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Quatro ideias para explicar a retoma mais lenta de sempre

A Grande Recessão foi em 2009, e a crise da dívida europeia acabou, de forma oficiosa, em 2013. Mas apesar de a retoma já correr há quase quatro anos, é difícil ficar satisfeito com o que se viu até aqui. O crescimento é escasso e não chega sequer para que as economias recuperem o terreno […]
18 Abril 2017, 15h17

A Grande Recessão foi em 2009, e a crise da dívida europeia acabou, de forma oficiosa, em 2013. Mas apesar de a retoma já correr há quase quatro anos, é difícil ficar satisfeito com o que se viu até aqui. O crescimento é escasso e não chega sequer para que as economias recuperem o terreno perdido durante a crise. Nalguns casos, como o do Reino Unido, isto acontece pela primeira vez em muitas décadas.

Não é certamente por falta de estímulos que as economias não arrancam. Apesar de a consolidação orçamental ter dificultado a vida de quase toda a gente de 2011 a 2014, os programas de redução do défice foram postos em stand-by a partir daí, e do lado da política monetária não faltam medidas de todas as formas e feitios – desde o programa de Quantitative Easing a juros negativos, passando por empréstimos de longo prazo e forward guidance, Apesar de tudo isto, o crescimento continua anémico e a inflação pouco sobe (se é que sobe de todo).

Se o leitor está atento a estas coisas já deve saber que não faltam economistas a tentar solucionar o puzzle. Há pelo menos três candidatos, cada um com a sua explicação favorita.

Uma das propostas mais discutidas nos últimos tempos é o “fim do crescimento”, de Roberto Gordon (Northwestern university). Num livro muito aclamado, Gordon argumenta que as grandes inovações são coisa do passado: se nos séculos anteriores conseguimos inventar (ou descobrir) coisas como a máquina a vapor, a luz eléctrica, o automóvel, os transportes aéreos, os antibióticos ou o computador, hoje em dia a inovação está concentrada em nichos cada vez mais específicos e irrelevantes. Para usar a expressão de Peter Thiel, co-fundador da Paypal, “queríamos carros voadores, e tudo o que descobrimos foram os 140 caracteres”, numa referência jocosa ao Twitter. Segundo esta teoria, o crescimento actual é débil porque os frutos mais acessíveis da inovação já foram colhidos. O futuro chegou até nós – e apanhou-nos a meio de uma ressaca.

A segunda hipótese foi colocada por Kenneth Rogoff, um ex-director de investigação do FMI e também autor de outro best-seller (This time is different). Segundo este famoso economista (nem sempre pelos melhores motivos), as crises financeiras são semelhantes a lesões graves: para além da intensa dor que provocam no impacto, deixam muitas vezes sequelas que custam a curar. Rogoff olhou para várias dezenas de países, ao longo de várias décadas, e constatou que no rescaldo de crises financeiras o Produto crescia bem menos do que na sequência de recessões mais típicas. Se esta é a explicação, nem a política monetária nem estímulos orçamentais são de grande utilidade. Só há uma receita para sair deste marasmo: esperar (ao que os críticos respondem que estamos a esperar há quatro anos).

E chegamos assim a Larry Summers, que há poucos anos ressuscitou a teoria antiga da Estagnação Secular. A ideia é simples: há poderosas forças estruturais a reduzir o retorno dos investimentos – por exemplo, a diminuição da população, que reduz o mercado disponível e permite às empresas satisfazerem a procura existente com um stock de capital mais baixo. E, se a procura por investimento cai, então deixa de haver um destino produtivo para o dinheiro que as famílias poupam. As empresas, que até aqui reciclavam estas poupanças, já não têm interesse em pedir emprestado.

A forma habitual de harmonizar estas estes desejos divergentes é baixar a taxa de juro. Mas Summers argumenta ainda que as forças demográficas são tais que nem uma taxa de juro de 0% é suficiente para fazer match entre aforradores e investidores. Só com taxas de juro negativas é que seria possível induzir as famílias a poupar menos (e as empresas a investir mais) para que a economia funcionasse a todo o gás. Não sendo possível fazê-lo, resta pedir a um terceiro agente que invista o dinheiro que o sector privado não pode ser induzido a gastar – e daí chegamos à proposta de um grande plano de estímulo orçamental (e se isto lhe parece similar às ideias de Gordon é porque prestou pouca atenção).

Mas há uma quarta possibilidade a ganhar forma. A ideia parte da hipótese de Summers, mas lima algumas arestas e torce-a noutros pontos-chave. Chamemos-lhe a Estagnação Secular com um twist, para usar as palavras felizes do seu autor, Olivier Blanchard.

Blanchard começa por notar as nossas perspectivas de crescimento passaram por uma revisão drástica ao longo dos últimos anos. Antes da Grande Recessão, quase toda a gente esperava que as economias desenvolvidas crescessem entre 2 e 3% ao ano. Hoje em dia, as estimativas para o PIB potencial estão pelas ruas da amargura. Porquê? Talvez seja porque as “boas ideias” acabaram, como argumenta Gordon; ou talvez seja por outra razão qualquer – a explicação concreta não é muito relevante para o caso; o que interessa é que o futuro parece ter-se tornado subitamente mais sombrio.

A segunda peça da teoria é a relação entre as despesas dos agentes económicos e as suas perspectivas para o futuro. Blanchard e os seus co-autores estudaram a evolução histórica de uma e outra variável e constataram que variações súbitas nas segundas induzem ajustamentos bruscos nas primeiras. As ‘novidades’ no crescimento esperado conduzem a um período de ajustamento de expectativas, ao longo do qual os os agentes económicos se adaptam ao “novo normal” – e, durante esse período, a procura é anormalmente baixa. Entre o optimismo despropositado do passado e o optimismo moderado do futuro, famílias e empresas passam para um interregno de pessimismo excessivo – um undershooting dos valores de longo prazo, para formular a ideia em termos mais técnicos.

Blanchard argumenta que é esse processo que está em curso: um ajustamento a novas circunstâncias, no decurso  do qual a economia funciona temporariamente abaixo daquilo que as suas condições objectivas lhe permitem. Numa apresentação recente, o francês lembra ainda que a novas tendências na economia têm quase sempre sido discutidas sob o prisma dos seus riscos – por exemplo, a possível destruição de emprego produzida pela robotização.

Mas todos os ajustamentos acabam por chegar ao fim, e este não será diferente. Se Blanchard estiver correcto, então há basicamente duas (grandes) implicações. A primeira é que o crescimento que vemos hoje não é um bom guia para o crescimento que teremos no futuro. Ultrapassado o período de ajustamento, a economia vai acelerar – não vai crescer tanto como no passado, mas crescerá mais do que o que tem crescido nos últimos anos.

A segunda, que decorre da primeira, mas é provavelmente mais importante, é que se o crescimento da procura for mais alto do que se supõe, então o ‘apoio’ que a política monetária hoje em dia tem de dar às economias para as manter à tona da água será menos necessário no futuro. As taxas de juro poderão ser mais altas do que se pensa, e superiores àquilo que são as expectativas do mercado. Se isso se confirmar, então as yields negativas que se verificam em muitos países europeus acabarão, mais cedo ou mais tarde, por revelar-se uma bizarria temporária, ditada por circunstâncias extraordinárias.

Ou, como disse Antonio Fatas num post que eu não me canso de recomendar, « When 30 or even 50 year interest rates are negative or close to zero something is not right. Either this is the end of growth as we know it or the start of a 30-year period of extremely low inflation combined with deflation or our expectations are seriously off and we are up for an interesting surprise».

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