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Quatro incógnitas sobre o presente (e o futuro) da economia portuguesa

O défice pode ficar muito abaixo do esperado? Por que poupam as famílias tão pouco? E o que se passa com o investimento empresarial? As dúvidas por esclarecer (e puzzles por resolver) acerca da economia nacional.
4 Outubro 2017, 07h15

A economia portuguesa já leva quase cinco anos de crescimento ininterrupto. A robustez da retoma, iniciada em meados de 2013 e reforçada ao longo deste período, tem feito muito para dissipar as dúvidas que foram sendo levantadas acerca de Portugal à medida que o país saía do programa de ajustamento. Hoje, quem analisa a conjuntura à distância está provavelmente convencido de que não haverá um segundo resgate (a própria Standard & Poor’s parece ter reconhecido isso na semana passada, ao melhorar o rating), tem menos dúvidas em relação à solidez e está menos preocupado sobre o impacto orçamental de uma aliança improvável entre socialistas e os partidos mais à esquerda.

Mas os números globais não contam a história toda, e por baixo dos indicadores mais conhecidos – debaixo da epiderme da economia digamos assim – passam-se coisas muito interessantes. As Contas Nacionais por Sector Institucional, publicadas na semana passada pelo INE, são óptimas estatísticas que nos permitem olhar para a economia com uma lupa maior e identificar tendências que escapam à vista desarmada. Estas são algumas das interrogações e dúvidas que o boletim do segundo trimestre nos obriga a colocar.

1. Até onde pode o défice descer em 2017?
Comecemos por dar algum contexto. Em 2016 o défice ficou nos 2% do PIB e para 2017 a meta está nos 1,5%. Este é o cenário inicial com que o Governo encarou o ano corrente quando fez o Orçamento do Estado (Outubro de 2016). Mas entretanto muita coisa aconteceu, como a divulgação de uma execução orçamental de 2016 que foi melhor do que o esperado e uma forte revisão em alta do crescimento económico para 2017. O que significa isto para as contas públicas?
As Contas do INE não esclarecem as dúvidas, mas dão algumas pistas. Por exemplo, segundo o INE o défice público terá ficado nos 1,9% do PIB nos primeiros seis meses do ano (ver infografia à direita). E, por norma, o saldo orçamental costuma melhorar bastante no segundo semestre – o que, conjugado com algumas contas simples, sugere que o Governo poderá contar com uma ‘folga’ face à meta inicial na casa dos 0,5% do PIB. Correndo a favor do vento, o Executivo terá agora duas opções: deixar tudo como está a tentar um ‘brilharete’ na execução orçamental, ou aproveitar a margem extra e fazer um Orçamento para 2018 mais simpático para os partidos à Esquerda. Só Mário Centeno tem a resposta.

2. O que é preciso para reanimar o investimento privado?
Aqui, também, é preciso contextualizar. O investimento privado tem crescido – algumas projecções antecipam crescimentos na casa dos 4% ou 5%. A questão é que o crescimento é baixo pelos padrões históricos e, como salientou o FMI numa avaliação recente à economia portuguesa, continua a ser escasso para repor o stock de capital que foi sendo destruído ao longo dos últimos anos.
As Contas por Sector Institucional para o segmento das empresas não financeiras põem isso em evidência. A percentagem do Valor Acrescentado Bruto que as empresas estão a investir (e que, na gíria económica, se designa por ‘Taxa de Investimento’) está a crescer desde 2013, mas as melhorias são quase invisíveis a olho nu. A taxa de investimento caiu de 30% (2008) para 19% (2012) e desde então apenas recuperou quatro pontos percentuais. Isto apesar de o crescimento económico ser o mais elevado do século e de as taxas de juro estarem em mínimos históricos. O que é que está a faltar, afinal?

3. E por que é que as famílias poupam tão pouco?
Este é provavelmente a maior questão, para a qual não há uma resposta convincente. A taxa de poupança está hoje em mínimos históricos. De acordo com os dados mais recentes, por cada 1000€ de Rendimento Disponível as famílias portuguesas gastam cerca de 950€, um valor bem acima do que se verifica no resto da Europa (E nestas contas nem estamos a incluir a compra de aquisição própria, que não é considerado um gasto de consumo).
Uma explicação possível é o facto de a Taxa de Poupança ser um indicador muito limitado para avaliar as restrições orçamentais das famílias (hipótese já discutida na coluna de Março – «As famílias portuguesas perderam a cabeça?»). Outra é possibilidade de as famílias estarem a fazer agora compras que adiaram durante o período de crise, o que tornaria a taxa de poupança actual um fenómeno transitório. Ambas as explicações são consistentes com o facto de as famílias portuguesas estarem a reduzir a sua dívida à banca. Mas, a este nível, é tudo especulativo. A verdade é que não sabemos muito bem por que é que os portugueses estão a bater recordes negativos de poupanças pessoais (ver infografia).

4. Onde vai parar o braço de ferro entre trabalhadores e empresas?
Esta metáfora desportiva não deve ser levada demasiado à letra. Tanto os salários dos trabalhadores como os lucros das empresas dependem em última análise da dimensão do PIB, e por isso é enganador ver esta questão como um jogo de soma nula em que os dois lados se digladiam para abocanhar um bolo de tamanho fixo. Mas a verdade é que não há nada de estanque e imutável na forma como o PIB se divide entre salários e lucros.
Por exemplo, um dos efeitos mais claros da crise foi o de reduzir o peso dos salários no Produto Interno Bruto nacional. A fracção do PIB absorvida pelas remunerações caiu de 48% para menos de 44% – uma descida de quatro pontos percentuais que é, a esta escala, bastante significativa. Desde 2013 que houve uma recuperação, mas o terreno recuperado foi curto. Apesar da subida dos salários médios, das mudanças no salário mínimo e da recuperação do emprego, o rácio salários/PIB continua bem abaixo do que se verificava em 2008. Será que é uma questão de tempo? Ou a mudança é estrutural e chegou para ficar?

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