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O português que foi advogado de Donald Trump

Luís Miguel Novais foi advogado de duas empresas do novo presidente dos Estados Unidos. Acha que Trump vai mudar tudo, tanto interna como externamente. Mas, se fosse norte-americano, não teria votado no ‘ex-patrão’
29 Janeiro 2017, 10h00

O advogado portuense Luís Miguel Novais – que, entre muitas outras coisas, foi administrador da Empordef ao tempo do ministro da Defesa José Pedro Aguiar Branco, holding que abandonou em desentendimento com a tutela por causa dos Estaleiros de Viana do Castelo – considera que a “a presidência de Donald Trump representa uma rutura clara com o establishment” que se instalou na Casa Branca nos oito anos de Barack Obama.

Ex-advogado mandatado pela Trump Casino Hotel Resort e mais tarde pela Trump Entertainment “para negociar uma situação financeira internacional que envolvia Portugal”, Luís Miguel Novais ficou “surpreendido” com o facto de o ‘ex-patrão’ ter avançado para a candidatura. Mas rapidamente percebeu que o novo presidente dos Estados Unidos era o homem certo para “demonstrar que é possível cavalgar a anti-política” como forma de fazer política. Um pouco como fez antes Silvio Berlusconi em Itália com evidente eficácia – apesar de o advogado de 53 anos não ver outras semelhanças entre os dois homens.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Luís Miguel Novais disse estar convencido de que Trump tem uma agenda interna e uma agenda externa. A última é cada vez mais evidente: “o inimigo não é a Rússia, mas sim o autodenominado Estado Islâmico”, algo que a política frouxa de Obama no que concerne ao Médio Oriente tornou opaco. Nesse quadro, a aproximação entre Washington e Moscovo percebe-se: “estamos a assistir ao fim do período pós-Segunda Guerra Mundial. A aliança assume que Pequim fica do outro lado da barreira: a China não vai ser um aliado dos Estados Unidos, mas a relação entre os dois países vai parecer a dos dois bêbados que se aguentam em pé encostados um ao outro: um produz dívida e o outro compra-a”.

A nova posição dos Estados Unidos na cena internacional vai obrigar, segundo Luís Miguel Novais, a um conjunto de alterações profundas nas mais diversas frentes: “ONU, NATO, Organização Mundial do Comércio, entre outras. A entrada da China para membro do conselho de Segurança da ONU foi uma alteração importante”, mas a organização agora liderada por António Guterres tem ainda muito do que teve de construir face à Guerra Fria – e isso está totalmente ultrapassado.

A NATO é uma organização ainda mais ‘datada’: “com os Estados Unidos a pagarem 75% do orçamento, Trump não vai querer voltar a ver o espetáculo que se deu quando a Rússia invadiu a Crimeia”. Será a NATO pura e simplesmente desativada? Adiante se verá, “mas que vão rolar cabeças, isso é certo”.

Quanto à União Europeia, “os Estados Unidos apostam na sua fragmentação” – como ficou bem demonstrado pelo discurso de despedida de Anthony Gardner, embaixador dos EUA junto da UE há poucos dias. E Trump já definiu os seus interlocutores europeus privilegiados: a Alemanha e o Reino Unido. O resto é paisagem. Para Luís Miguel Novais, “a União Europeia não vai desaparecer, mas esta União Europeia vai”. A que se seguirá é uma incógnita sobre a qual ninguém consegue, para já, discernir – mas Schengen será por certo a primeira vítima.

Para tudo o que tem a ver com política externa dos Estados Unidos, Luís Miguel Novais aconselha os interessados a estarem atentos a Michael Flynn, diretor da Defense Intelligence Agency entre 2012 e 2014, e verdadeira eminência parda do regime que vai tomar conta da Casa Branca!

A agenda interna
Internamente, segundo a ótica do advogado – fundador da private equity Mercadores (2006), baseada no Luxemburgo –, Trump vai avançar “para uma verdadeira revolução económica”. “Desde logo, vai fomentar o protecionismo, o que lhe permitirá avançar com a reindustrialização”. O México – o país que Trump quer separar da América do Norte através da construção de um muro – será um dos países que mais tem a perder com esta alteração de rumo: “as chamadas ‘maquilhadoras’, empresas instaladas no México a pagar ordenados do México, mas a trabalhar como se fossem norte-americanas, o que se dá principalmente no setor dos componentes automóveis, vão desaparecer”.

O lado bom deste protecionismo “é que permite criar emprego; e, nesse aspeto, sendo Trump um magnata do imobiliário, as obras públicas vão avançar em força”. O advogado – que assina o blogue Portugal Adormecido – antecipa que o novo presidente “vai encher o país de obras ao nível das infraestruturas mais importantes: autoestradas, portos e aeroportos”. Um maná para as empresas de construção e para a diminuição da taxa de desemprego, por muito que seja à custa de trabalho pouco qualificado – normalmente assegurado por imigrantes.

Luís Miguel Novais – que também assessorou a administração Obama num caso que tinha a ver com Portugal – acha que a tomada de posse de Donald Trump vai ser acompanhada por muitos protestos internos, mas “tudo isso acabará por desaparecer com o tempo”, principalmente se os resultados imediatos da política económica interna se tornarem visíveis num futuro próximo.

Impunha-se uma pergunta final: “votaria em Donald Trump?” O advogado do Porto não hesitou: “não; não me estava a ver a votar na vitória da telecracia, movida a dinheiro”. Mas que ela chegou à Casa Branca, disso não há dúvida.

[Notícia publicada na edição impressa de 20 de janeiro]

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