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Presidente da WIPO diz que identidade cultural do vinho do Porto é uma das mais ameaçadas

Até esta quarta-feira, decorre em Lisboa o Simpósio Mundial sobre Indicações Geográficas, organizado pela WIPO (World Intellectual Property Organization). Em entrevista ao Jornal Económico, o diretor da WIPO, Francis Gurry, explica a importância da proteção jurídica das indicações geográficas e nas denominações de origem na proteção dos produtos originais e fala sobre os desafios que se colocam, sobretudo aos produtos vinícolas portugueses, para garantir a sua utilização exclusiva por agentes económicos certificados, evitando o plágio.
3 Julho 2019, 07h43

O Simpósio Mundial sobre Indicações Geográficas, organizado pela WIPO (World Intellectual Property Organization), que decorre até esta quarta-feira no Pátio da Galé, trouxe a Lisboa o tema indicações geográficas e nas denominações de origem. O que é isso?

É uma área muito específica que certifica que um produto tem o nome da região local em que é produzido. É o caso do vinho do Porto e do vinho da Madeira. O produto detém os atributos ou algumas proteções jurídicas conferidas por estas certificações incidem sobre as características da geografia onde o produto é produzido, como o solo, o clima e as técnicas usadas para o seu fabrico. Estas certificações dão valor comercial à diversidade num mundo globalizado. Assim, as pessoas deixam de produzir vinho do Porto, por exemplo, na China. É uma proteção jurídica assegura que o produto é único.

Essa proteção está inserida no sistema de propriedade intelectual. Quais são os principais objetivos deste sistema?

Um dos grandes princípios do sistema de propriedade intelectual que é o de conferir crédito ao criador de uma ideia ou uma invenção. No contexto económico, este sistema proporciona um incentivo ao investimento de tempo, esforço e dinheiro, bem como pesquisa e desenvolvimento em inovação e criatividade.

Como é protegida a propriedade intelectual dos produtos em diferentes áreas?

Este sistema aplica-se a várias áreas da economia, quer seja agricultura, indústria ou economia digital. O investimento em inovação é uma vantagem competitiva e este sistema protege essa vantagem competitiva. Se um país investir numa ideia nova, a propriedade intelectual vai permitir que ele comercialize essa ideia em vez de outro qualquer, que não fez o investimento e que apenas ‘roubou’ a ideia e começou também a produzi-la. Na área artística, como é o caso da literatura, música ou fotografia, o autor da criação artística tem direito a controlar a exportação do seu trabalho, da sua criação. Esse é o princípio básico do sistema de propriedade intelectual, encorajando assim a inovação e criatividade.

Quais são os produtos portugueses mais ameaçados?

Os vinhos portugueses (tinto, verde e branco), os diferentes tipos de queijos e de carnes processadas. Há ainda também alguns trajes específicos de Portugal.

De que forma este sistema pode ajudar ao desenvolvimento crescimento económico, cultural e social dos diferentes países?

Se olharmos para a maioria dos países agora, vemos que a inovação é um parte central no seu plano económico estratégico, tendo em conta as suas vantagens competitivas. É o caso dos Estados Unidos, da China, do Japão, da Alemanha e de muitos outros. O fenómeno de copiar produções alheias existe, mas existe uma diferença entre aquilo que é a cópia legítima e a cópia ilegítima. A propriedade intelectual protege-nos de ‘predadores’ e assegura que não haja investimento em cópias ilegítimas. Se tivermos esse incentivo ou encorajamento para investirmos em pesquisa e desenvolvimento e para apostarmos na inovação, temos uma economia muito mais competitiva. Por exemplo, no caso português, a ideia é que não haja mais ninguém a produzir vinho do Porto que não seja dessa área geográfica demarcada e que utilize o nome da marca sem ser o criador da ideia. Estamos a proteger a vantagem competitiva desses produtos e a sua reputação, que foi desenvolvida pelo investimento e esforço de gerações.

Este sistema funciona como uma espécie de garantia de proteção dessa vantagem competitiva.

Exatamente. Há alguns anos conheci Rubik que desenvolveu o famoso cubo mágico. Essa foi a primeira invenção enquanto jovem e não garantir a proteção dos direitos da sua invenção em todo o mundo. Apenas conseguiu na Europa e nos Estados Unidos. Os asiáticos ficaram, obviamente, obcecados com o cubo de Rubik, mas ele não tinha proteção sob a sua criação aí e, por isso, os asiáticos puderam fazer e vender miniaturas de cubo de Rubik e sem qualquer esforço. O custo de produção pode ser reproduzido numa fração de segundos e tudo o esforço feito pelos criadores de uma ideia pode ser roubado.

