessoas que circulam em ciclovias), e a circulação rodoviária, dos carros ou outros veículos que se aproximem da viatura em que somos transportados, o que faz com que o software se transforme num ativo verdadeiramente crítico”, referiu o responsável da Altran Portugal.

Mas este novo mundo também tem o “outro lado” que exige melhorias constantes. “Todo o processo de pós-venda (after sales) se torna mais complexo e o novo software tem de ser gradualmente melhorado para eliminar as ‘bugs’ – como há ‘bugs on wheels’ é preciso fazer o designado ‘debugging’”, referiu Rodrigo Maia.

Comparativamente ao sector da aeronáutica, o mundo dos construtores automóveis é um newcomer em matéria de utilização de software, refere Rodrigo Maia, “Nesta perspetiva, os construtores automóveis apenas testam aplicações de software há menos de dez anos, de forma a confirmar todas as situações críticas e todas as condições de condução e de circulação”, diz, de forma a que “o software seja um elemento que garante segurança, que seja um factor de confiabilidade”.

Efacec lidera revolução silenciosa

Na introdução da apresentação seguinte, efetuada por Ângelo Ramalho, responsável da Efacec, foi visualizado um curto vídeo onde um diálogo com crianças narrou o seu entendimento sobre o futuro, e em que uma das crianças dizia que “as pessoas vão querer coisas automáticas”. Ângelo Ramalho explicou que para ter o céu como limite será necessário continuar a “desenvolver a atual revolução silenciosa para estabelecer um novo paradigma nos sectores da energia, do ambiente e da mobilidade”. A Efacec sente-se confortável porque – diz – “trabalha nesses três sectores”.

O mundo da mobilidade sustentável vai muito além da mobilidade elétrica (que muitas vezes se resume ao universo dos veículos autónomos elétricos), centrando-se na gestão dos fluxos de tráfego das cidades inteligentes, das redes de carregamento das baterias dos veículos, da conectividade automóvel, da energia produzida a partir de fontes renováveis, do desenvolvimento dos sistemas de armazenamento de energia, em suma, da forma como o ambiente e a mobilidade podem ser geridos com total conectividade e através da Inteligência Artificial, ao nível mais eficiente que for possível.

Ângelo Ramalho referiu que a Efacec estuda e produz soluções para este universo há já 70 anos. “Atualmente, a complexidade das soluções tende a aumentar e o binómio energia-informação será desenvolvido de forma acelerada”, refere. “Os veículos vão interagir cada vez mais com o sistema” e as motorizações a diesel deverão pertencer ao passado, fazendo uma transição com veículos híbridos, que utilizem motorizações complementares do ciclo de combustão a gasolina.

Preço das baterias desce 85% a 10 anos

Já em 2021 o preço dos veículos elétricos começará a ser mais competitivo face aos preços dos veículos convencionais e as marcas que vão produzir veículos premium terão cada vez mais motorizações elétricas, comenta Ângelo Ramalho, considerando que os carregamentos das baterias dos elétricos serão mais rápidos, senão mesmo “ultra rápidos”. “Haverá cada vez mais carregadores que serão capazes de abastecer energia para 400 quilómetros de autonomia em cerca de 10 minutos”, referiu o responsável da Efacec. Nas soluções para a mobilidade urbana, tenderá a haver maior número de soluções de “light rail” e de autocarros elétricos, aparecendo igualmente novos modelos de negócio para os sistemas de distribuição de energia – também os ecossistemas do sector da mobilidade sustentável vão ter maior complexidade, conjugando energias renováveis, armazenamento de energia e soluções específicas para os veículos elétricos, comenta o gestor da Efacec.

O mundo digital permitirá ter soluções otimizadas, ao melhor custo para os designados energy-hub. Vão começar a ser utilizados os carregamentos por indução e as frotas empresariais serão eletrificadas até 2030, o que será possível porque a generalidade dos consumidores entenderá esta transição como uma necessidade, comentou o gestor da Efacec.

Dois milhões de elétricos na Península Ibérica em 2030

Vera Pinto Pereira, da EDP, referiu, por seu turno, que a questão da mobilidade sustentável é indissociável da produção de mais energia verde e da necessidade de reduzir em 45% as emissões poluentes dos veículos até 2030, o que só se conseguirá através do aumento da frota de veículos elétricos.

“Há uma meta a atingir pelo sector automóvel, de dois milhões de veículos elétricos a circularem na Península Ibérica até 2030, embora o Governo espanhol seja mais ambicioso e queira ter nessa data cinco milhões de veículos elétricos a circular”, referiu a responsável da EDP. Há cerca de 15 mil cartões ativos para carregamentos de baterias nos equipamentos dos postos de rua. O preço das baterias deverá baixar gradualmente, pois é expectável que o seu valor desça 85% num prazo de oito a dez anos. Ao nível da produção de energia limpa, Vera Pinto Pereira referiu que um em cada três consumidores gostaria de gerir a sua própria produção de eletricidade”, adiantou. Atualmente já há 30 mil instalações de produção fotovoltaica, o que equivale a uma produção de 80 MW, acrescentou a responsável da EDP.

Neste contexto, o planeamento da rede inteligente para os carregamentos de baterias será mais sofisticado e complexo, aumentando as parcerias com empresas que promovem a utilização de redes de carregamento, como a BP, os grupos hoteleiros Pestana e Vila Galé e o Benfica. A EDP tem em agenda o aumento da rede de postos de carregamento elétrico (300 pontos de carregamento publico no próximo ano, complementados por 750 pontos de carregamento privados) e instalações em 20 condomínios.

CML quer mais 150 mil viagens no transporte público

Miguel Gaspar, responsável pela área da mobilidade na Câmara Municipal de Lisboa (CML) considera que o paradigma que será difundido na Lisboa Capital Verde servirá de modelo de desenvolvimento para o tipo de mobilidade urbana defendido pela CML. “Até 2030 Lisboa vai seguir uma estratégia que permita reduzir em 26% as emissões poluentes. E em 2050 atingirá a neutralidade nas emissões de carbono”, refere Miguel Gaspar. “Queremos que só um terço das viagens sejam feitas em carros individuais”, adianta. Para isso Lisboa terá de transferir 150 mil viagens para os modos de transporte público ou partilhados. Uma boa imagem para assegurar 150 mil viagens é a utilização de 30 comboios, que transportam o equivalente a 150 autocarros, ou 5000 veículos Uber. “O autocarro elétrico produzido em Vila Nova de Gaia já está a ser testado em Lisboa”, adianta o responsável da CML. “Além disso há o investimento na nova bilhética (21 milhões de euros) e a estratégia de promoção do transporte público com novos passes que fez aumentar em 40% o número de utilizadores de transporte público com passes”, refere ainda, esclarecendo que “há 700 mil pessoas com passes”, o que “é um importante ecossistema de mobilidade pública”.

Segurança e novos serviços com o 5G

Finalmente, Nuno Nunes, da Altice, explicou que o arranque do 5G fará potenciar todo o ecossistema da mobilidade sustentável, aumentando a eficiência das comunicações utilizadas pelos sistemas de transporte e pelos veículos inteligentes. “Com menos latência no acesso às comunicações e maior resiliência, o 5G permitirá desenvolver os sistemas de comunicações necessários à condução autónoma e aos veículos inteligentes, aumentando a segurança do tráfego urbano, a gestão dos semáforos, o acesso à informação partilhada na cloud e o acesso a novos serviços, como a reserva e pagamento de lugares de estacionamento”.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.