O desperdício alimentar resulta dos alimentos que, apesar de estarem em boas condições para serem consumidos, são deitados fora ao longo de toda a cadeia alimentar, que vai desde a produção agrícola, ao processamento, à distribuição e ao consumo final. O ato de deitar para o lixo alimentos ainda adequados ao consumo humano tem sido com frequência negligenciado, talvez porque nas sociedades ocidentais a oferta de alimentos é abundante e o seu preço não pesa muito na estrutura das despesas familiares.

As razões porque desperdiçamos alimentos são conhecidas, variam ao longo da cadeia, desde a produção agrícola (“do campo”), ao processamento, à distribuição e ao consumo final (“ao garfo”) e em função do desenvolvimento do país. Assim, nos países menos desenvolvidos o desperdício é maior no início da cadeia, na fase de pós-produção e resulta sobretudo da falta de infraestruturas adequadas (por exemplo redes de frio) para acondicionar em segurança os alimentos. Já nos países mais desenvolvidos, ele acontece sobretudo na fase de distribuição e de consumo. Esse desperdício decorre das decisões e do comportamento dos consumidores e em muitos casos podia ter sido evitado.

Um relatório da FAO de 2011 estimou que no mundo e por ano se desperdiçavam cerca de 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, ou seja, cerca de um terço de todos os alimentos produzidos para o consumo humano. Um outro relatório de 2014, também da FAO, estimava que esse desperdício tinha um custo anual total (incluindo os custos económicos, ambientais e sociais) de 2,24 biliões de euros, sensivelmente o equivalente ao PIB de França.

Na União Europeia (UE), um relatório do projeto FUSIONS, de 2016, estimou que 89 milhões de toneladas de alimentos adequados para consumo humano sejam perdidos ou desperdiçados por ano, sendo as famílias responsáveis por 47 milhões de toneladas, ou seja 53,6% desse valor. Um estudo do Reino Unido estima que cada família gaste por ano cerca de 780 euros de alimentos comprados, mas não consumidos.

Porque nos devemos preocupar com o desperdício de alimentos? Desde logo porque 821 milhões de pessoas estão em situação crónica de subnutrição ou de insegurança alimentar, dos quais 790 milhões nos países em desenvolvimento, e porque esse valor não tem parado de aumentar. Entre elas estão muitas crianças, cujo crescimento está comprometido por não terem acesso à quantidade de calorias necessárias, e muitas morrem mesmo de fome. Contudo, no mundo são produzidas as calorias suficientes para alimentar toda a população mundial. Ou seja, a insegurança alimentar é sobretudo resultado do desigual acesso aos alimentos, mas também da forma negligente como descartamos alimentos nas sociedades ocidentais mais afluentes.

Mas a questão ética não é a única – embora seguramente a mais relevante – a justificar a crescente atenção que o tema tem merecido.

Fala-se muito em mudanças do clima e dos esforços e diligências que, à escala global, estão a ser realizados para mitigar os seus efeitos. Mas nem sempre se discute a relação entre a produção de alimentos e as alterações do clima, não só enquanto contribuinte para essas alterações, mas também pelos impactos negativos que vai sofrer. Estes estão relacionados com o aumento das temperaturas médias, com a redução da pluviosidade, com as cheias e as secas, em especial quando acontecem fora do período normal ou com o aumento da frequência e da intensidade de tufões.

Essas mudanças do clima irão implicar um aumento dos custos de produção para os agricultores, um aumento das perdas de produção e, em muitos casos, a necessidade de adaptação com a introdução de culturas melhor adaptadas às novas características do clima. Por outro lado, a produção de alimentos dá um contributo não negligenciável para essas mudanças. Processos de mecanização, especialização e intensificação permitiram aumentar consideravelmente o volume de produção e fazer chegar às populações urbanas alimentos abundantes a preços reduzidos.

Mas o custo que pagamos por esses alimentos não inclui o seu impacto ambiental. A agricultura é um dos setores de atividade que mais água consome. Na verdade, se considerarmos toda a água necessária à produção de alimentos podemos dizer que “comemos” mais água do que aquela que bebemos diretamente.

