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Provisões e Polónia são os dois ‘P’ que vão marcar os resultados do BCP

Resiliência face à conjuntura adversa e um “progresso sólido” na redução do malparado (NPE) são os pontos fortes esperados para a apresentação dos resultados do maior banco privado português e o único cotado em bolsa. Os pontos negativos podem vir das provisões Covid, dos custos dos acordos na Polónia e da reavaliação dos fundos de reestruturação da ECS.
  • Miguel A. Lopes/Lusa
25 Fevereiro 2021, 08h15

Um ano depois do melhor resultado em 12 anos, o Millennium BCP apresenta os seus resultados anuais nesta quinta-feira dia 25, e prepara-se para acompanhar o sector bancário nas quedas históricas dos lucros por causa das imparidades e provisões para acomodar o impacto esperado da pandemia Covid-19 na qualidade da carteira de crédito. O que aliás já tinha acontecido nos números dos primeiros nove meses de 2020, em que o banco liderado por Miguel Maya reportou lucros 146,3 milhões de euros, o que representou uma queda de 45,9% face ao mesmo período do ano anterior.

Os analistas da Bloomberg estimam que o BCP deve alcançar lucros de 180,3 milhões de euros em 2020, em linha com as estimativas do CaixaBank/BPI que prevê lucros de 178 milhões.

A previsão de 10 analistas consultados pela Bloomberg contrasta com os 302 milhões de lucros obtidos em 2019.

Qual é o tema do BCP? Desde logo, o Millennium Bank na Polónia, onde o BCP tem 50,1%. Uma recente notícia da Bloomberg revelava que o acordo proposto pelos reguladores polacos para resolver os créditos em francos suíços do Millennium Bank poderá custar entre 900 milhões e 1,1 mil milhões de euros. Isto é, o Bank Millennium arrisca a um custo potencial entre 4,1 e 5,1 mil milhões de zlótis (entre 900 e 1.100 milhões de euros) ao longo dos próximos anos.

Os acordos nos créditos em moeda estrangeira na Polónia podem custar 239 milhões ao BCP, que é dono de 50,1% da filial polaca e  pode representar uma deterioração do rácio de capital do banco português em mais de 100 pontos base, considerando os custos a assumir em 15 anos, segundo uma nota de research do CaixaBank BPI, entretanto divulgada.

Na nota a analisar esta notícia, o BPI estima que estes montantes representem entre 20% a 25% da exposição original do Bank Millennium a créditos concedidos em moeda estrangeira. Assumindo que as perdas totais (equivalentes a 25% da exposição original aos créditos em francos suíços) vão ser pagas ao longo dos próximos 15 anos, o CaixaBank/BPI calcula que tal se traduza num valor presente líquido (NPV) de 469 milhões, dos quais 239 milhões de euros atribuíveis ao BCP.

O CaixaBank/BPI calcula ainda que a proposta do regulador para resolver o acordo poderá ter um impacto negativo entre 430-567 pontos base no rácio CET1 do Bank Millennium e um impacto negativo entre 115-152 pontos base no rácio CET1 do BCP. Em setembro de 2020, o Bank Millennuim e o BCP reportaram rácios CET1 de 16,5% e 12,4%, respetivamente.

Tal como aconteceu nos resultados do terceiro trimestre, o lucro do BCP foi essencialmente penalizado pelo aumento das imparidades do crédito, líquido de recuperações, que subiram 25%, face a igual período do ano anterior, para 374,2 milhões de euros. Já as outras imparidades e provisões subiram no mesmo período 126%, para 176,4 milhões de euros.

Miguel Maya, presidente executivo do BCP, explicou na altura que o reforço das imparidades “reflectem duas realidades distintas”. Por um lado, reflectiram “uma antecipação do impacto [da Covid-19] na economia” e, por outro lado, “o tema judicial na Polónia por causa dos francos suíços”, que levaram o banco a registar imparidades e provisões de 67,2 milhões de euros.

Até setembro o BCP anunciou que as imparidades para o crédito subiram 25% para 374 milhões de euros, com Miguel Maya a revelar que o banco tem feito uma análise cliente a cliente, “muito granular”, no sentido de verificar as condições de cumprimento do crédito.

Como pontos positivos das contas do BCP a aposta vai para a resiliência do banco face à conjuntura adversa, com um “progresso sólido” na redução do malparado (NPE).

Não nos podemos esquecer que em 2019 o BCP anunciou uma redução de 1,3 mil milhões de euros de NPE (crédito não produtivo) para 4,2 mil milhões, sendo que só em Portugal o crédito incobrável caiu 1,6 mil milhões para 3,2 mil milhões de euros.

Nas contas dos nove meses até setembro de 2020, o BCP reportou que tinha 7 mil milhões de euros em NPE, o que significa uma redução de 20,4% face ao ano anterior. Desde junho de 2020 até setembro, o banco liderado por Miguel Maya reduziu os NPE em 270 milhões de euros.

