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Reformas da crise foram “muito apressadas, num curto período de tempo e com a narrativa errada”

Em entrevista ao Jornal Económico, Arancha Gonzalez, diretora do International Trade Center (ITC), critica a forma como as reformas foram impostas durante a crise económica em países do sul da Europa, como Portugal. E deixa elogios à atual solução governativa.
7 Novembro 2017, 18h52

A diretora do International Trade Center, Arancha Gonzalez, abrilhantou hoje na Web Summit o painel “Free trade isn´t free: A revised trade consensos”. Em entrevista ao Jornal Económico, a especialista em comércio internacional que pelo caminho trabalhou vários anos na Comissão Europeia, defende a importância das reformas implementadas durante a crise económica em países europeus como Portugal e Espanha, mas critica a imposição do período.

A globalização económica e o comércio livre não beneficiam todos os países e todos os grupos de igual forma. Como é que se pode minimizar estas desigualdades?

O paradoxo do comércio internacional é que o comércio é responsável por ter impactos diretos positivos como o crescimento, o emprego e o que acaba por não se compreender é que este comércio é uma ferramenta, um caminho, que necessita de ser colocado em conjunto com outras ferramentas. É preciso uma caixa de ferramentas e nesta caixa é necessário o comércio livre, que estimula a competição interna, mas também outros aspectos como educação, inovação, investigação e desenvolvimento. É preciso boas infra-estruturas, porque se existe um bom produto mas os custos de transportar o produto de um país para o outro são demasiados tem um grande impacto. Também é necessário boas políticas de fiscais. Se as políticas fiscais favorecem as grandes empresas mas não as pequenas…. O que aconteceu nos últimos anos em muitos países, não em todos, mas em muitos, é que muita atenção foi dada ao comércio livre e aos obstáculos mas não foi dada atenção suficiente a outras políticas internas que fariam uma boa utilização desta abertura de mercado. O resultado disso é a desigualdade de distribuição dos benefícios deste crescimento, com estes benefícios a serem desproporcionalmente dirigidos para 1% da população.

Defendeu a importância de políticas fiscais adequadas. Pensa que a União Europeia necessita de uma reforma fiscal?

A UE tem feito um bom caminho para criar condições em algumas áreas, das quais o comércio internacional é um bom exemplo. Tem avançado muito na integração monetária mas muito menos na integração financeira e isto requer claro uma discussão sobre uma reforma fiscal. No final do dia, temos que encontrar o equilíbrio entre competição e equidade. A competição sem justiça não produz benefícios para todos, simplesmente acumula benefícios para alguns.

Há muitas diferenças entre os países da União Europeia. Como é que os países do Sul da Europa, muito afetados pela crise, podem preparar o futuro para responder a uma possível nova crise económica?

No Sul da Europa é importante investir mais nas pessoas. É a tecnologia que está a conduzir de forma massiva a transformação. Há trabalhos que foram perdidos, mas novas oportunidades surgiram. Para estas novas oportunidades beneficiarem as pessoas é preciso investir nas pessoas e isto significa apostar de forma inteligente em educação, em empreendedorismo, em desenvolver condições para ajudar os indivíduos a não ter que ser suportado pelo Estado. Dar-lhe a oportunidade de ser um transformador da transformação económica, porque as pessoas que se desconectam da nossa economia, desconectam-se da nossa sociedade. É por isso que no Sul da Europa é importante investir mais nos indivíduos.

Os últimos anos foram difíceis para Portugal, Espanha e Grécia. A União Europeia foi muito exigente?