A “água virtual” (a água usada ao longo de todo o ciclo de produção, por exemplo no caso da carne a água utilizada para produzir alimentos e rações para o gado, a água que os animais bebem diretamente, a que é gasta na limpeza e embalamento da carne, no seu transporte…) pode atingir valores consideráveis numa dimensão que escapa à maioria dos consumidores. Para produzir 1 Kg de carne de vaca são necessários entre 13.500 a 20.700 litros de água e para produzir um maçã ou uma laranja (de 100gr) são consumidos respetivamente 70 e 50 litros de água. Assim, sempre que deitamos fora fruta, legumes ou carne estamos a deitar fora também a água que foi utilizada na sua produção.

O uso de agroquímicos que contaminam os solos e a água ou o desmatamento de florestas para criar áreas de produção agrícola ou pastos para o gado e os processos de erosão dos solos são outros dos problemas que decorrem da forma como produzimos os nossos alimentos. Entre eles podemos destacar o desmatamento da Amazónia por causa da criação de gado e da produção de soja, ou o das florestas tropicais que estão a desaparecer por causa da produção de óleo de palma. Ao mesmo tempo que as florestas estão a desaparecer não só estamos a expor esses solos a processos de erosão, por vezes de forma irreversível, como estamos também a reduzir os sumidouros naturais de CO2, um dos gases com efeito de estufa que está associado ao aquecimento do planeta.

Na UE, mesmo se considerarmos apenas os 89 milhões de toneladas de alimentos que se perdem e desperdiçam, eles geram por ano o equivalente a 170 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Um relatório que analisa o desperdício de alimentos sob uma perspetiva ambiental, refere que se o desperdício alimentar fosse um país, seria o terceiro maior emissor de gases com efeito de estufa, depois dos Estados Unidos e da China. Neste contexto, um dos principais desafios, e talvez um dos mais difíceis, que a agricultura enfrenta, é o da necessidade de reduzir a sua pegada ecológica.

A produção de alimentos não passou apenas por um processo de modernização e mecanização, também se globalizou. A cadeia alimentar é complexa, envolve muitos intervenientes, consistindo numa rede de empresas, de produção, processamento, embalagem e distribuição, organizações sem fins lucrativos, reguladores e consumidores, e organiza-se cada vez mais à escala global. Os consumidores têm cada vez menos informação sobre como, onde e quem produziu os alimentos que consome.

Ao contrário do passado recente em que as cidades eram abastecidas preferencialmente por produtores da região envolvente, atualmente os alimentos podem viajar milhares de quilómetros antes de chegarem ao nosso prato. Na verdade, a maior parte dos alimentos que consumimos é mais viajada do que nós próprios. O problema é a pegada carbónica, ou seja, as emissões de CO2 relacionadas com o seu transporte. Para reduzir a pegada de carbono (e contribuir para mitigar as alterações climáticas) devemos consumir de preferência produtos locais e da época.

Por último, a redução do desperdício alimentar – recordemos que deitamos para o lixo 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos adequados ao consumo humano – poderia ser parte da solução do enorme desafio de alimentar uma população mundial que pode atingir mais de 9 mil milhões até meados do século XXI. Por forma a satisfazer uma procura em crescimento, a FAO estima que seja necessário, até 2050, aumentar em 70% a produção de alimentos, em 50% o consumo de energia e em 40% o consumo de água. Ou seja, reduzir o desperdício de alimentos permitiria moderar a necessidade de crescimento da produção de alimentos, reduzir a pressão sobre os ecossistemas e os recursos naturais, nomeadamente a água, e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE), contribuindo para que a UE cumpra a meta a que se comprometeu de baixar as emissões destes gases em 20 % até 2020.

Todas estas são boas razões para olharmos de forma mais atenta para os alimentos procurando usá-los da forma o mais eficiente possível. Enquanto consumidores podemos contribuir sem grande esforço para reduzir o desperdício, por exemplo, planeando as compras, congelando ou doando os excedentes, utilizando as sobras para outra refeição, ou pedindo uma caixa para trazer o que sobrou da nossa refeição num restaurante. Trata-se de utilizar de forma mais eficiente os alimentos já produzidos, que já implicaram o consumo de recursos naturais, financeiros e humanos, que já deixaram uma pegada ecológica. Reduzir o desperdício de alimentos tem não só vantagens para o ambiente, como vimos, mas também vantagens económicas e sociais, e pode contribuir para um planeta mais sustentável.

Iva Pires assina este texto na qualidade de Autora do ensaio “Desperdício Alimentar” da Fundação Francisco Manuel dos Santos

 

Fontes: FAO (2011). Global food losses and food waste. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO); FAO (2014). Food Wastage Footprint, Full-Cost Accounting, Final Report. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO).