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Aguiar Branco: “Precisamos de deputados que estejam no mundo real”

Aguiar Branco fala dos desafios da firma, do mercado da advocacia e da sua visão da política como um serviço cívico, onde a experiência da “vida real” é fundamental. E não exclui voltar à política ativa.
17 Novembro 2018, 16h00

José Pedro Aguiar Branco, sócio fundador da JPAB Advogados, é o convidado desta semana do “Decisores”, o programa de entrevistas do JE, que transmitimos todas as sextas-feiras, às 11h00, no site e nas redes sociais do Jornal Económico. O advogado e ex-ministro da Justiça e da Defesa fala dos objetivos da firma e da sua visão sobre o exercício de funções públicas. A política deve ser uma missão de serviço público e não uma profissão, defende Aguiar Branco, alertando para o risco de os políticos profissionais se tornarem “correias de transmissão” dos diretórios partidários e dos diferentes lobbies.

 

A JPAB tem feito operações com alguma dimensão, têm crescido e incorporado novas equipas. Qual é a estratégia do escritório?

Ao longo dos últimos anos, a JPAB tem crescido e hoje somos cerca de 60 advogados. Mas pretendemos não perder nunca a matriz de uma sociedade de advogados tradicional, em que a proximidade com o cliente se alia à inovação e à criatividade. Hoje, a massificação da advocacia é uma realidade e, por isso, consideramos ser um privilégio manter uma relação de confiança muito próxima entre cada advogado e os seus clientes.

 

Os clientes ainda valorizam essa relação pessoal com o seu advogado?

A nossa experiência diz-nos que os clientes sentem que têm de ter o melhor advogado do mundo, tal como um paciente sente que tem o melhor médico do mundo. Ora, isso faz-se na base da confiança e vai além da competência técnica do advogado.

 

Competência técnica sem confiança não resulta?

É evidente porque estamos a falar de uma relação na qual, quer a nível empresarial, quer a nível pessoal, existe um espaço amplo onde entram a personalidade do advogado, a sua empatia com o cliente e a forma como articula e transmite a estratégia para determinado caso. Nós, tendo em conta o tipo de perfil que queremos para a nossa sociedade, eu diria que se associa mais à lógica de um alfaiate do que à lógica de um pronto a vestir. Isto é importante porque nos permite continuar a fornecer um serviço de qualidade.

 

Essa aposta não acarreta o risco de tornar a JPAB mais dependente dos seus sócios mais notáveis?

Há um risco inicial, isto é, tudo começa em algum momento. Como é óbvio, no nosso caso, tendo um sócio fundador com alguma notoriedade pública, claro que existe esse risco. No entanto, temos apostado estrategicamente na valorização de curricula de cada um dos advogados e na sua participação em iniciativas que vão além do mundo da justiça. Por exemplo, hoje um dos nossos advogados é membro do conselho da Ordem dos Advogados.

 

Hoje a firma transcende a figura do seu fundador?

Transcende. E temos advogados dentro da faixa etária dos 45 e 50 anos e, portanto, já têm cerca de 20 anos de experiência.

 

Reparei que a vossa sigla passou a ser JPAB. É para dar esse passo e afirmar o escritório como uma marca de prestação de serviços na área da advocacia, que transcende a figura do seu fundador?

Vai ao encontro daquilo que referiu, ou seja, uma forte componente de ligação identitária em relação ao sócio fundador, que todos entendemos como positiva. Mas, a sigla JPAB vai para lá do sócio fundador e, portanto, associa-se ao melhor dos dois mundos: ter a imagem associada ao sócio fundador e estar para lá dele. Acreditamos que isso está a acontecer e, nesse sentido, posso mencionar as coletâneas jurídicas que tempos compilado que demonstram a competência e a excelência dos advogados na JPAB.

 

A nível da gestão, há um desafio que se tem colocado ao setor e que se prende com a profissionalização da gestão das sociedades de advogados. Como é que a JPAB o está a endereçar?

Hoje temos de ter critérios que usem muito as novas tecnologias. Nós somos sociedade que nasce no norte e que tem uma forte afirmação regional e queremos manter isso, até porque é um interesse estratégico importante. Mas hoje temos escritórios quer no Porto, quer em Lisboa, de onde iremos desenvolver uma estratégia nacional, o que obriga a critérios de gestão ainda mais rigorosos, por via das novas tecnologias.

 

Mas acha que o próprio modelo de gestão das sociedades de advogados vai ter de ser revisto, no sentido de permitir que profissionais entrem na gestão das firmas?

É importante que haja critérios de gestão, de eficiência e de rigor que sejam aplicados às sociedades de advogados e isso é indiscutível, até porque hoje as estruturas de custos são muito fortes. Mas, não se pode perder a especificidade da advocacia, porque estamos a trabalhar com pessoas, nem sequer quando inseridos numa hierarquia, porque na nossa sociedade um advogado, seja ele mais novo ou mais velho, tem o mesmo peso para a firma. Dentro da nossa cultura, custa-nos imaginar hierarquias entre advogados. Há coordenadores em áreas de prática, mas não há hierarquias.

 

Integraram recentemente alguns advogados em Lisboa, nomeadamente Rui Alves Pereira. Qual é a estratégia para o futuro? Vão realizar novas integrações?

Temos a preocupação de manter a identidade da firma. Nesse contexto, talvez tenhamos uma visão mais conservadora. O nosso crescimento tem sido sustentado na formação interna, portanto, os estagiários vão evoluindo, mantendo a cultura da sociedade. Depois, como aconteceu no caso do dr. Rui Alves Pereira, que integrou uma equipa nas áreas de clientes private e de família, é fruto de um conhecimento pessoal onde havia uma afinidade com advogados da firma. Portanto, o nosso crescimento pretende consolidar essas vertentes: uma nova área de prática que nós não tínhamos, incrementar a nossa notoriedade em Lisboa e sem perder a identidade.

 

Mas admite novas integrações?

Sim, admitimos. Nós temos uma plasticidade em relação ao nosso crescimento em vários formatos. Além disso, estamos a abertos a novas realidades. Por exemplo, tudo o que diga respeito a novas áreas, como transportes, direito aéreo, procriação assistida, saúde ou mobilidade elétrica, são áreas que nós julgamos que podem ser elementos diferenciadores de uma sociedade de advogados. Já estamos presentes na área dos transportes e no direito aéreo estamos a dar os primeiros passos.

 

E uma fusão com um escritório da vossa dimensão? É algo que a JPAB já ponderou?

Já passou pela nossa cabeça e já fomos desafiados para isso, mas entendemos que é a nossa identidade que nos faz ser felizes. Isto é, nós não precisamos apenas de ter índices de rentabilidade altos, nós precisamos de trabalhar com gosto no exercício desta atividade. Por isso é que temos muitos advogados que estão há muitos anos na sociedade e sempre abertos a esta identidade. Nós entendemos que isso é importante para o nosso core.

 

Olhando para o mercado português, há necessidade para consolidação entre firmas?

Cada um deve olhar para o seu posicionamento de mercado. É evidente que existem as grandes sociedades de advogados e que acabam por canibalizar a área da justiça. Temos de ter uma capacidade concorrencial que nos torne diferentes. Já tivemos diversos clientes que transitaram dessas sociedades para nós porque, desde que o cliente sinta que a competência técnica existe, o que nós podemos emprestar, pela proximidade e pelo conhecimento direto do advogado e até pelos sócios fundadores, acaba por ser uma vantagem para e temos de jogar com ela. Em vez de nos lamentarmos com as grandes sociedades de advogados que canibalizam o mercado, temos é de encontrar formas concorrenciais de afirmar as nossas valências.

 

Se estivesse agora a começar a carreira, em que área via mais potencial?

Eu acho que um bom advogado, quando está a começar, tem de ter uma formação generalista muito forte. Tem de ter cultura geral. Se eu estivesse a começar, detestaria começar a saber muito especificamente de uma área. Eu preferiria saber muito sobre muita coisa de forma a que conseguisse ter uma visão do Direito e da Justiça transversal. Depois, tendencialmente, teria que ir para uma área de prática. Mas eu acho que tudo o que são áreas que correspondem a nichos se vão democratizar, como o digital, a procriação medicamente assistida… Há todo um potencial dessas áreas que deve ser explorado e eu, se fosse um jovem advogado a começar, diria que teria de ter um conhecimento sólido do Direito, não viver só de imagem, e depois iria para uma área mais especializada.

 

Os advogados devem ter medo das novas tecnologias e da inteligência artificial?

Há sempre duas maneiras de encararmos o desenvolvimento e a inovação. Há uma visão protecionista, que nunca deu resultados. Em alternativa, pode aproveitar-se tudo o que a nova realidade traz de mais positivo para o exercício da nossa profissão. Eu acho que esta última visão é a mais correta. Temos muitas zonas com desperdício, temos zonas onde se pode aumentar a rentabilidade. No limite e no final do dia, nada substitui a mente humana. No dia em que um cliente precisar de um advogado, podendo este prestar os serviços, o cliente nunca vai aceitar o robô. Claro que haverá tarefas que o advogado poderá fazer com a ajuda de um robô, em benefício do cliente, mas, no final, a figura do advogado permanece.

 

Como é que qualifica a relação da Ordem dos Advogados (OA) com as sociedades e com os grandes temas do Direito e da sociedade civil?

Eu acho que a OA tem um papel fundamental no que diz respeito a todos esses temas. Este bastonário, em concreto, e esta direção, merecem todo o apoio em relação ao trabalho que tem sido feito. Num passado recente, a Ordem nem sempre deu a melhor resposta em relação àquilo que deveria ser o seu posicionamento face aos assuntos da advocacia e da justiça, em geral. Neste sentido, este bastonário tem reposicionado institucionalmente a OA.

 

O atual bastonário, Guilherme Figueiredo, compreende melhor o exercício da profissão em sociedade?

Um bastonário deve compreender o exercício da profissão dentro das várias componentes em que ela se faz. Seja na prática individual, seja em sociedades e até como advogados de empresas. O bastonário deve ter o dever de acompanhar e de tentar obter resultados positivos para cada uma destas formas de se exercer a profissão. Nós não podemos é segregar negativamente cada uma delas. E os anteriores bastonários diabolizaram o exercício da atividade por via das sociedades de advogados, criando a ideia de que uns existem contra os outros. Ora, este bastonário protege todas as dimensões em que o exercício da profissão se materializa.

 

Agostinho Miranda disse aqui, no “Decisores”, que o OE2019 é um antídoto contra o populismo. Concorda?

Um orçamento pode ser um antídoto, mas também pode ser o contrário. Eu não conheço ao detalhe esta proposta, mas este governo e esta proposta de orçamento poderiam ter ido mais longe no alívio da carga fiscal, quer para as famílias, quer para as empresas. E a definição de um regime estável para quando as empresas resolvem investir saibam que têm um regime que lhes permite fazer um planeamento a médio longo prazo. Isso tarda a acontecer e, neste mandato, o governo deixou o IRC ficar pelo caminho. Isso é um bom exemplo. Criando-se uma expetativa de ir ao encontro da atratividade do investimento, uma das realidades que se pode conhecer na situação portuguesa é que o país ainda não conseguiu atrair investimento público e privado em quantidade suficiente que torne sustentável as contas para o futuro. A linha da sustentabilidade é precisamente criar um modelo que assente em criar a possibilidade das empresas terem maior competitividade externa, com custos de contexto mais favoráveis e, assim, criando emprego mais estável. Qualquer empresa deseja ter bons trabalhadores e mantê-los por muitos anos. Há estudos que foram feitos que concluíram que a simpres redução da morosidade na justiça tem um impacto económico brutal, no que diz respeito à criação de emprego, à gestão dos contratos, à fixação dos preços.

 

Foi ministro e teve um papel ativo na governação do nosso país. Vê-se a voltar a ter um papel mais ativo na política a médio prazo?

A minha vida foi sempre feita numa dimensão de intervenção cívica. Ou seja, eu não sou um político profissional; sou um advogado e estou na política. Quem está apenas numa profissão, desgarrado da dimensão social, na minha opinião, acaba por ser mais pobre. Por isso, considero ser importante que, a dada altura, se concilie as ideias que temos e as críticas que fazemos com a obrigação de as tentarmos aplicar. Fi-lo enquanto ministro da Justiça, fi-lo enquanto ministro da Defesa Nacional e estou ciente das dificuldades dessa conciliação. Estou focado agora no desenvolvimento estratégico da sociedade; aliás, ao longo destes anos, a sociedade foi crescendo não obstante as minhas intervenções de natureza cívica. No futuro, não tenho o plano de responder à pergunta de forma positiva mas nunca deixo de estar aberto à avaliação de uma oportunidade desde que ela vá ao encontro daquilo que eu entendo, isto é, dar o meu contributo para, naquela área específica, resolver os problemas estruturais, tendo em conta a minha visão sobre as coisas.

 

Não se identifica com a noção de político profissional? A profissionalização da política traria melhores políticos ou, pelo contrário, a política deve ser feita como serviço cívico?

Há funções que têm de ser exercidas numa dimensão profissional.

 

Por exemplo, deputado?

Deputado não faz sentido nenhum, nem ministro…

 

Estamos a ir longe de mais no tema das incompatibilidades dos deputados?

Não tenho problemas em responder afirmativamente. Acho que é absolutamente fundamental que se seja muito rigoroso no que diz respeito à transparência, à fiscalização e à punição a quem viola regras de conflitos de interesses. Mas precisamos de deputados que estejam no mundo real. Tem de ser. Para mim é uma aberração pensar-se num deputado que não mantenha uma atividade profissional. Com isso iriamos diminuir a qualidade dos agentes políticos e diminuir a representatividade em relação à cidadania. Só com a intervenção dos melhores, dos mais competentes e daqueles que sabem é que podemos ter uma melhoria na qualidade da intervenção política. Em democracia é assim. Dá um trabalho terrível, mas se nós deixarmos sempre para os outros o trabalho que não queremos fazer, é evidente que a qualidade do trabalho vai estar sempre baixa.

 

Ou seja, um regime rigoroso de incompatibilidades dos deputados, no fundo, só interessará a quem vive da política?

É evidente. Isso é negativo. Essas pessoas serão correias de transmissão de qualquer diretório político-partidário e o pior que podemos ter é, na estrutura do Estado, alguns que só vivam dessa correia de transmissão e que sejam puros papagaios daquilo que as direções partidárias digam.

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