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Planeta Terra: uma máquina de produzir refugiados

Desde sempre que os refugiados são um problema político, mas, num momento em que a questão está a mudar o rumo da Europa, as autoridades demonstram não fazer a mais pálida ideia sobre uma solução para o problema.
  • Vadim Ghirda
19 Junho 2019, 07h15

Síria, Afeganistão e Sudão do Sul são em conjunto os três países que encabeçam a triste lista dos países que ‘produzem’ mais refugiados no planeta – e a soma das suas prestações atinge os 57% dos mais de 68,5 milhões de pessoas em 2018 que se encontram na condição de requerentes de asilo e deslocados por causa de conflitos.

Só nos últimos dez anos o número de refugiados cresceu 50% e que desde 2011 (42,5 milhões) todos os anos o recorde é novamente batido. Ainda não há dados para este ano, mas o recorde deverá ser novamente superado.

São números que dão uma ideia da grandeza desta questão problemática, que merecem uma reflexão no Dia Mundial do Refugiado que vai ser celebrado na quinta-feira, 20 de junho.

Desde sempre que os refugiados são um problema político, mas, num momento em que a questão está a mudar o rumo da Europa – por via do aumento dos que apoiam partidos que recusam continuar a aceitar pacificamente a entrada de mais refugiados no interior das fronteiras comuns – as autoridades demonstram não fazer a mais pálida ideia sobre uma solução para o problema.

É, aliás, altamente improvável que haja uma, dado que os refugiados não são um problema em si, mas uma consequência de um outro conjunto de problemas, que a sociedade em geral não quis resolver – é que, para os problemas cujas consequências são os refugiados (a má distribuição dos rendimentos, a fome, as guerras iniciadas pos diversos motivos, estando os religiosos e os nacionalismos entre os mais fecundos na criação de condições ideais para a guerra), há formas identificadas de os resolver.

Na Europa, a questão está a chegar a um novo patamar: é possível que dentro de pouco tempo haja países onde o auxílio aos refugiados que passem ilegalmente uma fronteira passe a ser um crime punível com prisão. O debate está aceso depois de o ministro do Interior italiano, Matteu Salvini se ter destacado desde há mais de um ano como um dos paladinos desta nova ‘limpeza’ a que alguns querem sujeitar a Europa.

Felizmente, dizem alguns analistas, que a extrema-direita europeia – liderada precisamente por Salvini em parceria com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán – não atingiu a dimensão que se propunha, e que isso é um bom sinal para os refugiados. Não por certo para aqueles que estão nas zonas de conflito ou nas mãos de máfias que têm nas mãos o controlo das vias de acesso ilegal à Europa.

Dizem os Europeus, nomeadamente Salvini, que auxiliar refugiados que procuram a Europa é ‘abastecer’ de dinheiro, de poder e de razão para continuar estas máfias que ganham, diz-se, milhões de euros com a desgraça de quem tem de fugir do lugar onde sempre viveu. Ora, aparentemente, segundo esta teoria, o poder dessas máfias só cessará quando o fundo do mar Mediterrânico estiver juncado de cadáveres de africanos e asiáticos.

Entretanto, as últimas cúpulas da União Europeia – abaladas há cerca de um ano por esse vendaval italiano – não tiveram dificuldade em esquecer o assunto. Depois de um período difícil – durante o qual o próprio governo da chanceler alemã Angela Merkel esteve colocado em causa – o tema foi retirado da agenda. Como se sabe, essa é uma forma eficaz de resolver um problema: fazer de conta que não existe.

Mas será de recordar que uma cúpula dos países europeus decidiu, faz um ano dentro de nove dias, lançar, entre outras medias, campos de acolhimento de refugiados, onde a União lhes pudesse prestar um mínimo de auxílio que é devido a todos os seres humanos, ao mesmo tempo que tentaria subtraí-los ao poder das referidas máfias. Era um primeiro passo – mas aparentemente ainda ninguém se lembro de o dar.

Entretanto, os números: Turquia, Paquistão e Uganda, os vizinhos do grupo dos países que ‘produzem’ mais refugiados, são os países que acolhem mais refugiados. Não porque queiram, possivelmente, mas porque não têm alternativa. E esse é outro dos temas que vai caindo no esquecimento: em 2015, a questão dos pagamentos da União Europeia à Turquia para tratar dos refugiados sírios levantou enorme polémica – nomeadamente por causa de haver ali uma espécie de ‘lavar de mãos’ da Comissão em termos da sua responsabilidade. Pois bem, esse foi mais um tema que deixou a agenda e o mediatismo que conseguiu ‘aguentar’ durante vários meses.

O resto dos números são dolorosamente conhecidos: mais de 50% dos 68,5 milhões de refugiados são crianças e tudo indica que serão também o grupo onde a mortandade é mais selvagem. E o semblante carregado de António Guterres, o secretário-geral da ONU, sempre que tem de falar sobre o assunto revela toda a dimensão da sua impotência.

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