[weglot_switcher]

Quais são os principais desafios das finanças públicas em Portugal?

O principal desafio das finanças públicas em Portugal continua a ser a sua sustentabilidade. Primeiro, voltando a controlar o défice orçamental; depois, reduzindo a dívida pública. Subjacente, em todos os comentários, a necessidade de maior crescimento económico, o tema do primeiro desafio, o da competitividade, abordado nas páginas anteriores.
17 Setembro 2021, 12h21

João César das Neves
Professor na Universidade Católica

“Portugal está de novo em emergência orçamental. O consulado Centeno fez da austeridade motivo de orgulho, erigindo paradoxalmente a redução do défice em virtude suprema de um governo socialista apoiado à esquerda. Agora, após o vírus, com valores orçamentais piores que em 2015 e a terceira dívida pública mais alta da União, estamos de novo em zona de perigo de crise financeira.
A derrocada ainda é evitada pela generosa política do Banco Central Europeu, mantendo as taxas de juro em níveis mínimos. Logo que esta termine, por subida da inflação, o desequilíbrio estrutural das nossas contas públicas ficará patente.
O maior desafio das Finanças será, pois, manter a linha de política dos últimos anos. O país, que passou uma década a ouvir como o esforço resultava e o défice desaparecia, não gostará de ser informado que tudo tem de recomeçar. Pior, hoje a retórica mudou, e o sucesso mede-se, não por virtude orçamental, mas de novo pelas maravilhas dos fundos estruturais, agora no Programa de Recuperação e Resiliência. Os sucessores de Centeno não conseguirão revender a sua estratégia, tão urgente agora como em 2015.
Por outro lado, o truque de fazer austeridade sem parecer austero também acabou. O milagre do equilíbrio orçamental indolor foi conseguido subindo impostos e cortando despesas de funcionamento e investimento. A estratégia era evidentemente insustentável e realmente ilusória. Agora, com os serviços depauperados, a carga fiscal em máximos históricos e pior dívida de sempre, a situação é realmente pior que antes, até porque a maravilha do PRR não gerará crescimento empresarial imediato e implicará gastos do Estado.
Talvez o maior desafio seja explicar ao público que Portugal, dez anos após o último colapso e repetidas promessas de sucesso, está outra vez no buraco.”

João Duque
Professor no ISEG

“A resposta a esta pergunta que o Jornal Económico me colocou e a quem dou já os meus parabéns pelo quinquénio de vida é como o desenho da yield curve (estrutura temporal das taxas de juro): para cada prazo, o seu desafio.
A curto prazo há que reequilibrar rapidamente o orçamento corrente e de capital de modo a que o défice se anule. Note-se que não vale a pena tentar mecanismos sofistas e malabarismos contabilísticos que levam a desreconhecer despesas, embora se manifestem em dívida.
No médio e longo prazo há que começar a batalha da dívida acumulada. Esta é uma batalha a ganhar nos 15 anos subsequentes. Para isso temos de congelar a dívida em termos nominais e fazer crescer a economia em termos reais na ordem dos 3%-3,5% ao ano. Depois é esperar que se verifique uma taxa de inflação implícita no PIB [produto interno bruto] da ordem dos 2% de modo a que o PIB nominal cresça em 15 anos o suficiente para reduzir a dívida a 60% do PIB. Essa sim seria a meta a desejar para 2037, admitindo que reequilibramos o défice em 2022 e que não acarretamos para a dívida outros esqueletos escondidos ou a esconder, como a TAP.
Será impossível? Talvez. Com políticas que privilegiam o curto prazo, que privilegiam o emprego de baixo valor acrescentado em lugar da produtividade e do crescimento acelerado da economia, com políticas que não premeiam o trabalho, a produtividade e o risco, nunca lá chegaremos. Mas se não ambicionarmos dobrar o Bojador nunca o passaremos!”

Joaquim Miranda Sarmento
Professor no ISEG

“Desde 2001, quando Portugal foi objeto de um procedimento da Comissão Europeia por défices excessivos, as finanças públicas, e mais concretamente o défice orçamental e a dívida pública, estiveram demasiado presentes na vida e na discussão pública e política em Portugal. Digo demasiado presentes, porque não são um fim em si mesmo. São um instrumento das políticas públicas. O fim de qualquer política pública é proporcionar aos cidadãos as melhores condições de vida, um desenvolvimento sustentável.
A pandemia veio colocar esta discussão em pausa. Mas o tema continua a ser central, por três razões:
1) fraca qualidade da despesa pública;
2) fraca consolidação orçamental nos anos de crescimento económico entre 2016 e 2019;
3) elevada dívida pública, que antes da crise rondava os 120% do PIB e está agora acima dos 130%.
Creio que há três grandes desafios em termos de finanças públicas:
1) Um consenso orçamental, em que o equilíbrio das contas públicas seja condição essencial para as escolhas políticas sobre receita e despesa;
2) Uma maior eficiência da despesa pública, através de uma Reforma das Finanças Públicas, como tenho defendido desde há vários anos – permitirá melhores serviços públicos e reduzir ineficiências e desperdícios e com essas poupanças ir reduzindo a carga fiscal;
3) Uma consolidação orçamental estrutural e uma redução da dívida pública, que permita, com os pontos anteriores, que as Finanças Públicas possam ser usadas de forma contracíclica, sobretudo em momentos de crise, como aqueles que vivemos no ultimo ano e meio. Portugal foi um dos países que menos recursos públicos usou na resposta à pandemia (na saúde e na economia), exatamente pelo elevado nível de divida pública e a fraca consolidação orçamental dos últimos anos, assente em fatores temporários.”

Maria Rosa Borges
Professora no ISEG

“O principal desafio para as finanças públicas é, na minha perspetiva, a garantia da sua sustentabilidade, num cenário macroeconónico que se caracteriza por uma evolução da economia portuguesa modesta, que, com base nas projeções do Banco de Portugal, apenas recupera em 2022, da quebra de 7,6% registada em 2020.
A sustentabilidade não implica a inexistência de dívida, mas tão somente a capacidade de não a tornar excessiva, a ponto de poder entrar em default, risco corrido na crise de 2007/2008, mas que não parece ser provável no momento presente, não obstante o esforço orçamental realizado do lado da despesa nas medidas tomadas pelo Governo para a atenuar o impacto negativo da crise pandémica na economia e da queda das receitas, que a quebra na actividade económica incentivou.
Em todo o caso, a situação económica portuguesa apesar de dar sinais de recuperação, em virtude da progressiva abertura da economia e da sociedade, proporcionadas pelo sucesso da vacinação em massa dos portugueses contra a Covid -19, vai continuar a exigir algum esforço orçamental, não só porque algumas das medidas de combate à crise têm um caráter permanente, como o crescimento das receitas se perspetiva modesto, em linha com a evolução da economia, em particular com a evolução do setor dos serviços, nomeadamente do turismo, onde recaem muitas incertezas sobre a movimentação de pessoas entre países, sendo por isso de prever a manutenção de algum deficit orçamental, nos próximos anos.
Nestas circunstâncias, espera-se uma política orçamental conduzida com prudência, que controle as despesas correntes, mitigando-as com financiamento dos fundos europeus e que seja capaz de equilibrar os impactos na economia da retirada das medidas temporárias de apoio às empresas e às famílias e seus reflexos nas receitas com a sustentabilidade das finanças públicas. A divida pública permanece elevada e a necessidade de ter saldos primários positivos será sempre uma emergência.”

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.