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Peter Bakker: “As alterações climáticas não são uma religião”

Presidente da World Business Council for Sustainable Development, uma organização que unta mais de 200 empresas para acelerar a transição para um mundo sustentável, Peter Bakker esteve em Portugal a convite da Semapa. Em entrevista ao Jornal Económico, o antigo administrador de empresas defendeu que o futuro nos negócios passa por abandonar o modelo de avaliação do sucesso apenas com base em resultados financeiros.
28 Abril 2018, 08h50

Como é que as empresas devem integrar a sustentabilidade na gestão?

Diria que o primeiro passo é as empresas construírem a convicção de que têm de integrar a sustentabilidade na gestão, porque nem todas estão nessa fase. Quando o fazem, devem avaliar se o mecanismo de avaliação de performance permite avaliar a performance de sustentabilidade. Se você for uma empresa que pretende reduzir as emissões, primeiro deve saber se tem um sistema que permite avaliar as emissões. Como qualquer outra coisa nos negócios, deve assegurar que a liderança compreende essa nova gestão e métrica de sustentabilidade. Pode fazer uma declaração: quero reduzir emissões, pode medir essa performance, mas se ninguém souber o que fazer para reduzir as emissões, não irá a lado nenhum. Certamente, precisa de dizer ao mercado e aos investidores que podem fazer isto e como vai reduzir os riscos para a empresa. Se o fizer, a inovação chega até à empresa.  O melhor exemplo no mundo é um grupo que se chama TCFD, a Task Force on Climate-Related Financial Disclosure. Não é uma iniciativa vinda da sustentabilidade, vem do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) – o board dos Bancos Centrais no mundo. Este board liderado pelo Governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, disse que os riscos ambientais serão riscos importantes para as sociedades e que as empresas e organizações deveriam estar a divulgar os riscos. Há três recomendações do que os negócios devem seguir. Primeiro, as empresas devem divulgar de forma transparente os riscos relacionados com questões ambientais. Segundo, devem clarificar o processo que utilizam para gerir estes riscos. Terceiro, e é a recomendação mais importante, cada empresa deve criar um modelo de cenário do que aconteceria à empresa num mundo de dois graus. Se fizer as três coisas, então, integra a sustentabilidade no seu processo de decisão de negócios.

Como definem essas métricas e standards?

Há duas respostas. Do lado externo, do lado da comunicação, há parâmetros como o GRI (Global Reporting Initiative), que lhe dá um conjunto de indicadores para cada tópico diferente de sustentabilidade que uma empresa deve apresentar. O GRI é uma, mas há várias estruturas que podemos usar. O CDP (Disclosure Insight Action) é outro. No lado interno, no processo de decisão da gestão, há algo que se chama The Natural Capital Protocol (NPC), que, basicamente, é o que descreveria como um dicionário do que se deve avaliar e como se deve gerir para melhorar os impactos que tem no ambiente. Se tiver o NCP, inscreve a empresa e deverá ter melhores resultados, depois poderá comunicar com o GRI, que é o lado externo.

Que setores podem beneficiar?

Todos os setores podem beneficiar. A sustentabilidade não é apenas sobre alterações climáticas ou ambiente. A sustentabilidade é a saúde do planeta, mas também da sociedade. Se olharmos para os próximos dez anos, haverá muitas questões a acontecer. A digitalização é uma, a guerra comercial é outra, as alterações climáticas e os problemas hídricos são uma terceira, o trabalho e o futuro do trabalho é a quarta questão. Todas estão relacionadas com aspetos de sustentabilidade. Voltando à sua primeira questão, o que penso que é importante é que cada empresa, cada organização, cada setor analise o seguinte: “se integrar estes aspetos da sustentabilidade no meu modelo de negócio, o que irá acontecer ao meu negócio?” Há uma mudança tecnológica que é preciso acompanhar, há grandes mudanças no mundo do trabalho que tenho que acompanhar. Como é que eu vou responder a isso? É algo que a inovação pode resolver ou deveria pensar em diferentes portefólios e mudar para diferentes negócios? O que estamos a assistir agora é que a sustentabilidade e a economia tornaram-se ‘um só’. Não se pode fazer crescer a economia se não for uma economia sustentável, não se pode ter sucesso nos negócios se o modelo de negócio não for sustentável. E isso é o que a integração realmente significa. Tornou-se uma conversa só.

Mais empresas têm internalizado a sustentabilidade nas suas práticas?

Há ótimos exemplos. Penso que há 1.500 empresas no mundo que estão a usar um preço interno de carbono. Estas empresas decidiram fazê-lo mesmo não existindo um mercado de carbono. O que estão a fazer no seu processo de decisão é simular que o carbono tem um preço e, como resultado, incluir esse preço nas suas opções de investimento. Há um crescente número de empresas a usar os procedimentos que avaliam a sustentabilidade. É uma comunidade em rápido crescimento.

É importante envolver atores externos?

Sim. Uma das mudanças fundamentais que o mundo atravessa é que as empresas não podem ter sucesso, a economia não pode ter sucesso se tudo o que fazemos é otimizar os retornos financeiros. Devemos otimizar o capital financeiro, o capital ambiental e o capital social numa base integrada. Não podemos apenas fazer dinheiro e destruir o planeta ou fazer desaparecer todos os empregos, ou manter a juventude de Portugal desempregada. Em breve, a sociedade não irá aceitar e o ambiente não irá aceitar. E é aí que a integração surge.