Em setembro o BCP apresentou um rácio de cobertura total de NPE de 112%, acima dos 107% registados no ano anterior, e um rácio de cobertura de NPE por imparidade de 62%. Em Portugal, o rácio de NPE caiu de 9,9% para 7% em setembro de 2020. Em termos consolidados o rácio de NPE sobre o total da carteira em setembro era de 6,5% (face a 8,4% um ano antes).

Na conta de resultados, em termos de receitas o banco tinha registado uma queda do produto bancário até setembro  pressionada pela queda homóloga da margem financeira. As comissões também já não puxam a carroça, e portanto o foco do banco vai ser o corte de custos, nomeadamente a redução do quadro de pessoal.

No balanço tanto os depósitos como os empréstimos aumentaram até setembro, tendência que deverá manter-se no quarto trimestre.

Fundos de reestruturação vão gerar perdas?

O tema dos fundos de reestruturação é uma incógnita. Mas o facto de a ECS ter posto à venda os fundos FLIT, Fundo de Recuperação Turismo e Fundo de Recuperação pode traduzir-se em perdas para o BCP por causa do valor a que estão contabilizados estes fundos no balanço.

Não sabemos se o impacto ainda se vai sentir nas contas de 2020, mas as propostas de compra, abaixo do Net Asset Value (NAV) dos fundos da ECS, podem impor uma reavaliação do activo no balanço do banco, uma vez que as propostas, são por si só, um “valor de mercado”. O BCE e as auditoras costumam forçar à reavaliação do valor das unidades de participação destes fundos. A título de exemplo o Novo Banco registou perdas de 260 milhões de euros com essa reavaliação.

O BCP tem os fundos avaliados a um valor próximo do valor atribuído pela ECS, segundo fontes.

No FLIT-Ptrel SICAV, que foi constituído em 2011, as unidades de participação são 29,7% do Millennium BCP. Neste fundo o net asset value é de 759 milhões de euros. O BCP tem registado no balanço do banco o fundo FLIT ao valor de 751 milhões de euros.

No que toca à sua participação, o BCP, no fundo FLIT-PTREL reportou a 31 de dezembro de 2019 um valor bruto de 285,508 milhões de euros e um valor líquido de 239,767 milhões de euros, depois de registar imparidades de 45,741 milhões de euros. O capital subscrito era à data de 241,358 milhões de euros, igual ao capital realizado.

Mas a 30 de junho de 2020 o valor bruto da exposição do BCP ao FLIT-PTREL é de 286,164 milhões de euros. Sendo o valor líquido de 223,091 milhões euros depois de imparidades de 63,073 milhões de euros.

Noutro fundo da ECS Capital, o Fundo Recuperação Turismo, a distribuição das unidades de participação, dá ao BCP 38,9% do fundo. O net asset value dado pela ECS a este fundo é de 526 milhões de euros, segundo as nossas fontes, e o BCP tem o fundo contabilizado no balanço ao valor global de 494 milhões.

No relatório e contas de 2019, para este Fundo Recuperação Turismo, onde o banco tem títulos sénior e júnior, o valor bruto da exposição somava 308,916 milhões. As imparidades registadas eram de 84.029 milhões pelo que a exposição tinha um valor líquido de 224,887 milhões. O BCP reporta que o capital subscrito deste fundo era 292 milhões de euros; o capital realizado 276,246  milhões e o capital subscrito e não realizado a 31 de dezembro de 2019 era de 15,754 milhões de euros.

Em junho de 2020 o valor bruto da exposição do BCP a este fundo era de 309,701 milhões de euros, e a imparidade constituída somava 117,580 milhões pelo que o valor líquido era de 192,121 milhões.

No outro fundo, não foi possível obter o valor do NAV e o valor a que o banco avalia o Fundo Recuperação. Mas segundo os relatórios e conta, o BCP tinha registado em 2019, uma exposição ao Fundo Recuperação – FCR de 270,688 milhões (valor bruto). Tendo constituído imparidades de 184,443 milhões, o que pôs o valor líquido da exposição em 86,245 milhões.  O capital subscrito neste fundo é 206,805 milhões de euros a 31 de dezembro de 2019; sendo o capital realizado: 187,742 milhões e o capital subscrito e não realizado de 19,063 milhões.

“O valor contabilístico destes ativos resultou da última comunicação por parte da respetiva Sociedade Gestora relativamente ao Valor Líquido Global do Fundo (NAV) o qual, em 31 de dezembro de 2019, corresponde ao NAV com referência a essa data”, explica o BCP.

Já no relatório de junho de 2020, o BCP reporta um valor bruto da sua exposição ao Fundo Recuperação – FCR  de 271,958 milhões. Tendo registado uma imparidade no valor de 193,563 milhões o que se traduz num valor líquido da participação neste fundo de 78,395 milhões de euros.

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