As imagens e os comentários que nos chegam do Afeganistão deixam-nos – a nós europeus e ocidentais – perplexos, impotentes e revoltados. Afinal, há uma população abandonada e irá perder-se uma relativa liberdade religiosa e social conquistada ao longo de 20 anos. Mas será que a leitura é tão simples como isso?

A primeira questão que se coloca é perceber por que razão a polícia e o exército desertaram, abandonaram os cidadãos e, em particular, as mulheres à sua sorte. Essa é questão mais simples: no Afeganistão não há coesão nacional, o que há são tribos e estas valem mais do que uma entidade a que se deveria chamar Nação. Logo, tudo o que vá para além da tribo não conta e as mulheres são a menor das preocupações.

É uma infelicidade mas os direitos elementares de género ainda terão muito caminho para percorrer. Aquilo em que pensamos é nos ideais da Europa e do mundo ocidental, e isso significa liberdade plena em termos de género para um quinto da população. Os restantes quatro quintos continuam muito próximos da Idade Média, com destaque para grande parte das sociedades africanas.

Voltando ao Afeganistão, a etnia pashtun é aquela que predomina no país (cerca de 40% da população) e é dela que emana a maior parte dos Talibãs, que contam com o apoio do Paquistão, ou melhor, dos serviços de informação paquistaneses.

Os Talibãs são uma força organizada e com moral elevada, ao contrário dos cerca de 250 mil militares regulares que fugiram em nome do interesse tribal, da cobardia e do medo. Mas os Talibã, que perceberam que não precisam de ganhar a guerra aos americanos – basta esperar e os próprios americanos abandonem os territórios por cansaço, exaustão e questões orçamentais – não terão uma vida fácil.

Desde logo, porque terão oposição civil nas cidades e terão de recorrer à força e aos assassinatos para manter o controlo, enquanto no campo militar os esperam guerras intestinas com o “senhores da guerra” do Norte do país.

Os Talibãs não terão controlo total do país e vão querer negociar. Estão moralizados pois conquistaram o Afeganistão de forma inteligente e aproveitaram a deserção das forças armadas regulares. Mas também estão motivados porque minaram a credibilidade dos EUA na defesa dos aliados no mundo muçulmano, após de 20 anos de espera. E ficaram com blindados, aviões, AV e mísseis portáteis das forças armadas afegãs, que rapidamente irão aparecer em cenários de guerra civil ou atentados na Líbia, Iémen ou em algum país do mundo ocidental.

Depois de tudo, também já se percebeu que a conversa dos direitos humanos é para europeus e americanos, e apenas uma pequena parte é que vive com direitos plenos. Mais uma vez, a política baixa impera com os ativistas de esquerda ou direita a defender que venham todos para cá, que podemos acolhê-los, quando isso não é verdade. Deveriam pensar que aquilo que é correto é ajudar ao desenvolvimento local, sem alargar o conceito de estatuto de refugiado.

Mais. Quem, via redes sociais, falava mal dos americanos há um ano porque estavam a ocupar o Afeganistão e, agora, questiona Biden pelo fim da presença local, deveria pensar antes de falar.