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Preços de transferência na cadeia de valor das empresas do setor energético

A cadeia de valor das empresas das diferentes ‘utilities’ da energia encontra-se num momento desafiante pela interação de diferentes variáveis que afetam as áreas de atuação da mesma, como são a pressão regulatória, política, digital e liberalização dos mercados, entre outras.
26 Outubro 2019, 16h00

A cadeia de valor das empresas das diferentes utilities da energia encontra-se num momento desafiante pela interação de diferentes variáveis que afetam as áreas de atuação da mesma, como são a pressão regulatória, política, digital, liberalização dos mercados, entre outros, o que tem vindo a colocar obstáculos aos diferentes players ao nível da sua estrutura de gastos e eficiência das operações. Ao mesmo tempo, estas tendências são igualmente encaradas como oportunidades para transformar e flexibilizar processos eminentemente analógicos em digitais, tornar a organização mais eficiente e linear, bem como desenvolver uma oferta mais inovadora e alicerçar o relacionamento com os clientes.

Todo este panorama setorial aliado ao enquadramento fiscal post-BEPS, apresenta diversos desafios à navegação sobre como conjugar os diferentes aspetos, mantendo a competitividade das empresas no mercado e, ao mesmo tempo, promover a eficiência do modelo operacional em cumprimento com as normas fiscais e, no fim do dia, manter o fluxo de valor criado aos acionistas.

Atendendo à natureza de capital intensivo do setor energético no geral, o financiamento dos projetos de investimento ao longo de toda a cadeia de valor continuará a ter um papel crítico para a indústria e naturalmente para o valor atualizado líquido (VAL) dos mesmos, sendo fulcral a definição de estruturas de capital de mercado, alinhadas com o setor, com substância económica e, paralelamente, tenham em atenção aos desiguais limites relativos à dedução de encargos financeiros nos países onde as empresas operam, muitos deles revistos no âmbito do projeto ATAD. Ao mesmo tempo, sendo a redução de dívida, e consequente redução de ratings, uma preocupação setorial, importa explorar as opções de financiamento no seio dos grupos económicos, ou seja, aproveitando os excedentes em empresas do mesmo para financiar as carências de outras e assim reduzir o grau de alavancagem do grupo.

Do lado da produção observa-se que a distinção entre serviços de elevado valor acrescentado e propriedade intelectual (PI) do ponto de vista de preços de transferência é ainda uma área cinzenta, que coloca questões quanto à caraterização das mesmas e como deverão ser remuneradas de forma consistente com o princípio de plena concorrência. Neste contexto, poderá fazer sentido avaliar contribuições relativas e ponderar metodologias de fracionamento do lucro para remunerar situações em que várias entidades relacionadas unem esforços na conceção de PI.

Ao nível do aprovisionamento, as funções de compras (procurement) ou trading têm vindo a ser crescentemente vistas, por parte de diversas autoridades fiscais, como atividades de valor acrescentado, pelo que se torna fundamental, pela dimensão que esta função pode assumir em diversas organizações do setor, uma correta caraterização das operações e um (re)alinhamento da remuneração com o benefício económico proporcionado e valor global gerado para a cadeia de valor. Neste particular, entram na equação a avaliação de quem é responsável pela tomada de decisões estratégicas, bem como quem suporta e controla os riscos inerentes.

Relativamente às atividades de transporte e distribuição de utilities – tipicamente com remuneração regulada – podem ser suscitadas questões de preços de transferência, por um lado, nos aspetos acima referidos particularmente no que toca à eficiência operacional e fiscal do financiamento do ciclo de exploração e, por outro lado, nos impactos decorrentes da digitalização do modelo operacional energético, como por exemplo na adoção de tecnologia na gestão, integração e monitorização das redes de transporte e distribuição. Colocam-se assim desafios no âmbito da definição de políticas de preços de transferência nas prestações de serviços de gestão digital remota de redes de transporte/distribuição de utilities, operações de redes inteligentes, no contexto do desenvolvimento de PI para essa mesma gestão digital (funções DEMPE, de desenvolvimento, melhoramento, manutenção, proteção e exploração de intangíveis) ou inclusivamente no tratamento de volumes de informação recolhida da operação para suportar a tomada de decisões estratégicas.

No plano da comercialização de utilities, a digitalização dos modelos de negócio e a tecnologia são vistas como um fator criticamente potenciador da operação e aproximador dos consumidores. Nos mercados liberalizados onde a concorrência entre operadores ao nível da oferta e de preços é feroz, a digitalização, e a recolha e tratamento dos dados que esta proporciona, tem um papel crítico na gestão do processo de faturação e cobrança aos clientes, no desenvolvimento de novas ofertas e produtos inovadores à medida dos consumidores, captando novas adesões e estancando a fuga de clientes para os concorrentes. Num contexto de partes relacionadas, podem ser avaliados diversos aspetos, como por exemplo, quais as entidades desenvolvem as funções de maior valor acrescentado no segmento comercial, quem contribui para as funções DEMPE da PI desenvolvida a este nível e como é remunerada (caso não seja subcontratado o desenvolvimento a terceiros independentes), de que forma são rentabilizados os excedentes de tesouraria junto de aplicações ao nível do grupo económico.

Em suma, num momento em que as empresas mais maduras e com posições historicamente dominantes no setor energético têm sido cada vez mais colocadas à prova, parece claro que apenas as empresas com fortes preocupações de eficiência operacional dos modelos de negócios estarão mais aptas a competir no mundo de negócios atual, quer seja na vertente técnica, digital, eficiência de processos ou no espetro fiscal.

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