Sim. Portugal, Espanha, Grécia e Itália, de formas diferentes, foi-lhes pedido durante muitos anos modelos de crescimento económico que não os prepararam para a economia do futuro. Com a crise o que aconteceu foi que se pediu a estes países, que não investiram da forma certa durante muitos anos, corrigissem esses erros em poucos anos. E isto que foi imposto aos países não foi bom. O objetivo de ajudar estas economias a prepararem-se para o futuro foi muito audicioso e num curto espaço de tempo. Deveria ter sido num melhor período de tempo com soluções mais inteligentes e uma narrativa diferente do que apenas austeridade, austeridade, austeridade. Se alguém é um trabalhador que perdeu o emprego e não há alternativa, a não ser a palavra austeridade, considera que o Governo e a União Europeia não querem saber de ti. Foram muito apressadas, num curto período de tempo e com a narrativa errada e no resultado disso não conseguimos trazer as pessoas através desta transformação.

A austeridade foi utilizada como argumento para implementar políticas que alguns partidos defendiam?

É importante equilibrar a despesa e o investimento. A discussão não deve ser que a UE impôs a austeridade a estes países porque é importante ser responsável, garantir o crescimento para as gerações futuras. Mas ao mesmo tempo enquanto se faz isso é preciso um período de ajustamento porque o ponto de partida estava errado. O que eu não gostei nesta discussão foi que outra pessoa diga como nós devemos gerir as nossas finanças quando nós é que devemos gerir. Para mim é tudo sobre encontrar um balanço.

Na balança, tem mais peso para estes países as políticas internas ou o contexto internacional?

É uma mistura dos dois. Portugal é um bom exemplo. É por isso que digo que Portugal é diferente de Espanha, de Itália e da Grécia. Em Portugal, formou-se um consenso nacional, um consenso da coligação de esquerda que está a governar. É um consenso que compreende que é necessário fazer reformas internas mas que é necessário manter Portugal no comércio e negócios internacionais e que tem aumentado o volume das exportações. Portugal está por exemplo a investir muito no empreendedorismo, nas startups, em capturar investimento para as startups. É um pensamento muito bom porque o futuro passa pelo ecossistema destas startups. Começa sempre com encontrar um consenso interno. E em outros países tem sido muito mais difícil encontrar esse consenso.

As exportações têm sido o principal motor do crescimento económico. Não é um risco ficar dependente das exportações?

É inevitável que Portugal aposte nas exportações porque é um mercado interno muito pequeno. E essa é a beleza do comércio internacional. É claro que não se pode colocar tudo no mesmo cesto, apostar no mesmo ‘target market’ porque isso é muito arriscado. Olhar para África, para União Europeia, para a América Latina, para a Ásia e a combinação disto é poderosa. Portugal necessita desta abertura ao mundo.

Porque é que o protecionismo não é a resposta para os novos desafios que se colocam a nível global?

O protecionismo comercial está muito na moda atualmente, porque é fácil falar dele. Quando se fala sobre proteção as pessoas adoram. Só que ao mesmo tempo é muito preguiçoso como resposta porque o protecionismo comercial não protege os trabalhadores. O comércio internacional não ameaça o emprego, a tecnologia é que está a mudar o emprego. Há postos de trabalho que vão desaparecer nos próximos anos porque estamos a encontrar meios tecnológicos que estão a transformar esses empregos mais baratos se feitos por uma máquina do que por uma pessoa. E que tipo de proteção social vamos ter no futuro? Vamos ter uma proteção que redistribui os lucros dos impostos ou vamos precisar de reformas mais radicais? Países que não invistam na proteção social não vão ser capazes de sobreviver no futuro.

Os ideais protecionistas de Donald Trump são uma preocupação?

Quando eu olho para os EUA eu vejo muita diferença na forma como os benefícios são distribuídos. Muitas pessoas perderam os seus postos de trabalho mas simplesmente dizer às pessoas que vão sair dos acordos comerciais é uma resposta muito, muito pequena. São pessoas com grandes problemas para esta resposta. O protecionismo não ajudará, o que ajudará é uma reforma séria no sistema de saúde, uma discussão séria sobre os custos da educação, o investimento na construção de infra-estruturas digitais. São estas questões que são muito mais difíceis responder nos EUA.

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