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Luís Todo Bom: “Se tenho escrito este livro há mais anos, tinha adivinhado o desmoronamento do GES”

Luís Todo Bom, primeiro presidente da PT e atual CEO da Angopartners, foi o convidado da última edição do programa “Primeira Pessoa”, da plataforma JE TV. “Se somarmos a complexidade da família com a complexidade dos negócios do grupo familiar e subtrairmos o modelo organizativo, daqui nós temos o risco estrutural”, referiu a propósito do GES.
22 Outubro 2020, 08h00

Luís Todo Bom explica que atualmente há modelos de avaliação do risco estrutural de empresas familiares que permitem antecipar graves problemas, como o desmoronamento do Grupo Espírito Santo. Sobre a primeira privatização da PT, também revelou ao JE que “foi muito difícil vender a PT. Agora já se pode dizer isto”.

Teve oportunidade de fazer uma das maiores fusões, integrando a holding CN – Comunicações Nacionais, os TLP, a então Telecom Portugal,  a Marconi e depois a TDP – Teledifusora de Portugal, no que veio a ser a Portugal Telecom, de que foi o primeiro presidente. Entre o grupo de acionistas da PT, esteve um grupo de origens familiares, que manteve sempre uma estrutura de gestão familiar, apesar de tê-lo feito através de uma holding – o GES – Grupo Espírito Santo – que acabou por ser a causa do desmoronamento do grande grupo de telecomunicações formado por si. Até aí se o seu percurso se cruzou com a atividade desse grupo familiar, numa história que não acabou bem. Que comentário faz a esta situação?

O GES assumiu uma posição predominante na PT depois de eu ter saído da PT. Enquanto fui presidente, era 100% do Estado. Depois fiz a primeira privatização da PT na bolsa portuguesa e em Nova Iorque. Eu não fiz a maior fusão nas telecomunicações: fiz a maior fusão em Portugal. E na privatização fiz o road show mais intenso da Merrill Lynch em Portugal, porque fizemos a privatização simultaneamente na Bolsa de Nova Iorque e em Portugal.

Salvo erro, com um track record que só teve um relatório e contas…

Sim. A empresa tinha acabado de ser constituída e nós tínhamos documentos pro forma e fizemos uma junção das outras, mas não havia um relatório e contas consolidado e auditado para fazer a privatização. Foi muito difícil vender a PT. Agora já se pode dizer isto. Nessa altura o GES tinha uma participação minoritária. Não era relevante. A maior parte das ações foram colocadas em fundos de investimento americanos. Depois houve mais privatizações e de facto o GES e algumas empresas satélite passaram a ter uma posição dominante na PT. Há um modelo que o meu livro apresenta que é o chamado modelo do risco estrutural. Quando eu estava a escrever o livro só dizia: se tenho escrito este livro há mais anos, tinha adivinhado o desmoronamento do GES. Porque este modelo diz o seguinte: se somarmos a complexidade da família com a complexidade dos negócios do grupo familiar e subtrairmos o modelo organizativo, daqui nós temos o risco estrutural. Portanto, o GES tinha a maior complexidade de família possível; a maior complexidade de negócios possível; tinha negócios de vários sectores em todo o mundo e o problema é que se fizermos variar entre 1 e 5 a complexidade da família e a complexidade dos negócios, como o modelo organizativo só varia entre 1 e 8, portanto, se tiver 5 mais 5, menos oito, temos um risco estrutural igual a 2 e o risco estrutural é definido como a probabilidade de um pequeno incidente causar o desmoronamento do grupo empresarial. Que foi o que aconteceu. Mas o desmoronamento de um grupo familiar com uma grande complexidade de negócios, depois leva ao desmoronamento dos negócios onde o grupo está. E é uma destruição de valor brutal. Brutal. Por isso é que, em todas as empresas onde tenho estado, a minha primeira preocupação é avaliar o risco estrutural. Se a empresa tem algum risco estrutural razoável temos de reduzi-lo. Já fiz isso em algumas empresas, com algum sucesso – devo dizer.

Até por via desse modelo, que tem uma análise científica confirmada, se poderia prever a evolução que aconteceu no GES. Até para quem acompanhasse essa área de negócios familiares era um futuro previsível…

Era. Um outro autor, Gimeno, descreveu este modelo há três ou quatro anos. Este modelo não é muito antigo. Provavelmente, ele também o escreveu a partir da observação e de alguns estudos de caso que foram levando a esta confirmação. Mas volto a dizer: segundo o tal conceito de familiness, quando a interação entre a família e a empresa é boa, os grupos familiares são excecionais. Em termos de produtividade e em termos de performance, em termos de estabilidade e de resiliência. Os grupos familiares resistem melhor. Nesta crise pandémica em que estamos a viver, vamos verificar que os grupos familiares vão resistir melhor que alguns grupos não familiares.

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