O polémico artigo de opinião de Maria de Fátima Bonifácio (MFB) no “Público” abriu uma discussão sobre se é lícito a um jornal recusar a publicação de textos de opinião racistas e que contrariem os valores da própria publicação.

O assunto está longe de ser consensual na própria classe jornalística. Muita gente entende que a liberdade de expressão deve ser respeitada também nestes casos e que os jornais não devem “censurar” quaisquer artigos, mesmo que contrariem a sua linha editorial. Os proponentes desta tese argumentam ainda que, dessa forma, se poderá estimular o debate e fazer o contraditório a esses artigos.

Pessoalmente, creio que, embora legítima e compreensível, esta posição assenta num equívoco. Em primeiro lugar, porque um jornal não é a praça pública ou uma rede social. Ninguém tem um direito inato de publicar o que quer que seja nas páginas de um periódico. Os jornais têm regras e critérios editoriais que fazem com que alguns textos sejam publicáveis e outros não. E não existe “censura” quando um texto é recusado por não ter qualidade ou por conter falsidades. Uma crónica que faz generalizações abusivas e preconceituosas não só falta à verdade como não tem qualidade, por muito que alguns tentem demonstrar o contrário com argumentos que começam, inevitavelmente, por um comprometido “sim, mas…”.

Por outro lado, os jornais têm estatutos editoriais que expõem os seus valores e princípios. Este estatuto é um contrato com os leitores, que não pode ser ignorado ou invocado apenas quando tal é conveniente. Se um jornal jura defender a democracia e a dignidade da pessoa humana, não pode depois dar espaço a artigos de opinião racistas. Mais uma vez, não se trata de censura, mas sim de uma opção editorial legítima, que vai ao encontro dos compromissos assumidos com os leitores. Até porque, é bom lembrar, a publicação de um artigo de opinião – ainda que esta vincule apenas o seu autor – resulta sempre de uma escolha da parte de quem dirige o jornal. Quem critica o diretor do “Público” por ter admitido o erro (que, sejamos honestos, pode acontecer em qualquer jornal) de dar à estampa o artigo de MFB esquece-se que o diário tem há 30 anos uma linha editorial assente no pluralismo de opinião, mas também na defesa de valores democráticos e humanistas, que não pode ser ignorada.

Por outro lado, o pluralismo na sociedade não é colocado em causa se um jornal específico recusar publicar um artigo contrário aos seus princípios,  pois não faltam outros media (e redes sociais) onde tais ideias podem ser expostas. É até salutar que haja esta transparência perante o leitor.

Dito isto, não é aceitável a criminalização da opinião, como pretende a SOS Racismo, que apresentou uma queixa contra MFB. A liberdade de expressão é para todos, sobretudo para quem não pensa como nós, sob pena de não ser verdadeira liberdade. Com excepção dos casos extremos em que existe incitamento à violência, a ‘ofensa’, a crítica e os disparates devem ser livres.