Esse é um dos grandes dramas na economia digital?

Especialmente para os criadores de arte, como música e filmes. Pensemos nos custos financeiros para produzir um filme, bem como no esforço despendido e o tempo de produção. Pode levar anos e custar muito dinheiro, mas esse mesmo filme pode ser copiado num segundo. Esta diferença entre o custo de produção e o custo de reprodução é muito vulnerável na economia digital. A propriedade intelectual está a desempenhar um papel de encorajar o investimento, porque as empresas vão receber alguma forma de proteção pelo seu esforço. A eficiência e a eficácia dessa proteção são uma questão diferente, mas as empresas recebem proteção pelo seu esforço. Vamos pensar isto no caso das startups. Há uma ideia, concebem-na e depois há um longo trabalho de levar essa ideia ao mercado para conseguir investidores. É um processo muito longo e a propriedade intelectual dá uma proteção entre o tortuoso e perigoso caminho que vai desde a criação da ideia à sua exposição no mercado.

De que forma a tecnologia interfere nesse processo?

A tecnologia é a base da vantagem competitiva nos dias de hoje. Uma quinta pode obter melhores resultados com a sua colheita se tiver acesso a melhor tecnologia. O processo pode também vir a ser mais barato. Um produto pode ser mais atraente para os consumidores devido ao seu design mais atraente ou devido à sua funcionalidade e interesse. Isso dá aos países e às empresas uma vantagem face aos outros concorrentes no mercado.

Quais são os principais desafios para os países em desenvolvimento?

Um dos grandes desafios para os países em desenvolvimento é investir no desenvolvimento de capacidade tecnológica. Porquê? Porque esses países têm outras prioridades. Eles não estão a pensar em fazer produtos para mercados de luxo, quando têm dificuldade de acesso a água potável ou problemas com saneamento e cuidados de saúde. É uma questão de prioridades. Em alguns aspetos, tecnologia destina-se a atividades básicas, como criar uma sociedade mais saudável e com menos pobreza. Esse é um dos desafios: fazer com que a criação de produtos novos se torne uma prioridade. Em segundo lugar, temos de considerar que os seres humanos são iguais em toda a parte do mundo. Não há seres humanos mais nem menos criativos em diferentes países. A diferença está na oportunidade. Em muitas regiões de mundo, temos conteúdos muito ricos, mas distribuição muito pobre. É o caso dos dançarinos e artistas de África. São imensos, mas não estão disponíveis no YouTube ou no Spotify. Há uma lacuna na distribuição e é aí que a propriedade intelectual pode atuar, providenciando sistemas para eles liderem com a comercialização da produção criativa.

De que forma podem ser ultrapassadas essas adversidades?

Estes são desafios de longo prazo e é algo que tem de vir no sistema educacional. Vejamos os países que conseguiram esse desenvolvimento de uma forma rápida: China, Coreia do Sul, Singapura, entre outros. Levou anos a atingirem o patamar em que estão hoje. Para a política habitual, num país em desenvolvimento, é difícil prometer que uma economia se vai tornar competitiva em apenas cinco anos. Tem de ser definidas prioridades e pensar que é um projeto a longo prazo, além do horizonte temporal de uma legislatura.

A tecnologia em constante desenvolvimento é também um desafio para estes países?

Sim. A tecnologia muda a um ritmo tão rápido que é difícil acompanhar os desenvolvimentos. É fácil apanhar os líderes no setor quando estes estão estáticos, mas quando estes estão também em constante movimento torna-se mais difícil. Os Estados Unidos investiram 540 mil milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento. A China investiu 400 mil milhões de dólares. É mais do que o PIB de 67 países. Isso significa que 67 países têm menos para investir em saúde, educação, infraestruturas rodoviárias, defesa, segurança. Mas estes dois países estão a investir na criação de novos conhecimentos. A diferença são enormes e resultam em diferenças grandes em termos de proteção. Há um grande risco de que isto pior em vez de melhorar.

Em que países é que a propriedade intelectual suscita mais interesse?

As economias europeias são as mais interessadas nesta temática. Com a abertura do mercado, as indicações geográficas e denominações de origem ajudam a segmentar o mercado. Protege e certifica os produtos mesmo que o seu custo possa ser mais alto. A procura crescente por estes produtos é uma resposta à globalização. Primeiro porque a globalização trouxe a possibilidade de comercializar esses produtos e também criou uma vulnerabilidade para esses mesmos produtos, no sentido em que qualquer um pode imitá-los.

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