Jorge Pessanha Viegas, 61 anos, é o novo presidente da Federação Internacional de Motociclismo (FIM), desde 1 de dezembro, quando o organismo realizou a sua assembleia geral, em Andorra. Em entrevista ao Jornal Económico, fala da mudança necessária no motociclismo, do regresso do MotoGP a Portugal e de como Miguel Oliveira mudou a perceção nacional sobre o desporto de duas rodas.
Como é observada a Federação de Motociclismo de Portugal dentro da FIM , tendo em conta o seu papel até mesmo por já ter sido candidato há quatro anos?
Quando precisam de ter uma coisa bem organizada pedem-nos a nós. Até agora temos sido organizadores de confiança e isso enche-nos de orgulho. Já organizámos tudo e mais alguma coisa.
O que propõe para o futuro da FIM?
Há uma que tem merecido protagonismo na minha carta de candidatura, que é voltar a consultar e dar poder às federações nacionais em tudo o que são decisões estratégicas. Desde há quatro anos, a FIM transformou-se numa instituição totalmente gerida e comandada pela própria administração – há uma administração que não tem a ver com a federação, são pessoas contratadas e eles têm passado por cima das federações. Não estou nada satisfeito com isso, e digo-o abertamente. Existe uma direção que é constituída por pessoas eleitas, como é o meu caso, mas que tem sido apenas informada das decisões. É uma direção que não é consultada, embora represente os acionistas: o que acontece é que as federações, que são os acionistas, quando chegam às assembleias gerais, que ocorrem uma vez por ano, não têm qualquer poder e já está tudo mais que decidido. E eu quero, para além de outras questões de organização interna, centrar o verdadeiro poder estratégico – não o executivo – nas federações nacionais.
Será esse o maior desafio da FIM?
A FIM está bem financeiramente, não está bem organizacionalmente, e o meu grande desafio é reorganizar. Eu quero mudar as peças do xadrez.
O que pensa da gestão do seu antecessor na presidência da FIM? Espera encontrar coligações negativas naquilo que quer mudar na organização?
A única coisa que posso afirmar é que vou ter uma gestão muito diferente e não vai haver qualquer problema, porque pretendo fazer alterações cirúrgicas que vão alterar por completo a maneira como a FIM tem vindo a ser gerida. Espero que a transição se faça de uma forma completamente amigável e pacífica. Estou um bocadinho preocupado com isso, mas são coisas internas da FIM – o atual presidente estava a apoiar o outro candidato [o austríaco Wolfgang Srb desistiu da corrida eleitoral], daí que não esteja muito satisfeito com o que se está a passar.
Existe alguma aspiração de alguma das modalidades do motociclismo passar a desporto olímpico?
Se temos ambição em participar nos Jogos Olímpicos (JO)? Sim. Já participámos nos Jogos Mundiais, na Polónia – que é uma prova que reúne as disciplinas que não entram nos JO – na modalidade Speedway, que foi a modalidade de demonstração e aquela que reuniu mais público. Nós temos a ambição de conseguir que o Trial com motos elétricas seja uma das modalidades de demonstração e que venha a fazer parte dos JO de Paris [em 2024]. Esse é o nosso objetivo e vamos tentar, porque é uma modalidade que não tem a ver com o motor, mas com a destreza e isso enquadra-se na carta olímpica. Além disso, como se pratica com motores elétricos não tem qualquer problema ambiental.
Como vai o motociclismo em Portugal?
Vai bem, embora não tão bem como queríamos. Em Portugal, a modalidade-forte é o Todo-o-Terreno e o Enduro – tivemos dois campeões do mundo em Todo-o-Terreno, que foram o Hélder Rodrigues e o Paulo Gonçalves. Agora, o Miguel Oliveira foi o acelerador para o surgimento de muitos mais miúdos e mais gente interessada na velocidade. Mas não conseguimos uma massificação no recrutamento de pilotos, embora a partir do momento em que apareceu o Miguel Oliveira as coisas mudaram e, agora, os país já começam a levar os filhos, que querem imitar o Miguel Oliveira.
Portugal tem potencial para “produzir” mais pilotos como Miguel Oliveira?
Capacidade tem. Espero que o Miguel Oliveira não seja caso único. Ainda não foi campeão do mundo, infelizmente – foi vice-campeão duas vezes – mas nós tivemos um campeão do mundo em Motocross e dois campeões do mundo no Todo-o-Terreno. Não vai levar muito tempo até aparecerem mais pilotos com capacidade para irem para um campeonato do mundo. Vão aparecer mais, em breve.
Quando é que Portugal volta a ter uma prova do campeonato do mundo?
Isto é recente, mas o Governo português decidiu recuperar o MotoGP para o autódromo de Portimão, e não para o Estoril. Eu fui contactado pelo Paulo Pinheiro, que é o gestor do autódromo, e já tive reuniões com a Dorna [empresa promotora]. Vai ocorrer, na próxima semana, uma reunião entre ele e a Dorna, em Madrid, e estamos a tentar recuperar o Grande Prémio. Isto, passa por haver uma disponibilidade de verbas para se pagar o espectáculo, mas, por outro lado, não há vagas no calendário pelo menos até 2021 – em principio, mas pode haver uma desistência. O facto de passar a presidente da federação vai ter influência, e até já falei com o promotor. Só se não houver mesmo possibilidade é que não vamos ter de volta o MotoGP. Os circuitos europeus têm todos contratos até 2021.
Mas depois de 2021 é certo?
Isso é uma questão que é dirimida entre o promotor, que é a Dorna, e o circuito, até porque é preciso assegurar determinadas verbas e alguém que financie – pode ser o Governo, através daqueles fundos para o turismo, como aconteceu com a Web Summit, por exemplo.
E como é esse processo de atribuição?
É tudo uma questão contratual: chegar a acordo nas verbas e, quanto ao resto, nós temos mais do que capacidade para organizar. E há uma questão de calendário, até porque a procura é muita. A vantagem que podemos retirar de eu passar a presidente da FIM é nós passarmos à frente da fila de espera de uma série de países.
Nota: Jorge Pessanha Viegas, já assumiu o cargo de presidente da Federação Internacional de Motociclismo.
Artigo publicado na edição 1964, do dia 23 de novembro, do Jornal Económico
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