A realidade é muitas vezes difícil e por isso recorremos com frequência a estratégias engenhosas para suavizar o impacto dessa dificuldade. Algumas vezes pura e simplesmente não enfrentando a realidade.

O sistema financeiro não é exceção e também aí empregamos muitas estratégias que nos afastam das agruras da realidade.

Em lugar de destaque surge o “depósito” bancário e a ilusão de que o banco de alguma forma fica com o dinheiro guardado à espera que um dia o peçamos de volta. Aliás os juristas estão alinhados no esquema e desencantaram aquilo a que chamam o “depósito irregular”, uma espécie de solteiro casado que prolonga a ilusão para o âmbito jurídico.

É aliás uma doce ilusão que dissimula o que na verdade é um empréstimo que estamos a fazer ao banco, ficando expostos aos diversos riscos a que este está exposto.

Em paralelo com esta representação temos também o fundo de garantia de depósitos. Não há que temer os riscos a que o banco está exposto pois o reembolso do depósito está garantido até 100.000 euros.

Estamos é claro perante outra mistificação: a 31 de dezembro de 2016, os depósitos de titulares elegíveis até ao referido limite totalizavam 129.648 milhões de euros, sendo que os recursos próprios do fundo eram à mesma data de aproximadamente 1.549 milhões de euros (1,19%). Perante a falta de recursos próprios do fundo aquando do seu acionamento são necessárias contribuições especiais dos restantes bancos, montantes esses quase certamente financiados por dívida pública ou garantidos pelo Estado.

No fundo, o empréstimo ao banco está “garantido” por dívida pública futura, sendo que desde 2011 temos sido confrontados com a dura realidade dos limites ao endividamento do Estado.

Por linhas semelhantes se cose a proteção face a crises bancárias e a robustez dos mecanismos de resolução: a estabilidade do sistema financeiro e a capacidade de endividamento do Estado acabam também aqui por estar intimamente ligadas.

A representação do mercado de capitais da perspetiva do investimento também contribui para que muitos não tenham plena consciência das realidades subjacentes. Ao investir em obrigações também está a emprestar dinheiro, por regra com a obrigação de reembolso pelo beneficiário. O investimento em ações tem aliás a agravante de que o beneficiário não tem sequer a obrigação de lhe devolver o dinheiro.

Se a mente humana média já tem distorções que dificultam a apreensão das realidades financeiras estas estratégias fragilizam ainda mais a posição dos clientes.

Mesmo sem entrar no debate sobre se as ilusões em causa são autoimpostas para permitir uma vivência sem sobressaltos ou se foram criadas para aproveitamento dos clientes, a verdade é que temos de enfrentar a realidade, para que os clientes do sistema financeiro se defendam, tomando as decisões que mais se alinham com o seu interesse e topando as prestidigitações.