Como se viu na sequência da proposta de três novos impostos europeus, publicitada em Portugal por António Costa, e explicada, muito devagarinho, por Marcelo Rebelo de Sousa, a nossa extrema-esquerda não mudou a posição sobre a União Europeia (UE).

O PCP continua a propor a desgraça completa: saída do clube dos 28, brevemente 27, e do Euro. O BE, mais sofisticado, não mudou a opinião expressa por Catarina Martins há um ano, depois da Cimeira de Roma, evocativa dos 60 anos do processo de construção comum na Europa. Disse, então, a líder do BE que queria ver o país preparado para abandonar o Euro. Ou seja, os nossos radicais não reconhecem qualquer mérito na construção europeia e muito menos querem participar na resolução dos seus problemas de viabilidade.

Esta questão, vista daqui, é muito mais importante do que saber se os impostos defendidos sobre as plataformas digitais, empresas poluentes e transações financeiras internacionais são uma proposta de Costa ou se resultam do percurso feito por um relatório de Mário Monti (que vários países resolveram revisitar porque o Brexit vai fazer perder receitas e a defesa e segurança, juntamente com o apoio às migrações, vão fazer aumentar as despesas). É neste contexto, marcado pela posição face à UE, que vamos entrar na reta final da legislatura da ‘geringonça’.

Ao contrário do que anunciaram alguns catastrofistas, com Cavaco Silva à cabeça, as coisas não estão a correr nada mal. Sobre a rejeição aos cortes impostos pela troika, o PS soube estender um bom cimento: o da mais rápida devolução de rendimentos perdidos. Com isso, atraiu o improvável apoio de PCP e BE, e o Governo fez coexistir a estabilidade no Parlamento com a profunda convicção europeísta expressa no programa do partido desde Mário Soares. A economia cresceu. O défice reduziu. E se a dívida continua a pesar no horizonte, o episódio das cativações, que revelou na Europa o talento de Centeno, foi, apenas, um dos vários expedientes a que recorreu o Governo para honrar os compromissos internacionais.

Seguir-se-á um novo ciclo na política portuguesa. O cimento da devolução dos rendimentos está esgotado. Passos Coelho e a sua visão do “Diabo” já não condicionam o PSD, agora entregue a Rui Rio. O CDS faz experimentação, e nem sempre com honestidade intelectual, como numa recente visita de Cristas a um hospital em que resolveu falar das fragilidades do SNS. O PCP foi arrasado nas últimas autárquicas e, de tão traumatizado, entregou o PS ao PSD no governo de Almada e voltou às ruas. O BE, a quem a experiência de apoio ao governo não está a correr tão mal, parece não ter decidido ainda se o caminho futuro passa por ficar a marcar o PCP ou por tornar-se o CDS do PS.

Há muita reflexão política a fazer mas o próximo ciclo legislativo, a nascer das eleições de setembro/outubro de 2019, ficará marcado pela posição face à UE, além da necessidade de grandes pactos para as grandes reformas. E quando se fala na UE há dois blocos naturais. PS, PSD e CDS, de um lado; PCP e BE, do outro. Isto não tem a ver com qualquer tentativa de defesa do chamado Bloco Central, que na minha opinião não faz falta à sociedade portuguesa, e até a contamina perigosamente pela ligação que estabelece ao mundo dos negócios. Mas a definição da sociedade nacional quanto à UE não pode estar refém do populismo da extrema-esquerda e da nova versão do ‘orgulhosamente sós’ do século XXI.