O Presidente da República tem razão. Portugal e Angola são demasiado dependentes um do outro para que um conflito diplomático os possa separar. Podemos mesmo afirmar, com elevado grau de certeza, que a proximidade entre Portugal e Angola vai continuar a existir mesmo no dia em que os respetivos regimes políticos forem substituídos por outros. Até porque os povos e as nações sobrevivem, por regra, aos seus sistemas políticos. E sobrevivem mesmo perante as maiores adversidades e quando toda a esperança de restauração parece perdida. Que o digam os países bálticos, a Polónia ou a Irlanda. As nações sobrevivem a tudo, exceto se desistirem de si próprias, cedendo no que realmente faz a diferença, que são os princípios. Se não formos capazes de nos batermos por aquilo em que acreditamos, não merecemos ser livres nem governar-nos a nós próprios.

Vamos partir do princípio de que, ao contrário do que o governo de Luanda defende, as convenções internacionais não obrigam a que Manuel Vicente seja julgado em Angola (ver página 3). Deve ainda assim Justiça portuguesa “facilitar” as coisas, como propõem algumas luminárias da nossa praça, a bem das relações entre os dois países e da proteção dos cidadãos portugueses que vivem no país?

Não deve. Portugal é um país soberano e um estado de direito. Se um ex-governante angolano é suspeito de, enquanto cidadão privado, cometer um crime em Portugal, deve ser tratado como qualquer outra pessoa que se encontre em circunstâncias idênticas. Repito: estamos a falar de um crime alegadamente cometido em Portugal, na qualidade de cidadão privado, envolvendo um magistrado português. Não se trata de uma investigação a factos ocorridos em Angola, ou de uma multa de trânsito. Estamos a falar da alegada corrupção de um procurador português. Angola quer, claro, que Manuel Vicente seja julgado em Luanda, mas pode a Justiça angolana assegurar que esta figura graúda terá um julgamento justo no seu país? Até os portugueses que defendem esta solução admitem que tal dificilmente acontecerá.

Se a nossa Justiça optasse por olhar para o lado e ceder às pressões políticas e às exigências de Luanda, por medo ou mero calculismo diplomático, estaria a mostrar ao mundo (e sobretudo a Angola, cuja elite despreza quem se rebaixa) que não passamos de uma república das bananas. Ora, das duas uma, ou somos um país a sério, ou, cedendo aqui e ali, deixamos que a corrupção se instale e medre na política, nos negócios e na própria Justiça. E assim ficaremos cada vez mais distantes de construir um país moderno, decente e desenvolvido.

No fim de contas, o factor decisivo que explica por que razão alguns países são mais prósperos e desenvolvidos do que outros não é a riqueza natural ou a localização geográfica, mas sim a cultura. E os nossos filhos merecem melhor do que herdar um país disposto a vender a alma por um prato de lentilhas. Na política internacional como na vida, há que saber andar de cabeça arguida, ainda que pagando um preço por isso.

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