Quando uma figura do topo da organização do Estado ou dos níveis mais elevados da hierarquia empresarial é constituída arguida, as televisões, os jornais, as rádios e os onlines ficam cheios de comentadores, jornalistas, especialistas ou meros curiosos que foram apanhados por acaso no sítio errado à hora errada que, entre cada dez palavras, em média, explicam que ninguém é culpado enquanto não for julgado como tal. E que, mesmo que esse alguém seja dado como culpado por uma instância judicial que não a última, essa culpa mantêm-se numa espécie de vida suspensa, até poder ser declarada, ou não, apenas depois de a última instância se pronunciar. Chama-se presunção de inocência.

Outra coisa que não tem nada a ver, ou se calhar tem, é aquilo a que se poderia chamar perceção de inocência. Neste caso, a coisa é mais complexa – mas com certeza que a generalidade do país está consciente de que essa generalidade, a do país, está cada vez mais convencida de que o topo da organização do Estado ou os níveis mais elevados da hierarquia empresarial são ocupados, numa percentagem não despicienda, por gente de qualidade mais que duvidosa.

No final de mais uma semana muito negra para o país – em que um punhado de pessoas que costuma passear a sua soberba capacidade de ser eficiente naquilo que faz, acabou arguido num processo qualquer, presumindo-se a sua inocência até prova em contrário – os portugueses voltam a questionar-se sobre que raio de país é este em que vivem!

As respostas que porventura encontram (se porventura fizeram a pergunta) não são as que mais podem alegrar os seus dias no interior desta Nação – livre, soberana, democrática e tudo – nem são suficientes para lhes assegurar que vivem numa sociedade que não está profundamente doente.

A única coisa que nos ‘safa’, por assim dizer, é que o país não sai muito mal no comparativo com os países que lhe são próximos – ou seja, a euro-américa desenvolvida, a que por desfastio se chama ocidente. A bandalheira com o dinheiro dos outros, a promiscuidade entre poderes – mesmo quando regulada, como é o caso dos lóbis junto de Bruxelas (o que não passa de uma piada de mau gosto para enganar os tolos, que somos nós todos) – o compadrio, o nepotismo mais escandaloso, a baralhação inacreditável das incompatibilidades (como se vê no parlamento), e a cunha (é capaz de ser fácil provar-se que Portugal não existiria se não fosse esta antiga, nobre e vetusta prática, absolutamente transversal a todo o país), parecem ser a argamassa de que o ocidente é feito.

Desde sempre: não vale a pena vir com aqueles exemplos do tempo em que um aperto de mão era suficiente para selar um negócio, ou do tempo em que os políticos nunca faltavam à palavra, ou do tempo em que era o bem geral que sustentava a atividade político-governativa, ou do tempo em que os governantes eram incorruptíveis e os ricos ‘incorruptores’, porque isso é tudo uma tanga pegada. As páginas da História do ocidente estão cheias, completamente cheias, dos escândalos mais desbragados – alguns deles suficientes para encherem de vergonha os contemporâneos mais lestos em matéria de infrações.

Isso, como é evidente, não é desculpa – como também não o é a evidência de que a condição humana, neste grau de evolução em que todos nós nos encontramos, é tão miserável, que até é difícil de acreditar.

E pronto, era isto. Nem vale a pena andarmos a queixar-nos muito, o melhor é aprendermos a viver com as nossas perceções e deixar as presunções para os tribunais: eles é que sabem.

 

PS 1: Nada disto é verdade quando os arguidos são gente do futebol. Aí, alto lá, que estamos perante uma cabala. Aí, é mesmo a doer. Se o presidente do Arrecadas de Cima é constituído arguido por uma treta qualquer, fica evidente que há alguém que quer afetar os seis milhões ou mais de ‘arrecadenses’ de cima espalhados pelo país e pela diáspora.

PS 2: Espero sinceramente que não exista nenhuma equipa de futebol chamada Arrecadas de Cima. Se existir, aqui declaro que considero o seu presidente inocente do que quer que seja, até prova em contrário.