As empresas devem estabelecer objetivos mais gerais ou objetivos relativos durante este processo de transformação?

Cada empresa será diferente. Trabalhamos com várias e há dois tipos de empresas, dependendo principalmente dos líderes das empresas. Há algumas empresas muito confortáveis com objetivos ambiciosos, que encontrarão o seu caminho para atingir esse objetivo. Outras empresas dizem “não, não deveríamos fazer marketing disto. Primeiro iremos fazê-lo e depois comunicamos o que fizemos”. Não acho que seja fácil dizer que uma forma é melhor do que outra. Depende muito da cultura da empresa. Deixe-me dar-lhe um exemplo. Olhando para uma empresa como a Unilever, percebemos que tem um CEO muito famoso, o Paul Polman, que faz discursos cinco vezes por semana sobre sustentabilidade, a sua importância e o que a empresa deve fazer, e que tem uma estratégia muito ambiciosa. Olhando para algumas das empresas no mesmo setor, verificamos que não têm um CEO tão ambicioso, não fazem discursos ou grandes statements, mas se olharmos para o que reportam, fazem o mesmo ou às vezes um pouco mais do que a outra empresa. O que acho importante para a empresa é, acima de tudo,  compreender qual o principal risco a que está exposta, o que irá fazer relativamente a isso e ter a certeza que o meu gestor sabe o que fazer.

A nível interno, considera que é importante adotar políticas, como por exemplo, dar benefícios a um gestor por atingir objetivos de sustentabilidade?

Se uma empresa quer ser líder numa indústria,  tem que integrar a sustentabilidade na base. Se queremos que o gestor cumpra da forma que pensámos, a melhor forma de fazê-lo é colocar targets. E se tivermos um modelo de bónus, não pagar somente o bónus por causa de lucros, mas também pagar o bónus porque os objetivos ambientais ou sociais foram alcançados. Fui CEO de uma empresa durante alguns anos e, nos meus primeiros anos, 100% do meu bónus foi determinado pelos resultados financeiros. Ao fim de dez anos, 50% era determinado pelos resultados financeiros e 50% era baseado em resultados não financeiros. Se eu fosse CEO hoje, provavelmente proporia um target dependente 33% do nível financeiro, 33% ambiental e 33% social. E é para onde penso que caminharemos.

Está familiarizado com o mercado português. Em que estado estamos na utilização de WBCSD?

Não conheço Portugal particularmente como um mercado que está mais à frente ou atrás de outros. Mas o que consigo ver é que, na WBCSD, temos cinco ou seis membros portugueses, o que, em 200 membros, é uma proporção muito maior do que é o PIB de Portugal no PIB mundial. Desse ponto de vista, acho que Portugal está sobrerrepresentado, o que para mim significa que as empresas portuguesas levam isto muito a sério. Estou aqui como convidado da Semapa, mas temos também a EDP, a Brisa, algumas empresas que são realmente ativas neste mercado. É bom ver.

Há países que colocam maiores desafios nesta transformação?

Crescemos todos num modelo em que pensamos que os recursos são ilimitados, que a atmosfera pode ser usada como um aterro e que o mercado laboral vai corrigir todos os problemas. Olhando para a Europa, gostamos de ter a ideia de que somos mais sustentáveis que os EUA ou a China. Mas a China não fez nada diferente, apenas o fez num período menor e vê-se a pressão que isso coloca no planeta. Mas não se pense que o que fazemos na Europa é sustentável, porque não é. Se cada pessoa no mundo vivesse como um europeu vive, precisaríamos de ter dois planetas e meio para suportar essa pessoa. As crises invisíveis passam despercebidas, até que um episódio como o dos incêndios em Portugal, por exemplo, nos leve a pensar que algo está terrivelmente mal, que precisamos de fazer alguma coisa. Na China, vejo muito mais inovação nos negócios do que em qualquer outro lado. Se ouvir os discursos do presidente Xi Jinping, fala muito mais sobre as mudanças necessárias do que qualquer líder de negócios europeu. E porquê? Porque a qualidade do ar está à frente dele.

Mas considera que alguns acontecimentos atuais na política mundial podem traduzir-se em reversões no avanço dessa discussão?

Não, a sustentabilidade já não é uma conversa idealista. As alterações climáticas não são uma religião, são factos científicos. Alguns negócios podem não gostar desses factos, mas não podem mudar aquilo que são factos. Portanto, sim, a política está a tornar-se imprevisível hoje em dia. Não apenas nos EUA, mas no Reino Unido, em Itália, e as pessoas estão preocupadas. Mas uma tendência que vemos é que, a nível nacional, o ambiente não é um assunto prioritário, mas a nível local é, porque o trânsito, a qualidade do ar, a qualidade de vida das crianças, tudo isso são assuntos locais. Eu estou otimista. Sim, as políticas têm altos e baixos, mas a ciência não vai mudar e temos que ouvi-la e atuar.

 

(Entrevista publicada na edição de 6 de abril do caderno Et Cetera)

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